• Nenhum resultado encontrado

Reunião para julgamento conjunto (conexão/continência)

Capítulo III – Relação entre Demandas Coletivas

IV.1. Qual a solução para o conflito?

IV.1.1. Reunião para julgamento conjunto (conexão/continência)

Não há dúvida de que a doutrina e a jurisprudência majoritárias optam pela reunião para julgamento conjunto. Essa opção é vista, pela maioria dos doutrinadores, como a saída mais adequada para solucionar a relação entre demandas coletivas. Trata-se de solução que, a um só tempo, preserva a legitimação concorrente-disjuntiva para a defesa dos interesses coletivos (lato sensu) e evita a prolação de decisões contraditórias.

A reunião de processos coletivos poderia ser a melhor solução, por quatro motivos: (i) porque o segundo processo pode estar mais adiantado que o primeiro; (ii) porque o autor do segundo processo pode ser mais adequado do que o do primeiro; (iii) porque os processos podem ter objetos diferentes; e (iv) porque, com a reunião, todos os co- legitimados poderão participar do processo382.

Nessa linha, MANCUSO destaca que:

A reunião das ações assemelhadas consulta ao ideal da democracia

participativa, na medida em que não se tolhem as iniciativas de cada qual

dos co-legitimados ativos, e ao mesmo tempo evitam-se os riscos do trâmite em paralelo dessas ações afins, as quais ficam reunidas para julgamento conjunto perante o Juízo que, tendo despachado a primeira delas, ficou prevento383.

381

GIDI, Antonio. Rumo..., op. cit., p. 311.

382

Cf. apontado por GIDI, Antonio. Ibidem, p. 311.

383

Em adição, existem diversos precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça determinando a reunião dos processos, a exemplo do Conflito de Competência nº 19686/DF, em que Ministro Demócrito Delgado proferiu o seguinte voto:

O malefício de decisões contraditórias sobre a mesma relação de direito consubstancia a espinha dorsal da construção doutrinária inspirada no princípio da ‘simultaneus processus’ a que se reduz a criação do ‘forum connexiatatis materialis’. O acatamento e respeito às decisões da justiça constituem o alicerce do Poder Judiciário que se desprestigiaria na medida em que dois ou mais juízes proferissem decisões conflitantes sobre a mesma relação jurídica ou sobre o mesmo objeto da prestação jurisdicional. A configuração do instituto da conexão não exige perfeita identificação das demandas, senão que entre elas preexista um liame que as torne passíveis de decisões unificadas384.

Encampando a tese de que os processos devam ser reunidos, GOMES JR. afirma que “havendo identidade de pedido(s) e causa(s) de pedir entre Ação Popular e Ação Civil Publica, devem os processos ser reunidos para decisão conjunta, não se justificando a

extinção de um deles sob o argumento de que havia litispendência”385. Para o autor, deveria ser invocada a regra do art. 5º, §3º, da Lei 4.717/65, para se reunir os processos perante o juízo prevento e, “caso haja decisões diferentes (liminares), deve ser cumprida aquela de lavra do juízo prevento, já que esse é quem irá julgar todas as demandas” 386.

Boa parte da doutrina e da jurisprudência assenta sua conclusão no artigo 5º, §3º, da Lei da Ação Popular, reiterado pelo artigo 2º, parágrafo único, da LACP (introduzido pela Medida Provisória n. 2.180-35/2001). Ocorre, porém, que a regra de prevenção estipulada nesses dispositivos nada mais é, a nosso ver, do que um critério de fixação de competência, não implicando, necessariamente, que demandas idênticas tenham de tramitar como se fossem conexas (i.e., reunidas para julgamento conjunto). A regra determina, apenas, que as futuras ações, sejam elas idênticas ou conexas à ação já ajuizada, devam ser julgadas (ou

384

STJ, Conflito de Competência CC 19686/DF, DJU 17.11.1997.

385

GOMES JR, Luiz Manoel. Curso..., op. cit., p. 194 (g.n.).

386

extintas) pelo juízo prevento387. Este, como se sabe, será aquele em que for distribuída a primeira ação coletiva, nos termos do artigo 2º, parágrafo único, da LACP388.

É preciso também considerar a importância do critério de prevenção na fixação do foro e do juízo competentes, nos termos dos arts. 106, 219 e 263 do CPC, assegurando prelação ao órgão jurisdicional a quem foi distribuída a primeira das ações confrontadas. Nesse sentido, MANCUSO destaca o posicionamento firmado pelo STJ, no sentido de que as ações civis públicas intentadas em juízos diferentes, com fundamentos idênticos ou

assemelhados, devem ser reunidas perante o juízo a quem foi distribuída a primeira ação

(prevento), a quem competirá processar e julgar todas as ações389.

Por seu turno, LUCON et al. defendem que, configurada a litispendência, pode ser “preferível que não ocorra a extinção do processo ulterior, mas a reunião das

demandas”390, pois isso certamente beneficiaria a tutela do bem jurídico coletivo. No mesmo sentido, GOMES JR.391, referindo-se à posição de PIZZOL, defende que, ainda que haja litispendência entre ações coletivas, não deve ser aplicada a regra (individualista) da extinção de um dos processos, conforme verbis:

O instituto processual da litispendência tem forte característica individualista, devendo ser aplicado com reservas quando estiver sendo objeto de análise ações coletivas. (...) Resumindo: ainda que haja coincidência entre o objeto de uma Ação Popular e uma Ação Civil pública, não há lugar para a invocação da litispendência, devendo haver a

387

Nesse sentido, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Litispendência em ações coletivas. In Processo Civil Coletivo. MAZZEI, Rodrigo e NOLASCO, Rita Dias (Coords.). São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 286/287 citando REZENDE FILHO, Gabriel, para quem “a prevenção pode ocorrer não só em relação a causas idênticas, como em relação a causa conexas” (In Curso de direito processual civil, v. 1, Saraiva, 1957, n. 147, p. 148).

388

Por se tratar de regra especial, este critério de prevenção prevalece sobre os critérios do CPC. Sobre o tema, vide SCARPINELLA BUENO, Cassio. Conexão e continência entre ações de Improbidade Administrativa (Lei 8.429, de 1992, art. 17, §5º). In Improbidade Administrativa – questões polêmicas e atuais. SCARPINELLA BUENO, Cassio e PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coords.). São Paulo: Malheiros, 2003; e, ainda, VENTURI, Elton. Processo..., op. cit., p. 342.

389

1.ª Seção, CC 22.693/DF, j. 09.12.1998, v.u., RSTJ 120/27.

390

LUCON, Paulo Henrique dos Santos, GABBAY, Daniela Monteiro, ALVES, Rafael Francisco e ANDRADE, Tathyana Chaves de. Interpretação do pedido..., op. cit., p. 195. Sustentam os autores que o ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS DA USP teria adotado esta linha de raciocínio, ao modificar o tradicional efeito da litispendência para determinar a reunião dos processos ao invés da extinção das ações ulteriores.

391

reunião dos processos, com fundamento na conexão, para tramitação e decisão conjunta, raciocínio que se estende às demais Ações Coletivas392.

Para LUCON et al. a extinção das demandas ulteriores só seria admitida excepcionalmente, como no caso de mais de uma ação proposta pelo mesmo legitimado ativo393. Com o devido respeito, ousamos discordar: o argumento está em contradição com outra afirmação dos mesmos autores, contida no mesmo estudo, no sentido de que “a identidade de partes, importante requisito, será flexibilizada para atentar à coletividade como um todo e não aos legitimados ativos que vieram em juízo”394. Se o que deve coincidir é a coletividade titular do bem (substituída), e não os substitutos processuais, por que diferenciar ações propostas pelo mesmo legitimado de ações propostas por legitimados distintos, reconhecendo a litispendência naquele caso e afastando neste? Concedida a devida vênia, parece não haver uma resposta satisfatória para tal diferenciação.

Por fim, e não com menos respeito, entendemos que também merece ressalva o entendimento de GOMES JR., no sentido de que “se já houve sentença, não há utilidade na reunião, devendo, aí sim, ser extinta a demanda ajuizada em segundo lugar, até pela ausência de interesse processual”395. Com o devido respeito, a exceção acaba por infirmar a própria “regra” da conexão; afinal, se os institutos da litispendência e da coisa julgada são ‘paralelos’, não há justificativa plausível para se reconhecer a falta de interesse processual quando uma das demandas já foi julgada e negar esta mesma conclusão quando uma das demandas ainda estiver pendente.

392

GOMES JR, Luiz Manoel. Curso..., op. cit., p. 196.

393

No mesmo sentido (a contrario sensu), cite-se julgado do STJ, no qual foi a repetição de ações foi encarada como conexão e não como litispendência, por se tratar de diferentes legitimados ativos (STJ, 2ª Turma, REsp 512074/RS, rel. Min. Franciuli Netto, j. 16.11.2004, apud WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Litispendência em ações coletivas. In Processo Civil Coletivo. MAZZEI, Rodrigo e NOLASCO, Rita Dias (Coords.). São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 289/290).

394

LUCON, Paulo Henrique dos Santos et al. Op. cit., p. 195.

395

IV.1.2. Extinção das demandas subseqüentes (litispendência / coisa