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Interpretações mítico-religiosas e arquetípicas

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CAPÍTULO 1 MITOANÁLISE DAS NARRATIVAS DOS ORIXÁS (BACIA

1.2 A BACIA SEMÂNTICA DA MITOLOGIA DOS ORIXÁS

1.2.2 O Significado

1.2.2.2 Interpretações mítico-religiosas e arquetípicas

As interpretações mítico-religiosas e arquetípicas da mitologia dos orixás são relacionadas a aspectos religiosos da cultura iorubá, à sua visão de mundo, ao seu psiquismo, descrevendo tipos de personalidade e de comportamento dos deuses orixás.

Pierre Verger, em Orixás: deuses iorubás na África e no Novo Mundo (2002, p. 18), sintetiza a mitologia dos orixás, relacionando os deuses, os antepassados e as forças da natureza, que formam o complexo painel dessa tópica do imaginário africano:

A religião dos orixás está ligada à noção de família. A família numerosa, originária de um mesmo antepassado, que engloba os vivos e os mortos. O orixá seria, em princípio, um ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre forças da natureza, como o trovão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou, então, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a caça, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização (VERGER, 2002, p. 18).

Prandi (2001, p. 20-24) faz o resumo da significação de cada orixá dentro dessa bacia semântica98. Exu, sempre presente nos cultos, é o mensageiro que estabelece a comunicação entre humanos e orixás. Ele declara sobre Exu (2001, p. 20-21):

Sem sua participação não existe movimento, mudança ou reprodução, nem trocas mercantis, nem fecundação biológica. Na época dos primeiros contatos de missionários cristãos com os iorubás na África, Exu foi grosseiramente identificado pelos europeus com o diabo e ele carrega esse fardo até os dias de hoje.

Ogum, com o governo de vários setores – agricultura, caça e pesca (em tempos arcaicos); ferro e metalurgia (posteriormente); e ainda a guerra –, “é o dono dos caminhos, da tecnologia e das oportunidades de realização pessoal”. Dentro do panteão, ele forma um segmento juntamente com Oxóssi (Odé), Erinlé (Ibualama), Logum Edé, Otim e Orixá Ocô, dirigindo a vegetação e a fauna, “detendo a chave da sobrevivência do homem através do trabalho”.

Nanã, guardiã do saber ancestral, está no panteão da Terra, juntamente

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com Onilé. Onilé, a Mãe Terra, é a senhora do planeta, enquanto Nanã é a dona da lama do fundo dos lagos, com a qual o ser humano foi modelado. Nanã “é considerada o orixá mais velho do panteão da América”. De sua família fazem parte Oxumarê, Omulu e Euá – todos juntos formam um panteão incluindo Iroco.

Oxumarê, o deus-serpente, o filho belo de Nanã, é o arco-íris e controla a chuva e a fertilidade da terra, propiciando boas colheitas. Omulu (Obaluaê/Xapanã/Sapatá), o filho feio de Nanã, é o orixá das doenças infeciosas, da varíola, da peste, conhecendo seus segredos e cura. Euá é orixá feminino das fontes, presidindo também o solo sagrado repousam os mortos. E Iroco, o orixá- árvore, “é árvore centenária em cuja copa frondosa habitam aves misteriosas portadoras do feitiço”.

Xangô é deus do trovão e do fogo. Grande conhecedor do mundo humano, ele governa a justiça. Tem um culto muito difundido na África por ter sido um dos primeiros reis de Oió, cidade que “dominou por muito tempo a maioria das cidades iorubanas”. É “o grande patrono das religiões dos orixás no Brasil”, estando seu culto associado ao de suas esposas: Oiá (Iansã), Obá e Oxum, “originalmente orixás de rios africanos”.

Esses três orixás femininos, as mulheres de Xangô, perderam na América essa referência a rios específicos, sendo reforçados então outros de seus atributos míticos. Oiá (Iansã) é a senhora do raio, dirige o vento e as tempestades. Dirige também a sensualidade feminina. E é a “soberana dos espíritos dos mortos, que encaminha para o outro mundo”. Obá governa a correnteza dos rios e dirige “a vida doméstica das mulheres, no contínuo fluxo do cotidiano”. Oxum, a senhora das águas doces, a deusa da vaidade, é dona do ouro e preside o amor e a fertilidade das mulheres.

Iemanjá é o orixá mais conhecido no Brasil. Senhora das grandes águas, os mares e oceanos, é uma das mães primordiais, estando presente nos mitos que falam da criação do mundo. Na África esse posto é ocupado por Olocum, “a antiga senhora do oceano, das profundezas da vida, dos mistérios insondáveis”. Iemanjá é a “mãe dos deuses, dos homens e dos peixes, aquela que rege o equilíbrio emocional e a loucura”. Na África o culto de Iemanjá está associado ao rio Níger. Iemanjá tem uma irmã mais nova, Ajê Xalugá – e ambas são filhas de Olocum. Ajé Xalugá são as espumas borbulhantes e brilhantes do mar. É regente da conquista da prosperidade material, dos negócios lucrativos, da conquista da riqueza.

As Iá Mi Oxorongá, que, literalmente, são “nossas mães ancestrais”, são “donas de todo o conhecimento e senhoras do feitiço”, sendo também “representantes da ancestralidade feminina da humanidade, as nossas mães feiticeiras”.

Os gêmeos Ibejis, duas divindades infantis, estão associados ao culto das mães primeiras. Muito festejados no Brasil, são os orixás crianças que “presidem a infância e a fraternidade, a duplicidade e o lado infantil dos adultos”.

Orô, de rugido assustador, é “o temido espírito da floresta”, “antigamente cultuado na África pelos membros de uma sociedade secreta encarregada da punição dos bandidos, feiticeiros e mulheres adúlteras”.

Oquê, a montanha, é uma elevação que nasce do oceano e representa “a segurança da terra firme, base da vida humana”.

Orunmilá (Ifá) é o orixá que conhece o destino dos homens, detendo o saber do oráculo e orientando como resolver todos os tipos de problemas e afições. Na África, os sacerdotes de Orunmilá (os babalaôs, “sábios que usam seus mistérios para resolver problemas e curar pessoas”) disputam com os sacerdotes de Ossaim a cura das doenças. Bastante esquecido no Brasil, Orunmilá ainda é cultuado em antigos templos de Pernambuco e em terreiros. “Em Cuba, Orunmilá é praticamente um baluarte da religão dos orixás”.

Ossaim, o herborista, cultuado em todos os templos de orixás no Brasil, conhece o poder curativo e mágico das folhas, sendo o dono da ciência sem a qual nenhum remédio mágico funciona.

Segundo Prandi, “Oxalá encabeça o panteão da Criação, formado de Orixás que criaram o mundo natural, a humanidade e o mundo social”. Oxalá (Obatalá/Orixanlá/Oxalufã) “é o criador do homem, senhor absoluto do princípio da vida, da respiração, do ar, sendo chamado de o Grande Orixá, Orixá Nlá”. É orixá velho, sendo muito respeitado pelos outros orixás, bem como por seus devotos humanos. Como se considera no Brasil, quando jovem e guerreiro, ele recebia o nome de Oxaguiã (Ajagunã) e promovia guerras e reformas por onde passava. É o criador do pilão para o preparo de alimentos e “rege o conflito entre os povos”.

Odudua “é o criador da Terra, ancestral dos iorubás e, juntamente com Oraniã, o responsável pelo surgimento das cidades”. Na África existe uma disputa entre os seguidores de Obatalá e de Odudua. Mas no Brasil Odudua foi praticamente esquecido.

Outros orixás do grupo da criação são Ajalá (“que fabrica a cabeça dos homens e mulheres, sendo assim o responsável pela existência de bons e maus destinos”) e Ori (“divindade da cabeça de cada ser humano e portador da sua individualidade”). Ori “vem sendo reconstituído no Brasil com vigor considerável” (PRANDI, 2002, p. 24).

Muitos outros comentários descritivos e analíticos são feitos pelos estudiosos quanto à interpretação da mitologia dos orixás, tomando por base as narrativas, a observação dos rituais e pesquisas junto a crentes e adeptos.

Nos mitos, Exu é referido de dois modos: no singular, como um personagem individual, que tem poderes mágicos e realiza diversos feitos; e no plural, significando um posto, uma função, com os mesmos poderes mágicos. Arquetipicamente, Exu, como o guardião das casas (de orixás, oração e rituais), simboliza proteção, segurança, confiança, credibilidade. É temido, respeitado e obedecido. Na Umbanda e no Candomblé, os consulentes acreditam piamente no que dizem os Exus por meio dos seus cavalos (os médiuns). Nesses cultos, os Exus são chamados de “guardiães”, protegendo as pessoas contra os espíritos maus (que representam as trevas). Exu é o orixá da encruzilhada, e encruzilhada, simbolicamente, representa dúvida, indecisão, escolha. É preciso decidir qual estrada tomar. Exu sabe qual é a melhor estrada. Daí o seu poder como entidade orientadora de caminhos.

Pelas narrativas, fica claro que a posição de Exu não foi outorgada, mas conquistada por ele, que, de origem humilde (era escravo), insistiu em ter proeminência, usando de artimanhas, mas mostrando interesse, aprendizagem e poder. Ele aprendeu pacientemente com Oxalá a fabricação dos humanos e continuou acumulando conhecimento. Lutou pela primazia de ser cumprimentado e servido em primeiro lugar. Portanto Exu representa os arquétipos da insatisfação, da insurgência contra status dominantes, da perseverança, da luta insistente por um objetivo até a vitória final – e ele teimou tanto que sossegou apenas quando obteve o que queria.

Carlos Eugênio Marcondes de Moura (1994, p. 11) considera o orixá feminino Iá Mi Oxorongá “um dos temas mais perturbadores da religião dos orixás” e afirma: “É necessário abordar as ìyàmi em um espírito de reverência e humildade, já que elas representam os poderes místicos da mulher em seu aspecto mais perigoso e destrutivo” – esse tema, nessa obra, é exposto por Pierre Verger. O próprio

Verger, discorrendo sobre o assunto, dá outra interpretação para a cólera de Iá Mi, que exerceria então um papel moderador contra os excessos de poder. Ele escreve (1994, p. 35):

Mediante suas intervenções, Ìyàmi contribui para garantir uma repartição mais justa das riquezas e das posições sociais; ela impede que um sucesso por demais prolongado permita a certas pessoas controlar exageradamente umas e outras. A cólera de Ìyàmi é, portanto, uma explicação das doenças da sociedade e de seus remédios.

Verger considera a ação de Iá Mi análoga ao conceito grego de ubris, segundo o qual os deuses abaixam o que é desmedido nos homens. E ainda, dizendo ter sido sugestão de Roger Bastide, Verger (1994, p. 35) apresenta outra referência, aproximando a ação de Iá Mi à “ideia enunciada por Kluckhorn em

Navajo Witchcraft: “Cada vez que alguém se eleva, a feitiçaria está lá para o

abaixar”. Ele destaca em seu artigo o “duplo aspecto” das Iá Mi, que recebem nomes diferentes na mitologia: Iá Mi Oxorongá (= “minha mãe Oxorongá”), Iá Mi (= “minha mãe”), “eleye” (= “donas dos pássaros”), “àgbà” ou “ìyà àgbà (= “a anciã, a pessoa de idade, a mãe idosa e resteitável”).

O primeiro aspecto pelo qual elas são conhecidas é o de mulheres velhas, que se transformam em pássaros, fazem reuniões noturnas, saciam-se do sangue de suas vítimas e fazem trabalhos maléficos. O segundo aspecto, menos conhecido, é de divindade decaída, a mãe que recebeu de Olodumare o poder sobre os orixás, mas que abusou desse poder, sendo ele retirado. Em ambos os casos, elas são misteriosas e temidas. E, quando pronunciam seu nome, as pessoas devem tocar o chão com as mãos para se protegerem. Confirma-se o arquétipo do cuidado e humildade ao se lidar com pessoas violentas.

Já apresentando o artigo de Monique Augras sobre os Ibejis, na mesma obra, Moura escreve sob o ponto de vista psicanalítico (1994, p. 11):

A teoria psicanalítica postula a existência de uma relação, no nível da fantasia, entre a situação dos gêmeos e os “filhos substitutos”. A mesma articulação se dá no candomblé, que junta em uma confraria mística os gêmeos (Ibeji) e as crianças-nascidas-para-morrer (Abiku). Essas categorias, de origem iorubá, enfatizam a alteridade presente na dualidade da situação dos gêmeos e na liminaridade99 da situação do “filho substituto”,

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Liminaridade é um estado subjetivo, de ordem psicológica, neurológica ou metafísica, consciente ou inconsciente, de estar no limite ou entre dois estados diferentes de existência. Assim é definido na Neurologia e nas teorias antropológicas sobre os rituais, como o definem autores como Arnold van

percebida como algo que representa um estado intermediário entre a morte e o nascimento.

Abordando o tema dos gêmeos Ibejis (um menino e uma menina), Monique Augras (1994, p. 79) afirma que “os iorubá gozam da reputação de ser um povo fértil em gêmeos” e relata que, no passado, esse fenômeno era tido como algo monstruoso. Geralmente sacrificava-se um dos gêmeos, deixando o outro viver. “Mais tarde os valores se inverteram. O maldito tornou-se sagrado”. Denonimados genericamente de Ibejis, não há uma distinção de identidade entre eles. Seriam filhos de Oxóssi e sua segunda esposa, Oiá, já que a primeira mulher de Oxóssi (Oxum) era estéril e não teve filhos.

Ao redor da figura dos Ibejis há outros mitos e tradições, relacionados à família após o nascimento dos gêmeos. Isso ocorre porque Oiá, mãe de nove filhos com Oxóssi (ou com Xangô em outros mitos), teve gêmeos, e o primeiro filho após o nascimento dos gêmeos, um menino chamado Doú, era “uma criança muito teimosa e até mesmo insuportável” (AUGRAS, 1994, p. 80). Desse fato surgiram algumas tradições, pois “o nascimento dos gêmeos é sentido como a irrupção da desordem”, “e a mãe que não tem mais filhos após os gêmeos corre o risco de enlouquecer”. Existe até um provérbio nigeriano que diz: “Exu é aquele que vem após os Ibeji”. Exu é tido como “o trapaceiro (trickster), aquele que comete maldades”. Então a criança que nascer após os gêmeos deverá ter o nome mitológico de Doú e será igualmente uma criança teimosa. Finalmente a chegada de outras crianças, que também deverão receber, na sequência, nomes rituais, “permitirá retomar a ordem natural das coisas” (AUGRAS, 1994, 80). Portanto a situação gemelar é motivo de preocupação entre os iorubás. Augras (1994, p. 82) escreve, citando um outro pesquisador (PEMBERTON, 1982):

A fragilidade, geralmente considerada como típica dos gêmeos na região iorubá, a dificuldade de se criá-los contribuem para que pareça que todo gêmeo é constantemente ameaçado ao revelar-se como um abiku. Quando morre um dos gêmeos, coloca-se no pescoço da estatueta que o representa o mesmo fio de contas negras que se colocará no pescoço do sobrevivente para o proteger dos espíritos malignos, a fim de que eles não venham buscá-lo (AUGRAS, 1994, p. 82).

Gennep ("Ritos de Passagem") e Victor Turner ("Liminaridade e Communitas", em "O Processo Ritual Estrutura e Anti Estrutura"). A liminaridade é usada para distinguir situações fronteiriças ou

limítrofes de possessão existentes nos rituais ou de trânsito entre estas situações. Em

Em Orixás: deuses iorubás na África e no Novo Mundo (2002), Pierre Verger (2002) apresenta arquétipos da personalidade de alguns orixás. Para ele, cada orixá representa um arquétipo psíquico, ou mais de um, pois, segundo esse autor, em cada orixá habitam diversos seres. São os “arquétipos de personalidade”, indicando o modo de ser das pessoas, que corresponde à natureza do seu orixá. Expondo sobre os ritos de iniciação no Candomblé, Verger (2002, p. 34) cita Gisèle Cossard, que observa:

Se se examinarem os iniciados, agrupando-os por orixás, nota-se que eles possuem, geralmente, traços comuns, tanto no biótipo como em características psicológicas. Os corpos parecem trazer, mais ou menos profundamente, segundo os indivíduos, a marca das forças mentais e psicológicas que os anima.

E Verger (2002, p. 33-34) destaca, nos iniciados, alguns comportamentos correspondentes aos dos orixás, como a “virilidade devastadora e vigorosa de Xangô”, ou “a feminilidade elegante e coquete de Oxum”, e ainda “a sensualidade desenfreada de Oiá-Iansã” – orixás com sexualidade mais ativa. E também características de outros tons, como “a calma benevolente de Nanã Buruku”, ou “a vivacidade e a independência de Oxóssi”, e ainda “o masoquismo e o desejo de expiação de Omolu”.

Para Verger são arquétipos da personalidade escondida das pessoas, em cujo interior certas tendências inatas não se desenvolvem livremente, por causa das regras de conduta alienantes do meio em que vivem. Dessa forma, se uma pessoa é escolhida como filho ou filha de santo cujo arquétipo corresponde a essas tendências escondidas, ela terá uma experiências aliviadora e reconfortante, pois no momento do transe a pessoa se comportará, inconscientemente, de acordo com o arquétipo do orixá, que é também o seu. E isso significa libertação psíquica, trazendo grande bem-estar pela descarga de energias reprimidas.

De acordo com seus diferentes arquétipos, os orixás recebem diferentes nomes (ou um segundo nome ligado ao primeiro) de acordo com características particulares, como Prandi registra nos mitos apresentados. Oxum, por exemplo, que “pode ser coquete, guerreira ou maternal”, é “Oxum Apará” ou “Oxum Navezuarina”. Segundo Verger, é bem extensa essa diversidade de nomes dos orixás. Ele afirma: “Como veremos, diz-se que há doze Xangôs, sete Oguns, sete Iemanjás, dezesseis Oxalás (na África eles seriam cento e cinquenta e quatro), tendo cada um as suas características particulares” (VERGER, 2002, p. 34). Geralmente, a cada

manifestação de personalidade, o orixá recebe um nome diferente. E ele enumera alguns traços da personalidade de alguns orixás.

Em Ogum (que, como já foi dito, representa fartura e abundância em alimentos para a humanidade, simbolizando a fim da fome, tendo sido ele o que mais fez e ensinou a fazer, como incansável trabalhador em diversas áreas), Verger encontra o arquétipo de pessoas fortes e aguerridas. Ele escreve, mostrando um lado negativo: “O arquétipo de Ogum é o das pessoas violentas, briguentas e impulsivas, incapazes de perdoarem as ofensas de que foram vítimas”, é também o perfil das pessoas de humor mutável, “passando de furiosos acessos de raiva ao mais tranquilo dos comportamentos” (2002, p. 95). São pessoas impetuosas e arrogantes, mas que são odiadas, porque são francas, sinceras e de caráter honesto. Ogum é ainda o arquétipo positivo de pessoas que não se desencorajam, perseguindo energicamente os seus objetivos, triunfando em situações difíceis nas quais outras pessoas fracassariam ou perderiam as esperanças. Esse deus guerreiro é sincretizado, segundo Verger, com Santo Antônio de Pádua na Bahia e com São Jorge no Rio de Janeiro. Ogum simboliza o arquétipo de organização do mundo pela produção e da segurança existencial, o que fez (faz) com que ele seja um orixá muito amado e com muitos adeptos.

Sobre Exu, Verger afirma que é um orixá “de múltiplos e contraditórios aspectos, o que torna difícil defini-lo de maneira coerente” (VERGER, 2002, p. 76). “De caráter irascível”, Exu é astucioso, grosseiro, vaidoso, maquiavélico; “gosta de suscitar dissensões e disputas, de provocar acidentes e calamidades públicas e privadas” (2002, p. 76). É exemplo de artimanha e esperteza. O lado bom dele, quando bem tratado, é ser prestativo e serviçal. Representa lealdade, proteção, segurança, quando obedecido e agraciado com oferendas. Dinâmico e jovial, é um orixá protetor, posicionando-se como guardião de casas, templos, pessoas, cidades. Ficando de fora das construções, ele impede a entrada do mal aos seus protegidos. Além disso, é cobrador das obrigações, não tolerando que não se façam as oferendas a ele e aos outros orixás. Por isso nada se faz sem ele nas cerimônias, já que é o intermediário entre os homens e os deuses.

Sobre o arquétipo de Exu, Verger escreve (2002, p. 79-80):

O arquétipo de Exu é muito comum em nossa sociedade, onde proliferam pessoas com o caráter ambivalente, ao mesmo tempo boas e más, porém com inclinação para a maldade, o desatino, a obscenidade, a depravação e

a corrupção. Pessoas que têm a arte de inspirar confiança e abusar dela, mas que apresentam, em contrapartida, a faculdade de inteligente compreensão dos problemas dos outros e de dar ponderados conselhos, com tanto mais zelo quanto maior a recompensa esperada. As cogitações intelectuais enganadoras e as intrigas políticas lhes convêm particularmente e são, para elas, garantias de sucesso na vida.

Oxóssi, deus dos caçadores e irmão caçula de Ogum, é sincretizado com São Jorge (BA) e com São Sebastião (RJ). Seu arquétipo “é o das pessoas espertas, rápidas, sempre alerta e em movimento. São pessoas cheias de iniciativa e sempre em vias de novas descobertas ou de novas atividades” (VERGER, 2002, p. 114). Generosas, hospitaleiras, amigas da ordem, são pessoas com senso de responsabilidade e cuidados com a família. Porém, em detrimento de uma vida doméstica harmoniosa e calma, gostam de mudar de residência e buscar novos meios de existência.

Ossaim, a divindade das plantas medicinais e litúrgicas, é símbolo do médico curandeiro. Seu arquétipo “é o das pessoas de caráter equilibrado, capazes de controlar seus sentimentos e emoções. Daquelas que não deixam suas simpatias e antipatias interferirem nas suas decisões ou influenciarem as suas opiniões sobre pessoas e acontecimentos” (VERGER, 2002, p. 124). E ainda “é o arquétipo dos indivíduos cuja extraordinária reserva de energia criadora e resistência passiva ajuda-os a atingir os objetivos que fixaram”. Não têm concepção estreita e convencional de moral e de justiça. Seus julgamentos sobre pessoas e coisas são mais fundados na eficiência do que na noção de bem e mal.

Orunmilá ou Ifá, a divindade do oráculo (embora ele mesmo e até Olodumare consultem babalaôs, os “pais do segredo”), é arquétipo de vários aspectos positivos da personalidade, como sabedoria, sensatez, bom senso, previsão, equilíbrio emocional, ensinamento e aconselhamento. E ainda de calma, bom procedimento e sucesso na vida por meio da reflexão, observação e atitudes ponderadas. Como senhor do destino, por causa do oráculo, Orunmilá se sente como um pai de todas as pessoas, por conhecer o seu destino e poder orientá-las. Assim, é arquétipo de pessoas equibradas, aconselhativas, orientadoras e respeitadas por sua sabedoria.

Xangô, sincretizado com São Jerônimo, é arquétipo “das pessoas

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