Capítulo III – Relação entre Demandas Coletivas
III.7. Ações coletivas x ações individuais: exceção que confirma a regra
III.7.1. Peculiaridade: Ações pseudo-individuais
Ainda dentro deste subitem, cabe analisar a questão das chamadas ações pseudo-
individuais, que são aquelas propostas por indivíduos, com aparência de ações individuais,
mas que, em verdade, têm alcance coletivo, dada a incindibilidade do seu objeto. Nesses casos, considerando a natureza jurídica da relação de direito material, o Judiciário deverá decidir a questão de modo uniforme e global para todos, sob pena de denegar-se acesso à justiça, por meio da prolação de decisões contraditórias, não só no plano teórico, mas no plano prático, para situações idênticas376.
375
“Art. 8º. O ajuizamento de ações coletivas não induz litispendência para as correspondentes ações individuais, que tenham objeto correspondente, mas haverá a suspensão destas, até o julgamento da demanda coletiva em primeiro grau de jurisdição.
§ 1º. Durante o período de suspensão, poderá o juiz perante o qual foi ajuizada a demanda individual conceder medidas de urgência.
§ 2º. Cabe ao réu, na ação individual, informar o juízo sobre a existência de demanda coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico, sob pena de, não o fazendo, o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso de o pedido da ação individual ser improcedente.
§ 3º. A ação individual somente poderá ter prosseguimento, a pedido do autor, se demonstrado mediante fundamentos idôneos a existência de graves prejuízos decorrentes da suspensão, caso em que não se beneficiará do resultado da demanda coletiva.
§ 4º. A suspensão do processo individual perdurará até a prolação da sentença da ação coletiva, facultado ao autor, no caso de procedência desta e decorrido o prazo concedido ao réu para cumprimento da sentença, requerer a conversão da ação individual em liquidação provisória ou em cuprimento provisório da sentença coletiva, para apuração ou recebimento do valor ou pretensão a que faz jus.
§ 5°. No prazo de 90 dias contados do trânsito em julgado da sentença coletiva, a ação individual suspensa será extinta, salvo se postulada a sua conversão em liquidação ou cumprimento de sentença coletiva.
§ 6º. Transitada em julgado a sentença coletiva de improcedência do pedido que não seja fundada na insuficiência de prova, as ações individuais serão extintas.
§ 7º. Em caso de julgamento de improcedência do pedido em ação coletiva por insuficiência de provas, a ação individual será extinta, salvo se não for requerido o prosseguimento no prazo de 90 dias contados do trânsito em julgado da sentença coletiva”.
376
WATANABE, Kazuo. Relação entre demanda coletiva e demandas individuais. In Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. GRINOVER, Ada Pellegrini,
Partindo da indivisibilidade do objeto, SALLES ensina que:
Uma medida em benefício de um interesse mais disperso pode reflexamente beneficiar um mais concentrado, e, reversamente, há situações nas quais, em razão da indivisibilidade do objeto, a defesa de um determinado bem, por um grupo ou mesmo por um indivíduo, pode atender, por via indireta, um interesse difuso377.
Assim, quando o objeto de uma demanda individual for indivisível, pode ocorrer de o seu atendimento, em prol do indivíduo, atingir, por via reflexa, a coletividade como um todo. Nessas hipóteses, a questão deverá ser decidida de modo uniforme e molecularmente. Mesmo se tratando de um bem indivisível, o cidadão está legitimado a agir, a exemplo do que já ocorria na Ação Popular romana, em que o indivíduo e a gens tinham o mesmo interesse e por isso ele é autorizado a agir.
Em termos práticos, basta pensar no caso de poluição ambiental: “sendo deferida uma obrigação de não fazer como a determinação do fechamento da fábrica, mesmo que em sede de demanda individual, estas medidas iriam beneficiar a todos os envolvidos” 378, como decorrência lógica da indivisibilidade do objeto. Outros exemplos de demandas pseudo-individuais podem ser encontrados nos casos de poluição sonora, em que o fechamento de um estabelecimento a pedido de um vizinho traz reflexos para toda a coletividade, ou no caso de suspensão da fabricação de determinado medicamento a pedido de um consumidor.
Neste caso, pergunta-se: o artigo 104 do CDC teria aplicabilidade? A propositura de uma ação (pseudo)individual poderia configurar litispendência com uma ação coletiva? Tudo indica que sim. Se ambas as ações tiverem por base mesma relação jurídica
substancial e objetivarem o mesmo resultado prático, qual seja, a tutela do
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro e WATANABE, Kazuo (Coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 156.
377
SALLES, Carlos Alberto de. Execução Judicial em Matéria Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 141.
378
GABBAY, Daniela. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação (Mestrado). 23.10.2007. Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto de Salles. São Paulo, 2007. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, p. 59.
mesmo bem indivisível, a litispendência pode ser reconhecida, até para se evitar a prolação
de decisões contraditórias.
Nesse sentido, vale lembrar que a questão foi muito bem tratada no art. 6º, §3º, do ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS DA USP (sem correspondência na PROPOSTA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA/SECRETARIA DE REFORMA DO
CAPÍTULO IV – POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA O CONFLITO
A partir de tudo o que se expôs – especialmente as flexibilizações propostas no Capítulo III – passa-se à análise das possíveis soluções práticas para a concomitância/concorrência de demandas coletivas, ponderando-se prós e contras de ambas as opões: reunião para julgamento conjunto (conexão) ou extinção das demandas subseqüentes (litispendência).