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Conclusão Preliminar: Identidade de seis elementos x semelhança de dois

Capítulo III – Relação entre Demandas Coletivas

III.6. Conclusão Preliminar: Identidade de seis elementos x semelhança de dois

Embora a teoria dos tria eadem seja toda baseada na identidade dos três elementos, é certo que cada um desses elementos se subdivide em dois (pólo ativo e passivo; causa de pedir próxima e remota; pedido mediato e imediato), de forma que a tríplice identidade,

pode-se dizer, é “sêxtupla”. Dessa forma, pela regra do CPC, para que duas ações possam

ser consideradas idênticas ou repetidas, é necessário que haja coincidência dos seis elementos, o que é bastante difícil de acontecer na prática.

É possível, no entanto, imaginarmos uma situação em que os seis elementos não sejam absolutamente idênticos e, mesmo assim, as ações sejam repetidas (litispendentes). Naturalmente, para tanto, será necessário adotar uma visão mais flexível das regras do CPC (e mais consentânea com a realidade da jurisdição coletiva). Com efeito, ainda que os elementos de duas ou mais ações não sejam absolutamente idênticos, pode acontecer de todas as demandas estarem inseridas no mesmo contexto social, temporal e geográfico, e, mais do que isso, visarem ao mesmo resultado prático, de forma que, em uma visão mais flexível, elas podem ser consideradas a mesma e única ação.

Daí se dizer que, em sede de jurisdição coletiva, é possível que duas ações sejam a mesma e única demanda ainda que, dos seis elementos, apenas dois sejam comuns. Os elementos necessários e suficientes para se reconhecer a identidade de ações coletivas são a causa de pedir remota e o pedido mediato. A conjugação desses dois elementos permite identificar o núcleo essencial da demanda, o thema decidendum, o bem jurídico

coletivo tutelado em ambas as ações – o que, em última análise, não escapa da análise

Mas a modernização dos conceitos tradicionais do processo civil não pára por aí. Além do foco na causa de pedir remota e no pedido mediato, é possível afirmar que tais elementos não precisam ser rigorosamente idênticos para que as ações sejam consideradas

a mesma; basta que eles sejam semelhantes ou comuns362. A expressão comum é, aqui, empregada no sentido de tudo aquilo que é “compartilhado” por mais de uma pessoa, no sentido de “algo em comum”. Mais especificamente, estamos a nos referir à contextura

existencial363 e ao resultado prático visado pelas ações coletivas, que poderão ser comuns a todas.

De posse desses conceitos, vale analisar brevemente um caso concreto, ocorrido em 2003 no Estado de Santa Catarina. Trata-se da implantação de uma unidade industrial, cujo licenciamento foi presidido pelo o órgão ambiental estadual. Apresentados o Estudo de Impacto Ambiental o respectivo Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA e realizada audiência pública, o órgão competente analisou os impactos positivos e negativos do empreendimento e concluiu pela sua viabilidade ambiental, razão pela qual emitiu a Licença Ambiental Prévia.

Contrapondo-se ao projeto, três associações civis ambientalistas propuseram uma primeira Ação Civil Pública, visando a obstaculizar a implantação da unidade industrial, bem como impedir o licenciamento ambiental do empreendimento, sob a alegação de riscos ao meio ambiente. Nesta primeira ação, foram requeridas a declaração de ilegalidade da Licença Ambiental Prévia, assim como a declaração de inviabilidade do projeto. Ainda, requereu-se a condenação da empresa à obrigação de não fazer, consistente em não promover a instalação do empreendimento e a condenação do órgão ambiental em abster- se de expedir quaisquer licenças ou autorizações.

Indeferida a decisão liminar, o licenciamento teve seguimento, sendo emitida a Licença Ambiental de Instalação. Às vésperas da emissão da Licença Ambiental de Operação, outras tantas ações civis públicas foram propostas, por diferentes legitimados

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Como pontua ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva: “a ação coletiva será a mesma quando forem comuns a causa de pedir e o pedido” (In Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 198 – g.n.).

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Cf. LUCON, Paulo Henrique dos Santos, GABBAY, Daniela Monteiro, ALVES, Rafael Francisco e ANDRADE, Tathyana Chaves de. Interpretação do pedido..., op. cit., p. 195/196.

ativos, em comarcas distintas, ora na Justiça Estadual, ora na Justiça Federal, todas elas com o mesmo objetivo: impedir ou dificultar a implantação do empreendimento.

Na segunda Ação Civil Pública, a associação civil requereu a declaração de nulidade das Licenças Ambientais emitidas; a inviabilização do empreendimento; a demolição das obras já realizadas; e a reparação de eventuais danos causados.

Concomitantemente, houve a propositura de uma terceira Ação Civil Pública, por outra associação, na qual se requereu a paralisação dos testes que vinham sendo realizados na unidade industrial.

Não bastasse, uma quarta Ação Civil Pública foi proposta por outra associação, requerendo-se a declaração de nulidade das Licenças Ambientais emitidas, o deslocamento da competência para o licenciamento ambiental do órgão estadual para o federal e, por conseguinte, a reelaboração/reapresentação dos estudos ambientais.

Houve, ainda, uma quinta Ação Civil Pública, movida por outra associação, na qual foram requeridos: a interrupção das obras e testes referentes ao emissário de efluentes; a condenação da empresa à indenização pelos danos causados ao meio ambiente; não- emissão da Licença Ambiental de Operação.

Por fim, uma sexta Ação Civil Pública foi proposta, desta vez pelo Ministério Público Federal, que requereu a condenação da empresa em obrigação de fazer, consistente na implantação dos controles ambientais necessários para que a empresa opere dentro dos padrões legais, sob pena de cessação de suas atividades.

Uma análise mais profunda (e flexível) das seis demandas permite concluir que todas elas têm um mesmo núcleo essencial e visam ao mesmo resultado prático: obstaculizar a implantação da unidade industrial, impedindo o seu licenciamento ambiental. É inegável que as demandas versam sobre o mesmo thema decidendum, sendo fácil notar que o bem jurídico tutelado por todas elas é um só.

Assim, por mais que haja uma ou outra diferença (“cosmética”) entre as petições iniciais, é certo que essas “nuances” nada mais são do que tentativas de “camuflar a

identidade jurídica existente entre elas, justamente no intuito de tentar-se evitar a

‘exceção’ de litispendência oponível na segunda demanda”364. De fato, todas essas ações possuem a mesma causa de pedir remota e o mesmo pedido mediato: a causa de pedir é a suposta ilegalidade das licenças ambientais emitidas e o receio de dano ambiental decorrente das atividades da empresa, e o pedido mediato é a não-implantação do empreendimento.

Com base nisso, parece-nos possível sustentar a existência de verdadeira

litispendência entre tais demandas, tanto por economia processual (não faz sentido a

empresa ter que se defender em seis ações), quanto para evitar a prolação de decisões conflitantes. Afinal, se o juiz estadual determinar o prosseguimento do licenciamento, autorizando o funcionamento da unidade industrial e o juiz federal determinar sua imediata paralisação, declarando a inviabilidade ambiental do empreendimento, que decisão deverá ser implementada, considerando-se que o objeto é indivisível e a coisa julgada, erga

omnes?

Daí porque o presente trabalho propõe – como resultado da flexibilização/modernização dos conceitos tradicionais do processo civil – não só um enfoque preponderante sobre a causa de pedir remota e o pedido mediato, como, também, um “abrandamento” da identidade absoluta, que poderá ser substituída pela semelhança desses dois elementos (interpretação extensiva). Embora essas alterações não estejam vigentes, nem na legislação processual individual, nem na coletiva, dada a inovação que encerram, é importante tê-las como paradigma.

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