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Ceder para não sucumbir ao mal: Exu, Iá Mi Oxorongá

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CAPÍTULO 1 MITOANÁLISE DAS NARRATIVAS DOS ORIXÁS (BACIA

1.2 A BACIA SEMÂNTICA DA MITOLOGIA DOS ORIXÁS

1.2.1 O Significante

1.2.1.9 Ceder para não sucumbir ao mal: Exu, Iá Mi Oxorongá

Exu e as feiticeiras Iá Mi Oxorongá formam um grupo separado em razão do mal que praticam. Exu ainda faz coisas boas mediante oferendas. Elas nem isso. Sua maldade é arbitrária, e elas são temidas. São as feiticeiras.

Prandi (2001, p. 38-83) apresenta trinta mitos sobre Exu83/ Legba/Eleguá84/Bará85. De escravo pobre, Exu chega a grande senhor, tornando-se o mais importante dos orixás, porque sem ele não se realizam os cultos, já que ele é o mensageiro entre os deuses e os humanos. No seu trajeto de vida, ele se impõe e força situações até obter o que deseja. Assim, com inteligência, esperteza e ambição ele sobe na vida. Mas também há muitos atos dele em que imperam somente trabalho, esforço e obediência. A palavra mais expressiva relacionada a ele é “encruzilhada”. Na Umbanda e no Candomblé, falar em encruzilhada é falar em Exu. O mesmo ocorre com a palavra “guardião”. Exu é o guardião das casas, ficando em sua entrada. Mas exige oferendas, sob pena de não atender e até castigar quem não o reverencia. De qualquer forma, aplicam-se a ele a força da ascensão e do poder.

Exu não tinha riqueza, mas era inteligente e esforçado. Ele ficou dezesseis anos na casa de Oxalá observando atentamente e em silêncio como os humanos eram fabricados. Então Oxalá acabou por lhe dar a incumbência de guardar a entrada da sua casa, para receber as oferendas que lhe traziam e impedir

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Exu: orixá mensageiro; dono das encruzilhadas e guardião da porta de entrada da casa: sempre o primeiro a ser homenageado. Prandi, 2001, p. 565. Glossário.

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Eleguá: nome pelo qual Exu é conhecido em Cuba, onde o termo Exu é reservado às qualidades maléficas do orixá. Prandi, 2001, p. 565. Glossário.

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a passagem de quem não lhe trouxesse presentes. Armado com um ogó86, um poderoso porrete, Exu se postou na encruzilhada mais próxima, fez ali a sua morada e com isso ganhou uma profissão que lhe dava lucro, pois todos que procurassem Oxalá tinham que dar alguma oferenda também a Exu.

Em narrativas diferentes, Exu, de mais jovem e cumprimentado por último, torna-se o decano dos orixás, passando a ser cumprimentado primeiro. Sua ambição era grande e ele não aceitava outra posição que não fosse a primazia. Então ele consultava sempre o babalaô e fazia as oferendas indicadas. Dessa forma ele acabou ajudando na criação do munto e, em recompensa, Olodumare o nomeou o seu mensageiro junto aos orixás.

Em outras narrativas, ele tem uma fome desmedida e incontrolável, devorando tudo. O mito sobre a fome de Exu entra no exagero, no inverossímil e no fantástico surrealista, dizendo que ele comeu de tudo, todos os animais da aldeia em que vivia, os animais de quatro pés e os de pena, os cereais, as frutas, os inhames, as pimentas; bebeu toda a cerveja, aguardente e vinho; ingeriu todo o azeite de dendê e comeu todos os obis87; começou a devorar as árvores, os pastos e ameaçava engolir o mar. Então um sacerdote da aldeia consultou o oráculo de Ifá, e veio o alerta de que Exu, com sua fome insofreável, pedia atenção para si. Orunmilá atendeu ao oráculo e ordenou que, sempre que se fizessem oferendas aos orixás, servissem comida primeiramente a Exu. Só assim haveria paz e tranquilidade entre os homens.

Em outro episódio de fome desmedida, Exu devorou a própria mãe e teve uma luta corporal muito grande com seu pai, Orunmilá, que, com uma espada, o cortou em centenas de pedaços. Cada pedaço (denominado Iangui) se recompunha, transformando-se em novo Exu. Por isso existem muitos Exus.

De grande poder mágico, ele dava prosperidade às pessoas, mas, se estas negligenciassem com os ebós (as oferendas), ele se vingava impiedosamente, dançando de alegria com a desgraça que provocava. E às vezes Exu fazia maldade sem razão, por traquinagem, para se divertir e porque gostava de suscitar confusão. Sobre as Iá Mi Oxorongá88 são nove contos (PRANDI, 2001, p. 346-365). Em termos de prazer de leitura, os contos das Iá Mi Oxorongá são os que menos

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Ogó: porrete usado por Exu, geralmente com formato fálico. Prandi, 2001, p. 568. Glossário.

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Obi: noz-de-cola, fruto africano aclimatado no Brasil (Cola acuminata, Streculiacea), indispensável nos ritos de candomblé; substituído em Cuba pelo coco. Prandi, 2001, p. 567. Glossário.

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causam gosto, porque elas são quase sempre más. Embora sejam o princípio do bem e do mal, as narrativas mostram principalmente o mal, referindo-se ao ódio mortal e à vingança cruel das Iá Mi. Elas são as temidas ajés89, mulheres impiedosas, e ninguém escapa ileso ao seu ódio, pois seu feitiço é grande, terrível e destruidor. Mas são também as mães primeiras da humanidade, “as raízes primordiais da estirpe humana”, “Conhecem as fórmulas de manipulação da vida” e “são o princípio de tudo, do bem e do mal”. Coléricas, elas castigam quem não lhes dá o que pedem, e também os imprudentes. Então é preciso cautela na vida para não sofrer punição das Iá Mi Oxorongá.

Elas eram duzentas e uma e chegaram ao mundo trazendo seus pássaros maléficos, empoleirando-se em árvores de sete espécies. De acordo com a árvore em que estivessem, aconteceria alguma coisa à pessoa em quem pensassem: felicidade, justiça, vida longa, infelicidade, destruição, morte, perdão, etc. Os babalaôs deram cabaças para as Iá Mi guardarem seus pássaros. Os pássaros ficam fechados nas cabaças até serem enviados para alguma missão, “seja onde for”, “aos quatro cantos do mundo”. E geralmente fazendo coisas ruins (matam, arrancam intestinos, arrancam fetos do ventre, etc.). Aí voltam para suas cabaças.

Mas Orunmilá descobriu os segredos das Iá Mi, fez-lhes sacrifícios e passou a gozar de algum privilégio em relação a elas. Então os devotos de Orunmilá poderiam ser poupados da ira das feiticeiras.

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