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PREFÁCIO

4. RECONHECIMENTO HIDROGEOLÓGICO

4.3. CAUDAL ESPECÍFICO-TRANSMISSIVIDADE

O conhecimento dos parâmetros hidráulicos dos aquíferos, como a permeabilidade, a transmissividade, o coeficiente de armazenamento e o factor de gotejamento, no caso dos aquíferos semiconfinados, é imprescindível, dado que fazem parte das equações que regem o fluxo das águas subterrâneas. O método mais usual e mais indicado para os estimar é o baseado na interpretação dos ensaios de bombagem, que são por vezes de realização difícil, demorada e cara.

Geralmente são escassos os ensaios que se conseguem reunir, mas em contrapartida é frequente recolher-se um elevado número de valores de caudais específicos (caudal bombeado dividido pelo rebaixamento do nível da água resultante da bombagem no furo correlacionável com a transmissividade). A Bacia do Tejo não foge à regra, pois, a um elevado número de valores de caudal específico, contrapõe-se um reduzido número de ensaios de bombagem, por sinal obtidos em condições pouco favoráveis à sua interpretação.

Com o objectivo de encontrar uma relação válida entre caudal específico e transmissividade para o aquífero detrítico cenozóico do Vale do Tejo, fizemos o estudo estatístico da transmissividade e do caudal específico.

Grande parte dos relatórios de sondagens hidrogeológicas estudados incluía dados de ensaios de bombagem realizados, nos furos de captação em regime variável. A interpretação destes ensaios não permite determinar o coeficiente de armazenamento e o factor de gotejamento, visto que a evolução do nível da água no decurso do ensaio não foi seguida através de piezómetro. Não obstante as limitações apontadas, procedemos à interpretação de 222

ensaios pelo método de Theis e determinámos a transmissividade (Fig. 4. 2). Traçadas as curvas representativas da evolução dos níveis no tempo em papel logarítmico, como é exigência do método, verificamos que a melhor sobreposição resultava para as curvas teóricas de WALTON-HANSTUSH, definidas para aquíferos semiconfinados em regime variável.

Após algumas horas de bombagem em todos os furos, foi atingida, com certa rapidez, a estabilização do nível da água, indício da existência de aquitardos. As curvas experimentais obtidas, todas de aquíferos semiconfinados, eram sobreponíveis às curvas teóricas para valores de r/B variáveis entre 0,001 e 1.

10000 1000 100 10 1 0.1 .01 .1 1 5 10 20 30 50 70 80 90 95 99 99.9 99.99 Mediana 68 Nível de significância de 90% média 132,5 desvio padrão 13,0 P (T>X) Transmissividade (m2/dia)

Fig. 4. 3 - Modelo de distribuição da transmissividade.

A anisotropia do aquífero, manifestada ao nível da transmissividade, foi testada pela representação da lei de distribuição a que este parâmetro obedece. Partiu-se de 222 valores de transmissividade, em m2/dia, e da probabilidade acumulada, calculada segundo o método de Gunabel (CUSTODIO & LLAMAS, 1976). Verificou-se haver um bom ajustamento (nível de significância de 90 %) à distribuição log-normal (Fig. 4. 3) de média igual a 132,5 m2/dia, semelhante ao que acontece no aquífero detrítico de Madrid, para o qual ALFARO (1979) reconheceu uma lei de distribuição logarítmica-normal, relativamente à transmissividade e ao caudal específico.

A representação de 1084 valores de caudal específico, distribuídos por todo o aquífero segundo metodologia semelhante, confirma o mesmo tipo de distribuição (Fig. 4. 4) já encontrada para a transmissividade. Seguem, assim, uma lei de distribuição log-normal com média igual a 3,03 l/s/m.

Caudal específico (l/s/m) 100 10 1 0.1 0.01 0.001 .01 .1 1 5 10 20 30 50 70 80 90 95 99 99.9 99.99 P (qs>X) mediana 1,6 Nível de significância de 93% média 3,03 desvio padrão 4,20

Fig. 4. 4 - Modelo de distribuição do caudal específico.

Em virtude da facilidade e abundância de valores do caudal específico, contrariamente ao que acontece com os ensaios de bombagem, numerosos autores, nos últimos anos, propuseram-se encontrar uma relação válida entre ambos.

CAMACHO Y CAMACHO (1975, pp. 38 e 39) considera a influência de 19 factores sobre o caudal específico, relacionáveis com as características do aquífero, ou com aspectos ligados à construção, que se passam a transcrever de forma resumida:

1 “- Transmissividade do aquífero. 2 - Coeficiente de armazenamento. 3 - Caudal de bombagem.

4 - Raio nominal do furo.

5 - Tempo decorrido desde o início do ensaio até ao momento da medição. 6 - Profundidade ou espessura saturada do aquífero atravessado.

7 - Posição e comprimento dos rasgos do filtro.

8 - Perdas de carga induzidas pelo aumento de velocidade da água na entrada do filtro e dreno.

9 - Desenvolvimento da captação. 10 - Anisotropia do meio.

11 - Homogeneidade do aquífero nas proximidades da captação. 12 - Método de perfuração empregue.

13 - Localização dos filtros e do dreno. 14 - Tipo de filtro.

16 - Tipo de aquífero.

17 - Tipo de prova empregue.

18 - Erros de medição imputáveis ao método de medida dos níveis. 19 - Erros relativos ao operador.”

No entanto, admite que os efeitos da maior parte destes factores, considerados individualmente, são em geral, irrelevantes.

Para o Terciário de Madrid, propõe a seguinte relação entre transmissividade e caudal específico, se o valor de B for grande, na ordem de 50 m ou 100 m. Quando for inferior a 3 m deve substituir-se o factor 100 por 30:

T = 100 1 E qs

sendo:

T - a transmissividade em m2/dia qs - o caudal específico em l/s/m

E - a eficiência da captação (define-se como sp teórico / sp real).

O método de Logan (1964, in Cruz, 1992), aplicável em meios porosos quando há um rebaixamento modesto em relação à espessura do aquífero, considera que a equação de Thiem, para o regime de equilíbrio, pode assumir a forma da expressão: T = 122 Q sp sendo: T - a transmissividade (m2/dia) Q - o caudal captado (l/s/m) sp - o rebaixamento na captação (m).

ALFARO (1979) chega a um coeficiente de transformação de q em T de 64 (T= 64 qs + 2,21; T em m2/dia e qs em l/s/m), cerca de metade do proposto pelos autores citados e, como tal, considera que tais relações só devem valer para cada situação geo-hidrológica particular.

No caso presente do vale do Tejo, em Portugal, no aquífero detrítico, partimos de 194 pares de valores de T e de qs para a representação do diagrama de dispersão (Fig. 4. 5) (consideramos somente os caudais específicos

situados entre 0,1l/s/m e 10 l/s/m, intervalo onde se situam 90 % da amostra, ou seja, 975 valores de uma população de 1084).

0 200 400 600 800 1000 Transmissividade (m 2 /di a) 1200 1400 0 2 4 6 Caudal específico (l/s/m) 8 10

RELAÇÃO TRANSMISSIVIDADE-CAUDAL ESPECÍFICO Intervalo de caudais específicos: 0,1 l/s/m a 10 l/s/m 194 pares de valores

Fig. 4. 5 - Diagrama de dispersão dos pares T-qs.

A dispersão do diagrama é acentuada, mas nota-se tendência preferencial de alguns dos pontos (62 pares de valores) para definirem uma recta (Fig. 4.6), que se obtêm com um coeficiente de correlação de 99,7 %.

A recta encontrada (T = 100,23 qs - 7,126) relaciona a transmissividade com o caudal específico, segundo um coeficiente multiplicativo do caudal na ordem de 100,23, por sinal muito semelhante ao proposto por CAMACHO Y CAMACHO (100), na ordem de grandeza do de LOGAN (122), e quase duplo do de ALFARO (64).

0 100 200 300 400 500 600 700 T ransmissividade (m 2 /dia) 0 1 2 3 4 5 6 7 Caudal específico (l/s/m) -62 pares de valores -Coeficiente de correlação 0,997 -Equação da recta de regressão T=100,23qs-7,126

Fig. 4. 6 - Relação Transmissividade-Caudal específico.

A dispersão do diagrama não é aleatória, sendo grande a concentração de pontos abaixo da recta, relativamente aqueles que a ultrapassam, isto é, ocorrem muito mais situações onde a transmissividade calculada pelo ensaio é inferior à prevista, do que o contrário. Dos 194 pontos, 10 (5 %) afastam-se da recta para valores superiores ao previsto, 62 (32 %) definem a recta, e os restantes 122 (63 %) situam-se abaixo do valor esperado. A explicação para esta discrepância de resultados, se admitirmos válida a relação definida, poderá atribuir-se a erros do operador durante a execução do ensaio, devido às perturbações induzidas no furo pela bombagem, ou à desadequação do método seguido na interpretação das curvas experimentais.

Estes números são desencorajadores à interpretação de ensaios de bombagem, realizados nos furos de captação, se pensarmos que somente 30 % deles poderão estar nas melhores condições de execução e interpretação. Este aspecto poderá ter contribuído para o baixo factor encontrado para a relação T- qs, definida por ALFARO em 1979, cujo valor foi obtido a partir de uma selecção de 49 pares de valores para o traçado de uma recta de regressão com coeficiente de regressão com 90 % de probabilidades de estar compreendido entre 0,50 e 0,78, o qual se nos afigura algo baixo.

Grosso modo, a produtividade do sistema aquífero reparte-se por três classes: uma, constituída por caudais específicos inferiores a 1 l/s/m; outra, por valores superiores a 2 l/s/m; e outra, pelos valores intermédios, 1 l/m/s e 2 l/s/m

(Fig. 4.7).

Os maiores caudais específicos concentram-se na margem esquerda do Tejo, em Catapereiro e Infantado (6,2 l/s/m); em Poceirão, Setúbal e Águas de Moura (4,2 l/s/m); no Seixal (3,27 l/s/m) e numa faixa que se estende, ao longo do Tejo, de Vila Franca de Xira a Benavente, Azambuja, Santarém, Ulme e Abrantes (3,2 l/s/m). Enquanto os mais baixos (0,4 l/m/s e 0,5 l/s/m) surgem predominantemente no Miocénico da margem direita, de Lisboa e Península de Setúbal.