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Coisa julgada nos direitos individuais homogêneos

Capítulo II – Aspectos intrínsecos da Jurisdição Coletiva

II.5. Pontos nevrálgicos das ações coletivas

II.5.2. Indivisibilidade do objeto

II.5.3.3. Coisa julgada nos direitos individuais homogêneos

No caso das ações coletivas para tutela de interesses individuais homogêneos, o regime da coisa julgada opera-se de forma um pouco mais complexa: a coisa julgada será

erga omnes apenas no caso de procedência do pedido, sendo, por isso, chamada de coisa

julgada in utilibus

Se a ação for julgada procedente, todos os indivíduos serão beneficiados pela coisa julgada, isto é, a coisa julgada terá efeitos erga omnes – (art. 103. III, CDC). Nesta hipótese, os indivíduos poderão promover a liquidação da sentença coletiva, demonstrando que sua situação enquadra-se na condição genericamente descrita181. Tal regra, no entanto, comporta uma exceção – em uma interpretação analógica e teleológica do art. 104, in fine,

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CDC182: não poderão beneficiar-se da sentença de procedência da ação coletiva os indivíduos que, tendo proposto ação individual, não requererem a suspensão de seus processos.

De outro lado, se a ação for julgada improcedente, a sentença não prejudicará interesses e direitos individuais183, sendo facultado aos indivíduos intentarem sua própria ação (art. 103, §2º, CDC). Aqui, também, a regra comporta uma exceção: não poderão demandar individualmente as pessoas que tiverem ingressado na ação coletiva como assistentes184.

Ressalvados os direitos individuais, é certo que, no plano coletivo, a sentença de improcedência inviabilizará a propositura de nova demanda por qualquer dos legitimados ativos, seja a improcedência pelo mérito ou por insuficiência de prova.

A bem ver, portanto, nos direitos individuais homogêneos, a coisa julgada opera efeitos erga omnes apenas para beneficiar os indivíduos. A extensão in utilibus da coisa julgada deve-se a uma opção do legislador brasileiro, de não adotar a técnica da fair notice e o sistema do opt in ou opt out, típico das class actions norte- americanas. É bem verdade que a doutrina não é unânime quanto ao acerto do legislador pátrio em instituir o sistema da extensão in utilibus da coisa julgada para os interesses individuais homogêneos.

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A doutrina, de forma majoritária, reconhece que houve um erro de remissão no artigo 104 do CDC, ao se referir apenas aos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81 (interesses difusos e coletivos), deixando de mencionar o seu inciso III (interesses individuais homogêneos). Tal questão será analisada com mais vagar no Capítulo III, item III.7.

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Vale mencionar que o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA/SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIO, em sua proposta de alteração da Lei da Ação Civil Pública, altera essa regra em dois dispositivos, a saber: artigo 8º, §6º (“Transitada em julgado a sentença coletiva de improcedência do pedido que não seja fundada na insuficiência de prova, as ações individuais serão extintas”); e artigo 29, §2º (“Os efeitos da coisa julgada coletiva na tutela de direitos individuais homogêneos não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe, que poderão propor ações individuais em sua tutela, desde que o pedido no processo coletivo tenha sido julgado improcedente por insuficiência de prova”).

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Aqui, também, o ANTEPROJETO DA USP altera a regra atual, ao dispor em seu artigo 6º, §1º que: “Cabe ao demandado informar o juízo da ação individual sobre a existência de demanda coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico, sob pena de, não o fazendo, o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso de a ação individual ser rejeitada”; no mesmo sentido é a proposta do Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário (artigo 8º, §2º).

Há quem entenda que essa sistemática torna o processo pouco eficaz no plano concreto, desatendendo ao objetivo de maximização dos resultados185. Isso porque, no caso de improcedência, inúmeras demandas individuais poderão ser propostas, o que tornaria o processo coletivo inútil. Pior: as ações individuais seriam distribuídas livremente, podendo gerar resultados antagônicos (pois nenhum juiz ficará vinculado ao julgamento de improcedência da ação coletiva), dando ensejo à situação denominada por CAMBI de “jurisprudência lotérica”186. Tal circunstância pode ser entendida como uma afronta ao princípio da isonomia, não bastasse a diferença de tratamento entre as partes do processo (o julgamento a favor da coletividade é válido para fins de imutabilidade, ao passo que o julgamento a favor do réu não impede a rediscussão da matéria em inúmeras ações individuais). Daí porque os doutrinadores filiados a essa corrente propõem a adoção do sistema das class actions norte-americanas, com notificação dos interessados para, em querendo, optarem por não se sujeitarem à coisa julgada (right to opt out), ou, do contrário, sujeitarem-se à coisa julgada seja ela favorável ou não (whether or not favorable). Afinal, se o autor da ação coletiva representou adequadamente os interesses da coletividade, grupo, categoria ou classe, com zelo, capacidade, empenho, idoneidade, não há porque se alegar ofensa ao contraditório e à ampla defesa dos substituídos.

Em que pesem esses argumentos, outros tantos doutrinadores de escol defendem exatamente o contrário: o sistema da extensão secumdum eventum litis e in utilibus é condizente com as características e necessidades da jurisdição coletiva, além de observar o princípio da inafastabilidade da jurisdição e da inviabilidade de notificação de todos os interessados187. Além da custosa notificação (de difícil execução em um país de dimensões continentais e de comunicação precária como o nosso), o sistema norte-americano ainda

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Nesse sentido: CRUZ E TUCCI, José Rogério (Código do Consumidor e Processo civil – Aspectos polêmicos. Revista dos Tribunais, n. 671, p. 35/39, São Paulo: Revista dos Tribunais, set. 1991); LIMA, Maria Rosynete Oliveira (Devido processo legal. Porto Alegre: Fabris, 1999, p. 271/272); LEAL, Márcio Flávio Mafra (Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre Fabris, 1998, p. 210); MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (As ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 4, p. 261/262); DINAMARCO, Pedro Silva (Ação civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p.105/106); MATTOS, Luiz Norton Baptista de (A litispendência e a coisa julgada nas ações coletivas segundo o Código de Defesa do Consumidor e os anteprojetos do Código Brasileiro de Processos Coletivos. In Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. GRINOVER, Ada Pellegrini, MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro e WATANABE, Kazuo (Coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 207).

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CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 786, p. 108/128, 2001.

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Nesse sentido: LENZA, Pedro. Teoria..., op. cit., p. 269; ROCHA, Ibraim. Litisconsórcio, efeitos da sentença e coisa julgada nas ações coletivas. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p 223; LEONEL, Ricardo de Barros. Manual..., op. cit., p 265; GIDI, Antônio. Coisa julgada..., op. cit., p 97, dentre outros.

traz a ‘desvantagem’ da fase de certificação, que pode dar ensejo a incidentes processuais desnecessários188, se comparado ao regime da representatividade ope legis. Embora não seja um sistema perfeito, entendemos que o sistema adotado pela LACP e pelo CDC ainda apresenta mais vantagens do que desvantagens.