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SUMÁRIO

2.3 PENSAMENTO CRÍTICO (PC)

2.3.2 Categorias de Pensamento Crítico

Diversos autores trazem propostas de categorização do pensamento crítico que têm sido utilizadas por pesquisadores das mais diferentes áreas. Dentre estes, destacam-se Freire, Carraher e Facione.

Freire (1967) cita três estados de consciência: intransitividade, transitividade ingênua e transitividade crítica. A consciência intransitiva se caracteriza pela limitação da capacidade de apreensão de conhecimento e informação que impede seu interesse por desafios fora do seu mundo próximo, representando sua falta de compromisso com sua própria existência. Nela, os indivíduos aderem quase imparcialmente à realidade, cuja imersão nas situações do dia a dia não lhes permite enxergar as verdadeiras causas dos acontecimentos. Segundo Freire (2007), o aparato cognitivo desses sujeitos não propicia que se afastem de sua realidade para poder vê-la de forma objetiva e, assim, poder criticá-la.

A transitividade ingênua é representada pela interpretação simplista dos problemas, pelo apreço às explicações mágicas e fantasiosas, pela fragilidade na elaboração de argumentos e pela falta de curiosidade investigativa. Representa uma fase de transição na qual o entendimento da realidade se amplia para além das experiências vividas, mas, ainda assim, representando uma consciência controlada. Isso não permite que essas pessoas percebam a própria capacidade de alterar sua realidade.

No extremo oposto da intransitividade está a transitividade crítica, que corresponde a um estado de consciência no qual se interpreta profundamente os problemas e se assume a responsabilidade social e política, deixando de lado a passividade e considerando princípios causais, bem como a prática do diálogo e da argumentação fundamentada, sem aceitar explicações prontas como sendo a verdade absoluta. Aqui, o indivíduo pode passar a ser o sujeito histórico e cultural, deixando de ser objeto de dominação e ultrapassando a fronteira da inércia e da ignorância.

Contudo, o ser humano não permanece necessariamente num mesmo estado de consciência, pois, a cada vez que dilata sua capacidade de percepção sobre as questões que surgem ao seu redor, e também sua habilidade para o diálogo e argumentação, ele transita de um estado para outro, mais avançado. É por meio da interação com o outro e com o mundo que o homem amplia sua consciência. Por conta disso, Freire (1967) afirma que a existência humana representa um conceito dinâmico. Assim, este autor aponta para uma educação pautada no diálogo e na participação ativa dos estudantes como a ferramenta para o desenvolvimento do pensamento crítico.

Facione (2000) estrutura suas pesquisas utilizando as capacidades e disposições de pensamento crítico. Ele considera que, para uma pessoa fornecer respostas consistentes, é imprescindível que ela utilize raciocínio indutivo e dedutivo e seja capaz de fazer análises, inferências e avaliações da forma mais correta possível. O autor pondera que o desempenho é uma manifestação das capacidades individuais. Assim, pessoas com fortes capacidades tendem a executar tarefas que as requerem com menos erros.

Para Facione (2000), as capacidades de pensamento crítico compreendem: análise, interpretação, inferência, explicação, avaliação e autocorreção. Interpretação corresponde à compreensão e expressão do significado de uma variedade de fatos, situações, crenças, regras e procedimentos. Análise implica identificar o relacionamento entre sentenças, questões, conceitos, descrições que expressam crença, julgamento, razões e opiniões. Avaliação significa dar credibilidade às representações que descrevem a percepção, experiência, julgamento, crença ou opinião de alguém, bem como o relacionamento entre diversas coisas, como sentenças, descrições e questões. Inferência tem relação com identificação e segurança de componentes que garantam conclusões razoáveis, formulação de hipóteses, ponderação sobre informações significativas e redução de consequências advindas dos dados, princípios, evidências etc. Explicação abarca a apresentação coerente e convincente de argumentos sobre o raciocínio de outra pessoa, a partir de considerações conceituais, metodológicas, evidenciais e contextuais. Por fim, a autorregulação abrange o monitoramento da atividade cognitiva de alguém, bem como dos elementos usados e resultados dela (FACIONE, 2015).

No entanto, Facione (2000) ressalta que não existe uma ordem definida para execução das capacidades para construção de um julgamento crítico sobre o que fazer ou em que acreditar. Chama a atenção ainda para o fato de que uma capacidade de pensamento crítico pode ser usada a partir de uma questão, mas também a partir do resultado obtido do uso de outra capacidade. Como exemplo, o autor apresenta que é possível coletar uma série de dados, em seguida interpretá-los e analisá-los, fazendo-se uma avaliação da interpretação feita, ou explicando-se a análise de uma avaliação, ou também uma correção da análise ou da interpretação, ou ainda uma revisão da correção e interpretação da análise.

Além disso, Facione (2015) considera as disposições que levam ao pensamento crítico para categorizá-lo. O referido autor aponta que as disposições compreendem ser inquisitivo, sistemático, sensato, analítico e confiante no raciocínio, além de ter uma mente receptiva e buscar a verdade.

Para Carraher (1999), ser um pensador crítico compreende a existência de duas mentes. Uma delas, de vertente analítica e reflexiva, que não se contenta com evidências inconsistentes e demanda comprovação. Outra, de caráter criativo e artístico, que relaciona experiências, vê significados/implicações e se inspira.

Outro aspecto importante é a neutralidade do pensador crítico com relação aos valores. Carraher (1999) define que existem pensadores críticos e pensadores comuns no tocante à forma como estes são influenciados pelos valores. O autor considera que os motivos, que interferem nas escolhas e posições, não inviabilizam o uso do senso crítico. Dessa maneira, o pensador

crítico não é isento de valores,1 e nem deve ser. A diferença entre o pensador

comum e o crítico está no fato de que o comum permite que sua forma de análise e concepção seja embotada pelos valores. O pensador crítico, por outro lado, pratica a coerência, a clareza, a reflexão e a observação cuidadosa para entender melhor a situação social e produzir uma ação responsável, tentando

1 Segundo Carraher (1999), valores compreendem a definição de uma posição sobre o que é “bom,

ver a situação de uma posição mais neutra. O pensamento crítico envolve, então, ser capaz de separar fatos de valores na tomada de decisão.

Além dos autores citados, existem pesquisas que foram desenvolvidas utilizando algum tipo de categorização do pensamento crítico. Um exemplo nesse âmbito é a pesquisa elaborada por Freire (2007), que analisou de que forma o ensino de conceitos de química com enfoque CTS pode desenvolver o pensamento crítico dos estudantes.

Freire (2007) considera que a ausência de pensamento crítico em uma pessoa implica uma condição que precisa ser percebida, entendida e transformada. Para tal, a autora mencionada indica que o uso de um processo de ensino que tenha como linha mestra o diálogo tem se mostrado uma ferramenta importante no ambiente escolar, tendo em conta que as relações interpessoais são a base para o desenvolvimento do senso crítico.

Em sua pesquisa, Freire (2007) elaborou uma categorização do pensamento crítico, considerando que o caminho para sua elaboração passa pelos seguintes aspectos: curiosidade intelectual ou epistemológica, observação ampla e plural, interpretação aprofundada e argumentação fundamentada. Para cada um desses aspectos a autora elaborou duas categorias de pensamento crítico: Curiosidade ou Ignorância intelectual/Epistemológica; Pluralidade na observação ou Observação Ingênua; Profundidade na interpretação ou Pseudointerpretação; e Argumentação fundamentada ou Ausência de argumentos.

A curiosidade intelectual implica um interesse incomum de compreender as razões, indo além das explicações reducionistas. Uma pessoa curiosa intelectualmente se permite considerar múltiplas perspectivas ao examinar uma situação, não se contentando com uma explicação simples. Ela quer fundamento e profundidade e está disposta a rever sua linha de raciocínio diante de informações novas. A ignorância intelectual se constitui no comportamento oposto, quando a pessoa se satisfaz com a informação que recebe, não se importando se não lhe é dada alguma explicação, e não se preocupando em não saber uma resposta, ou seja, não tem aspiração em conhecer ou entender mais.

Ter pluralidade na observação implica se distanciar do fato para poder ver melhor e buscar mais informações sobre o assunto, de forma a aprofundar o conhecimento. É necessário ver uma situação sob pontos de vistas diferentes (político, social, econômico etc.) para que o indivíduo seja menos tendencioso e influenciável. No outro extremo está a observação ingênua, na qual a pessoa se restringe a ver apenas o que lhe interessa ou entende. Nesse caso, não existe interesse em ouvir a opinião dos outros ou perceber outras maneiras de encarar uma situação.

Com relação à profundidade na interpretação, Freire (2007) considera que é preciso ter cuidado com informações tendenciosas, analisar os argumentos empregados e decodificar o que está posto e o que foi omitido. As pessoas capazes de se atentar para essas questões possuem capacidade de interpretar mais profundamente um tema. No entanto, Freire (2007) considera que se a pessoa se restringe a perceber apenas o fato, sem se preocupar com informações subjacentes ou omitidas, apresenta uma pseudointerpretação.

A classificação a partir da argumentação compreende sua ausência ou sua fundamentação. Na ausência de argumentação, não são apresentadas justificativas plausíveis para uma opinião. Conforme Freire (2007), o discurso se torna frágil se não for acompanhado de evidências contundentes, podendo ser facilmente destruído. Já uma argumentação fundamentada é aquela na qual a pessoa compreende claramente o conteúdo e consegue compor evidências que defendem a sua opinião no sentido de convencer outra pessoa. Para o convencimento de alguém é preciso que as informações estejam organizadas e apresentadas de maneira clara e compreensível.