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2 O ENSINO SUPERIOR E A EVASÃO DE ESTUDANTES

2.1 CARACTERÍSTICAS DO ENSINO SUPERIOR EM DIFERENTES PAÍSES

2.2.1 Causas para a evasão em IES no Brasil referidas na literatura

Os demais estudos que apontam causas para o fenômeno da evasão de estudantes no ensino superior encontrados na literatura têm abrangência mais restrita, seja a uma instituição em particular (como Andriola, Andriola e Moura (2006); Pereira (2004); Pereira (2003); Veloso & Almeida (2002); Hotza (2000); Souza (1999); Lotufo, Souza, Covacic e Brito (1998) ) ou a um curso específico em mais de uma instituição (como Biazus (2004) e Gomes (1998) ) ou ainda restrito a um determinado curso de uma determinada instituição (como Lins e Silva (2005); Machado, Melo Filho e Pinto (2005); Cunha, Tunes e Silva (2001) e Santos e Noronha (2001) ).

A consideração destes diversos trabalhos na montagem de um quadro referencial das causas que levam os estudantes a abandonarem o curso no qual ingressaram configura uma revisão sistemática, na medida em que não há como aferir a relevância de cada causa ao se consolidar resultados de estudos com diferentes abordagens, realizados em distintas instituições, cursos e períodos de tempo, com visões da instituição, do estudante, do coordenador ou do administrador, com populações e amostragens diversas etc. O esforço na elaboração de tal quadro se justifica na medida em que permite visualizar-se um panorama geral das causas para a evasão no Brasil e, pela freqüência com que cada causa é referida, sugerir a relevância relativa de cada uma.

Cabe, entretanto, observar que a partir de meados da década de 90, concomitantemente com o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, ocorreram mudanças significativas na legislação que regulamenta o ensino superior no Brasil, levando em conta os seus elevados custos e estimulando a realização de pesquisas além de oportunizar uma grande expansão da rede privada.

O Quadro 3 apresenta o conjunto de causas para a evasão em IES brasileiras apontadas por estudos encontrados na literatura. Na coluna da esquerda são listadas as causas, agrupadas pela sua pertinência em relação aos aspectos do próprio curso, das condições oferecidas pela instituição, das características pessoais do estudante e, finalmente, das condições financeiras no presente e perspectivas profissionais no futuro. Na coluna da direita são apontadas, por meio de códigos numéricos, as fontes nas que referem cada uma das causas. Após o Quadro 3, são apresentadas as referências às fontes correspondentes a cada código numérico.

Quadro 3 - Causas da evasão discente em IES brasileiras apontadas na literatura revisada.

AGRUPAMENTO

CAUSAS FONTES

DESEMPENHO ACADÊMICO

Dificuldade para acompanhar o curso / Desempenho insatisfatório Carga elevada de aulas, conteúdos e trabalhos / Clima de pressão Repetência / Baixa freqüência às aulas

1,2,3,4,5,8,12,13

Escassez de tempo para atender todas as demandas 1,2 DIDÁTICO – PEDAGÓGICAS

Deficiência didática dos docentes 1,2,3,4,6,7,8,13

Deficiências na educação básica (redação, leitura e interp., matemát.) 2,6,9,13,10

Critérios de avaliação impróprios 2,3,4,6,8

Deficiência pedagógica dos docentes (qualidade => exigir => reprovar) 1,2,6,7,13

Falta de associação entre teoria e prática nas disciplinas 1,4,7,8

Falta de motivação dos docentes 3,4,8,12

Falta de respeito / atendimento dos docentes para com os estudantes 4,8,10

Docentes inexperientes (provisórios, iniciantes) nos semestres iniciais 1,9

Alta cobrança em provas / Pouca orientação sobre o que/como estudar 1,10 AMBIENTE SÓCIO-ACADÊMICO

Falta de processo de adaptação do estudante ao sistema universitário 1,2,3,7

Pouco relac. entre estudantes e estudantes x docentes / Isolamento 1,5,10

Dificuldades de adaptação à vida universitária 3,13

Estudantes de outras cidades têm problemas na instalação, adaptação 1,10

Falta de sistema integrado de informações ao estudante (normas, órgãos, recursos, serviços, bolsas, estágios, cursos extracurric. etc) 1,10 Ausência de sistema de orientação profissional e apoio psicológico 1

Ingressantes no 2º semestre poderiam ter preparação prévia 1 CURRÍCULO

Currículos longos / Desatualizados para o mercado 2,3,4,8,14

Ausência de integração entre disciplinas / Desconhecimento pelos docentes dos conteúdos das demais disciplinas 1,4,8

Cadeia rígida de pré-requisitos 3,4,8

Semestres iniciais (disciplinas básicas) sem foco na prática profissional 1

Pouca ênfase nas disciplinas profissionalizantes 4 CURSO

Necessidade de dedicação "exclusiva" / Disciplinas em + de um turno 2,4,8,9,10

Deficiências na infra-estrutura (salas, equiptos, laboratórios, biblioteca) 3,4,8,11,14

Orientações insuficientes por parte da Coordenação do curso 2,4,13

Falta de programas PET e de iniciação à pesquisa, empresa júnior e

estágios para a prática do curso 3,4,8

Curso ñ oferece boa formação prática / Pouca integração c/ empresas 4,8,10

Disciplinas com alto grau de reprovação 2,3

Transferência para em outra instituição (busca por melhor qualidade) 5 INTERESSES PESSOAIS

Frustração das expectativas com relação ao curso 1,2,3,4,5,7,8,9,10,11,15 Falta de orientação vocacional (“herança profissional”, influência dos

pais e conhecidos, imaturidade para optar por curso / profissão) 2,3,4,5,6,7,8,9,12,15 Descoberta de novos interesses e ingresso / opção por outro curso 2,3,4,5,8,12

Transferência para outro curso 4,5,8,10,11,15

Perda do prestígio social da carreira 2,3,5,8,9

(continuação)

Crise de adolescência / Transição para a vida adulta / Imaturidade 1,5,9,10

Falta de conhecimento prévio sobre o curso 3,4,5,7,8

Insatisfação com curso comprometendo o desempenho nas disciplinas 3,10

Desmotivação por ter entrado em 2ª. ou 3ª. opção 3,12

Ingresso por imposição / pressão familiar por graduação 2,7 CARACTERÍSTICAS INSTITUCIONAIS

Prioridade à pesquisa em detrimento do ensino /

Cultura institucional de desvalorização da docência 3,10 Falta de ações institucionais para evitar a evasão (naturalidade à

desistência e desligamento) 10

Falta de programa de apoio mais amplo aos estudantes carentes 4

Existência de greves com prejuízos no calendário escolar 4 CONDIÇÕES PESSOAIS (familiares, profissionais, financeiras)

Necessidade de trabalhar / Dificuldades financeiras 1,2,3,4,6,8,9,11,12,15

Mudanças no mercado (estímulos econômicos: -espaço, -remuneração) 2,3,5,7,8,9,10,12

Mudança de cidade, estado, país 4,5,8,11,12

Casamento ou nascimento de filhos (mulheres) 2,4,5,12

Problemas da saúde ou falecimento 4,8,10,12

Falta de apoio no emprego atual 4,8

Necessidade de atender a compromissos familiares 2,14

Transferência para outra instituição mais próxima da família 2

Transferência para outra instituição (mais barata, grade aberta) 2

Insegurança pessoal quanto a conseguir ser o profissional esperado 10

Fonte: Do autor

Códigos numéricos e fontes correspondentes

A análise isolada de cada agrupamento permite destacar as causas referidas com mais freqüência nos diversos estudos e, num plano macro englobando o sistema de ensino superior, possibilita desenhar um quadro causal abrangente.

A Figura 2 ilustra esta visão analítica elaborada a partir de fontes secundárias, que configura uma primeira contribuição teórica desta pesquisa.

1 Lins & Silva (2005) 2 Gaioso (2005) 3 Brasil (1996) 4 Biazus (2004)

5 Santos & Noronha (2001) 6 Pereira (2003)

7 Gomes (1998) 8 Souza (1999)

9 Veloso & Almeida (2002) 10 Cunha, Tunes & Silva (2001) 11 Pereira (2004)

12 Hotza (2000)

13 Lotufo, Souza, Covacic & Brito (1998) 14 Andriola, Andriola & Moura (2006) 15 Machado, Melo Filho & Pinto (2005)

Figura 2: Macro-visão das causas que levam à evasão nas IES brasileiras. Fonte: Do autor.

O estudante tem interações em vários níveis: com o seu curso de forma particular, com a instituição de forma geral e com o ambiente externo de forma

Ambiente externo

Questões Mercado de trabalho econômico-financeiras Mudanças nos perfis desejados Dificuldades financeiras Menos oportunidades

Redução na remuneração Desinformação sobre curso

Frustração com o curso Falta de orientação vocacional Baixo desempenho acadêmico

Estudante Compromissos familiares Mercado de trabalho Compromissos profissionais Necessidade de trabalhar Didático-pedagógicos • clima de pressão, muita carga • baixa freqüência e repetência

• docentes: despreparo e desmotivação

• discentes: ensino básico deficiente • critérios de avaliação impróprios

Currículo(s) • longos • desatualizados • fragmentados • rígidos Curso

• em mais de um turno: dedicação exclusiva • infra-estrutura deficiente

• coordenação: orientações insuficientes • poucas oportunidades de aplicação prática • pouca interação com empresas

Ambiente sócio-acadêmico

• falta processo de adaptação à vida universitária • pouca interação: estudantes entre si e c/ docentes

Políticas institucionais

Prioridade à pesquisa em detrimento ao ensino

Cultura: desvalorização da docência e aceitação passiva da evasão

Compromissos

intensa e diferenciada, pois lá teve experiências anteriores ao seu ingresso, tem envolvimento efetivo durante o tempo que freqüenta o curso e, adicionalmente, projeta as perspectivas profissionais e pessoais que encontrará após a sua conclusão.

As dificuldades, problemas e desafios percebidos em cada dimensão, em momentos diferentes, de natureza pessoal, institucional ou conjuntural, isoladamente ou em conjunto, podem provocar a decisão de o estudante evadir-se do curso.

O papel central do estudante na Figura 2 é explicado tanto pelo fato dele ser o foco do trabalho, como sujeito que se evade ou permanece até a diplomação, quanto pelo fato dele ser um ator privilegiado no processo de ensino-aprendizagem. Numa posição também destacada estão os professores, que direta ou indiretamente exercem grande influência neste mesmo processo: ao exercer a atividade de professor, valendo-se de seus conhecimentos e recursos didático-pedagógicos para ensinar e, complementarmente, ao exercer as atividades extraclasse relacionadas à gestão acadêmica envolvendo a definição e revisão de currículos, o planejamento de disciplinas, a atualização de planos de ensino etc.

Respeitando as limitações desta pesquisa, explicitadas no item 1.4, também não são consideradas com atenção especial as atividades de pesquisa e de extensão que potencialmente são exercidas pelos professores e estudantes. Embora a concepção de indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão seja defendida e praticada em muitas IES, esta concepção não está presente em todas elas e, mesmo nas que assumem este entendimento, nem todos os professores as contemplam em suas atividades e nem todos os estudantes se envolvem em projetos de pesquisa ou extensão.

No próximo capítulo é apresentada uma revisão dos modelos e teorias sobre a evasão e permanência discente, a partir dos quais é construído um modelo de permanência discente em IES brasileiras para apoiar as intervenções institucionais visando à promoção da permanência.

3 TEORIAS SOBRE A EVASÃO DE ESTUDANTES

SINOPSE: Neste capítulo são abordados teorias e modelos relativos aos processos de evasão e permanência de estudantes no ensino superior. Como decorrência, emergem conclusões e são apontadas as variáveis consideradas como mais relevantes para embasar a construção de um framework para a promoção da permanência discente no ensino de graduação.

A interrupção do processo de formação por que passa um estudante que ingressa num determinado curso de graduação pode ser estudado de diversas formas. Existem esforços de pesquisa sobre a evasão com focos diferentes, embora sempre partindo da relação entre estudante e IES e das circunstâncias que levam esta relação a ser interrompida ou não antes que ocorra a integralização curricular.

Enquanto alguns pesquisadores elaboraram teorias para explicar o processo que leva estudantes a abandonarem o curso de graduação que freqüentam (TINTO,1975; BEAN, 1980; ASTIN, 1984), outros desenvolveram modelos que levam em conta diversas características do estudante, da instituição e das relações entre ambos e buscam determinar indicadores para prever a ocorrência da evasão (CABRERA et al., 1993; PASCARELLA et al., 1983; CHAPMAN, PASCARELLA, 2005) e, por sua vez, outros pesquisadores trabalham na construção de modelos intervencionistas para apoiar ações institucionais na permanência dos estudantes (TINTO, 1997 e 2006a; SEIDMAN, 2005; SWAIL, 2004).

Historicamente, os modelos desenvolvidos por Tinto (1975, 1993 e 1997), Bean (1980) e Bean & Metzner (1985) são basilares e geraram significativo volume de pesquisas, tanto nos EUA quanto em outros paises, devido à gradativa percepção da importância do problema da evasão de estudantes para os sistemas de educação superior. É preciso registrar que os EUA tem, em relação aos demais países, uma marcante dianteira na realização de pesquisas sobre a permanência de estudantes no ensino superior, não só tendo sido o precursor na realização de estudos nessa área mas também pelo volume de produção científica. Com uma produção bem menor vem a Europa, tendo a Inglaterra e Espanha como destaques, seguida pela Austrália e Nova Zelândia, na Oceania (McINNIS et al. 2000).