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Causa de pedir próxima e pedido imediato: elementos secundários

Capítulo III – Relação entre Demandas Coletivas

III.5. Elementos objetivos das demandas coletivas

III.5.3. Causa de pedir próxima e pedido imediato: elementos secundários

Este subitem demonstra que a causa de pedir próxima e o pedido imediato, conquanto importantes, não são primordiais para fins de identificação das demandas. Em outras palavras, havendo coincidência entre a causa de pedir remota e o pedido mediato, aqueles outros dois elementos objetivos não são suficientes para impedir o reconhecimento da litispendência.

Com relação à causa de pedir próxima, no mais das vezes, ela contém não só os fundamentos jurídicos do pedido, como, também, informações de cunho social, político e ideológico, isto é, fatos secundários voltados quase que exclusivamente ao convencimento do juiz. Nesse sentido, LEONEL reconhece que os fatos secundários trazidos pela causa de pedir próxima, embora possam ser preponderantes para o acolhimento ou a rejeição da demanda, não se prestam, propriamente, à individuação da demanda, tratando-se de um mecanismo suasório345. Se assim o é, pode-se concluir que a causa de pedir próxima tem menor relevância como elemento de identificação da demanda, não podendo ser empecilho para o reconhecimento da litispendência quando a causa de pedir remota e o pedido mediato forem, essencialmente, os mesmos.

Mesmo raciocínio aplica-se ao pedido imediato, isto é, ao tipo de provimento requerido. Em sede de demandas coletivas, considerando que o artigo 83 do CDC admite todas as espécies de ação para a tutela dos interesses coletivos, é possível que haja demandas com pedidos imediatos distintos, mas todas visando ao mesmo fim, ou seja, objetivando o mesmo resultado prático. Nesse caso, ontologicamente, o elemento petitum será o mesmo, de forma que a literalidade do pedido imediato não poderá ser empecilho ao reconhecimento da litispendência.

345

LEONEL, Ricardo de Barros. A causa petendi..., op. cit., p. 154. Todavia, no Manual do Processo Coletivo (op. cit.), o autor refere-se a essa mesma questão em sentido oposto: “a fundamentação valorativa (...) não configura dados simplesmente secundários do conflito (...), mas dados essenciais, servindo à individualização da demanda coletiva” (p. 234).

Este é o caso, por exemplo, de duas ações civis públicas ambientais propostas por diferentes legitimados ativos contra a mesma empresa poluidora: em uma delas, o pedido é de cassação da licença ambiental (constitutiva negativa) e, na outra, de paralisação das atividades (condenatória em obrigação de não fazer), mas ambas objetivam, em uma interpretação extensiva, a mesma coisa: o estancamento daquela atividade poluidora.

A expressão “estancamento daquela atividade poluidora” traz, em si, os dois elementos necessários e suficientes para identificar as ações: (i) o fato constitutivo do direito alegado – a poluição –, que constitui a causa de pedir remota (‘fato violador’); e (ii) a finalidade das demandas – o estancamento da atividade, com vistas a melhorar a qualidade do ambiente –, que constitui o pedido mediato (o bem da vida).

Corroborando esse entendimento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu pela reunião de duas ações civis públicas ambientais dada a semelhança do pedido mediato (preservação do ecossistema do rio Jacuí), salientando que o bem jurídico coletivo (o rio) deve ser o objeto central da tutela coletiva, ainda que os pedidos imediatos sejam distintos, desde que conduzam a um mesmo resultado: a efetiva proteção do bem da vida346. Assim, a bem ver, também a identidade dos pedidos imediatos pode ser mitigada, contanto que esteja bem delineada a identidade de propósitos, o fim último que se visa a atingir com ambas as ações, o resultado prático dos processos, enfim, o bem jurídico por elas tutelado.

É preciso mencionar, no particular, a relação estabelecida entre a espécie de interesse coletivo tutelado (difuso x coletivo em sentido estrito x individuais homogêneos) e o pedido imediato. Em linhas gerais, a doutrina entende que o pedido imediato divergirá conforme se trate de interesses difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, o que afastaria a identidade de ações pelo tipo de provimento jurisdicional requerido.

346

TRF da 4ª Região. Turmas Reunidas. Conflito de Competência – CC 8904007089, Rel. Juiz Oswaldo Alvarez, j, 20.05.1992, v.u., DJU 15.07.1992.

Como salienta GIDI, “o pedido da ação coletiva de direito difuso é absolutamente diverso do pedido de condenação genérica de responsabilidade civil por danos individuais”347.

No mesmo sentido, MANCUSO entende que:

Se a concomitância ocorre entre duas ações que, posto relevem de uma mesma causa remota (v.g., publicidade enganosa) visam cada qual a tutela de diferentes dimensões do interesse metaindividual (numa, o interesse difuso à correta divulgação dos produtos e serviços e supressão da mensagem publicitária viciada; noutra, o interesse individual homogêneo ao ressarcimento devido à comunidade dos lesados individuais), é claro que aí não se configura a litispendência, podendo, eventualmente, dar-se a continência ou a conexão, conforme se apresente o caso concreto348.

Em que pese isso, concessa maxima venia, é possível argumentar que a espécie de interesse diz respeito não ao tipo de provimento jurisdicional, mas ao próprio bem jurídico

tutelado, que poderá ter natureza difusa, coletiva ou individual homogênea. A esse

respeito, vale lembrar a distinção trazida por SANTOS, segundo a qual “o pedido imediato consiste na providência jurisdicional solicitada: sentença condenatória, declaratória, constitutiva ou mesmo providência executiva, cautelar ou preventiva”349, ao passo que o pedido mediato é a utilidade que se quer alcançar pela sentença. Nas ações coletivas, como se sabe, o pedido imediato tem, em regra, natureza condenatória, eis que consubstanciado em obrigações de fazer, não fazer e dar (artigo 3º da LACP). Disso extrai-se que a diferenciação quanto ao bem jurídico tutelado – se difuso, coletivo ou individual homogêneo – é questão afeta mais ao pedido mediato do que ao imediato.

347

GIDI, Antonio. Coisa julgada..., op. cit., p. 221. No mesmo sentido, RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública..., op. cit., p. 145.

348

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A concomitância de ações coletivas, entre si, e em face das ações individuais. In Revista dos Tribunais, ano 89, v. 782, São Paulo, dez. 2000, p. 40.

349

AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1997, v.1, p. 163.

De outro enfoque, BEDAQUE ressalta que qualificar um direito como difuso, coletivo ou individual homogêneo precede a própria judicialização do conflito, razão pela qual se opõe à afirmação de que “a tutela jurisdicional pleiteada [é] o elemento a determinar a natureza do interesse deduzido em juízo. Ao contrário, é o tipo de direito que determina a espécie de tutela”350.

Por seu turno, VENTURI afirma haver relação de litispendência ou continência entre uma ação coletiva em defesa de direito difuso e outra em defesa de direitos individuais homogêneos. Isso porque as ações em defesa de direito difuso contêm, implicitamente, um pedido de condenação genérica que já abrangeria a tutela dos direitos individuais homogêneos351. Conclui que:

Já estando inserida a pretensão de tutela de direitos individuais homogêneos na demanda difusa ou coletiva, haverá, necessariamente,

relação de litispendência, continência ou de coisa julgada assim que

ajuizada a demanda de tutela de direitos individuais homogêneos, devendo, portanto, ou determinar-se, ao menos, a reunião dos feitos, ou rejeitar-se liminarmente a admissão desta última, respectivamente352.

O mesmo se diga em relação ao “nome” ou ao “tipo” de ação coletiva ou à Lei na qual se funda a ação: Lei da Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor ou Lei do Mandado de Segurança353.

No entender de RODRIGUES, a mera diferença de procedimento não afasta a identidade entre tais ações, uma vez que o procedimento não constitui o elemento identificador da demanda354. A esse respeito, já ensinava CHIOVENDA que “pouco

350

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 34/36.

351

Como, por exemplo, o reconhecimento da responsabilidade civil do infrator – an debeatur –, permitindo, desde logo, a liquidação e execução individuais – quantum debeatur –, com base na sentença de procedência da ação em defesa de direito difuso.

352

VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 338.

353

Sobre o contraste entre ação civil pública e ação popular, vide CRUZ E TUCCI, José Rogério e TUCCI, Rogério Lauria. Devido processo legal e tutela jurisdicional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 138 e ss.

354

importa que as duas causas procedam de demandas concebidas em forma diversa ou em formas de procedimentos diversos”355. Com efeito,

Não será pelo fato de se tratar de demandas nominalmente distintas (ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo, ação de improbidade administrativa etc.) que, teoricamente, poderá deixar de existir entre todas elas relação de litispendência, conexão ou continência, e, conseqüentemente, a rejeição das posteriores ou sua reunião perante o juízo prevento356.

Como salienta GIDI, se entre essas ações ocorrer identidade de causa de pedir e de pedido, haverá litispendência: “serão a mesma e única ação coletiva, apenas propostas com

base em leis processuais diferentes”357. Em adição, GRINOVER358 e MAZZILLI359 entendem que, nessa hipótese, as ações não poderão coexistir, sob pena de resultarem em decisões contraditórias. Isso porque “entre a ação civil pública e a ação popular existe, quanto ao objeto, um vasto núcleo comum, justificado pela aptidão de ambas para a tutela judicial de interesses difusos”360, o que, em última análise, permite que se reconheça a “identidade” entre elas.

Em sentido contrário, em estudo de 1991, BARBOSA MOREIRA aponta uma possível diferença entre as Ações Civil Pública e Popular: por se tratar de ‘ação de responsabilidade por dano’, a Ação Civil Pública, se julgada procedente, desembocará em uma sentença condenatória (obrigação de fazer, não fazer ou dar), ao passo que a Ação Popular, por cuidar de ‘atos eivados de vício de ilegalidade’, desembocará, se procedente, em uma sentença declaratória ou constitutiva, embora, eventualmente, com alguma condenação assessória361. Segundo o autor, essa diferença seria suficiente para afastar eventual bis in idem. Ocorre, porém, que, de 1991 para cá, a doutrina evoluiu e passou a

355

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições..., op. cit., v.II, p. 387.

356

VENTURI, Elton. Processo..., op. cit., p. 340.

357

GIDI, Antonio. Coisa julgada..., op. cit., p. 219. No mesmo sentido, LEONEL, Ricardo de Barros. Manual..., op. cit., p. 229. Ainda, sobre o assunto, destacam-se os seguintes julgados: STJ - Resp 208680/MG – 2ª Turma - Min. Peçanha Martins – j. 31.05.2004; STJ – RMS 12550/RJ – 2ª Turma – Min. Eliana Calmon – j, 12.08.2002; e STJ – Resp 158536/SP – 1ª Turma – Min. Garcia Vieira – j. 17.04.1998.

358

GRINOVER, Ada Pellegrini. Uma nova modalidade de legitimação à ação popular. Possibilidade de conexão, continência e litispendência. In Ação Civil Pública – reminiscências e reflexões após 10 anos de aplicação. MILARÉ, Édis (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 23/27.

359

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos..., op. cit., p. 229.

360

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública..., op. cit., p. 215.

361

reconhecer que o objeto da ação civil pública é muito mais amplo e pode ter natureza, inclusive, mandamental. Com isso, é plenamente possível que os objetos de uma e de outra ação coincidam, não sendo, dadas todas as vênias ao grande doutrinador, empecilho para o reconhecimento de litispendência, por exemplo.

III.6. Conclusão preliminar: identidade de seis elementos x semelhança