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O tema que nos interessa investigar nesta tese é o tema da cegueira. A cegueira, não com um único sentido, mas com os sentidos que ela vem adquirindo ao longo do tempo, e com o sentido que ela tem na contemporaneidade. É claro que nossa intenção de chegar a um conceito de cegueira tem como objetivo extrair dos textos escolhidos, para direcionar esta tese, um suporte para que eles possam, eles mesmos, nos ajudar a produzir o argumento teórico que pretendemos desenvolver. Neste capítulo, vamos fazer uma análise de leituras feitas, e aproveitaremos este momento para passarmos pela bibliografia lida nesse período, bem como pelos textos literários de outros autores, que, além de Saramago e Sábato, puderam, em algum momento, compor nossas reflexões. Faremos, ainda, uma breve análise de alguns filmes e de alguns fotógrafos que pensam a cegueira, ou como conceito, ou como deficiência que acomete o ser humano. Um aspecto se sobressai quando pensamos em cegueira. Ela, como aqui a estamos estudando, representa muito mais do que uma incapacidade física. Em alguns casos, nem tem a ver com questões físicas. A cegueira, aqui, é uma impossibilidade de acessar o conhecimento em qualquer nível de abordagem. Ela representa, nesta tese, então, questões da ordem da incompetência, da ordem da incapacidade de ter conhecimento, da ordem do sujeito perdido, aturdido por um mundo de imagens. Em última análise, ela significa inclusive nossa impossibilidade de analisar o texto literário.

Ao procurar uma bibliografia específica sobre a cegueira, o que encontramos é a cegueira subliminarmente conceituada nas entrelinhas dos textos que definem o olhar e a visão. Por isso, vamos partir de alguns textos que discutem o olhar, para podermos começar a discussão.

Merleau-Ponty, no ensaio O olho e o espírito, afirma: “a ciência manipula as coisas e renuncia a habitá-las”. Afirmando, ainda, que só a experiência sensível é “fundamento de direito” para todas as construções do conhecimento, podendo revelar a cegueira da consciência. Essa cegueira surge de um “erro” teórico, de uma grande ilusão, porque separa a consciência do sensível. Merleau-Ponty propõe uma mudança na forma de pensar. Ele associa a consciência aos sentidos, e convida a tomar o corpo como fundamento. Em O visível e o invisível, explicita seu pensamento: “Definir o espírito como o outro lado do corpo – não temos ideia de um espírito que não estivesse de par com um corpo, que não se estabelecesse sobre esse solo”. Dessa forma, Merleau-Ponty reescreve uma tradição. Para ele, existe um campo, um “tecido conjuntivo dos horizontes exteriores e interiores” que não é a Natureza transcendente – o em si do naturalismo – nem o espírito imanente; e se propõe

avançar nesse entremeio. É no intervalo dos sentidos que, segundo Merleau-Ponty, podemos descobrir que “ver é, por princípio, ver mais do que o que se vê, é aceder a um ser latente. O invisível é o relevo e a profundidade do visível”.

A proposta que Merleau-Ponty efetiva é a de juntar a ideia aos sentidos. Essa proposta teve em Epicuro um de seus anunciadores, quando ele afirmava que todo o conhecimento começa nos sentidos. Para Epicuro, os sentidos são os mensageiros do conhecimento.

É nessa linha relacional entre conhecimento e sentido que surge nossa reflexão sobre a visão. Associando conhecimento e sentidos, a tradição filosófica passou a tomar o sentido da visão como o responsável pela aquisição do conhecimento. Para muitos pensadores, a visão é o modelo do saber. Aristóteles escreve na abertura da Metafísica (2005, p. 21):

Por natureza, todos os homens desejam conhecer. Prova disso é o prazer causado pelas sensações, pois mesmo fora de toda utilidade, nos agradam por si mesmas e, acima de todas, as sensações visuais. Com efeito, não só para agir, mas ainda quando não nos propomos a nenhuma ação, preferimos a vista a todo o resto. A causa disto é que a vista é, de todos os nossos sentidos, aquele que nos faz adquirir mais conhecimentos e o que nos faz descobrir mais diferenças.

É no momento em que o ato de visão surge que o especialista pode discernir as coisas, criando assim um espírito perspicaz, capaz de distinguir as coisas simples para as quais o cientista lança sua atenção. O espírito perspicaz, com o fim de compreender, olha de perto, e do mais perto possível. Ele detecta com maior acuidade essas coisas e as conhece através delas mesmas. Introduz-se aí uma reflexão sobre o que faz a especificidade do sentido da visão. Para que as coisas visíveis sejam percebidas pelo olho, é preciso que esteja presente um elemento de outra natureza: a luz. Na ausência da luz, o olho é como que cego. A visão é, portanto, dependente da luz que o Sol irradia e por isso passou também a ser associada ao Bem. Na tradição filosófica, que remete a Platão, a luz que vem do Sol representa o Bem. É uma forma de comunhão com Deus, uma participação no ato de criação do universo. A visão – essa é nossa experiência – precisa da luz, sem a qual desaparece. Para Platão, os olhos são compostos a partir da formação dos globos oculares, de tal modo que deixam filtrar a parte mais pura do fogo, que está contida no corpo e que se mistura ao fogo exterior. Quando um objeto sensível toca o campo luminoso, assim formado, produz-se um movimento que é transmitido através do corpo até a alma, e que nos traz a sensação pela qual dizemos haver visão. Ao chegar a noite, o fogo interior que escapa do olho não encontra mais no ar ambiente

um elemento exterior que lhe seja semelhante. Foco luminoso precário, o olho, então, deixa de ver; suas pálpebras se fecham e vem o sono. É essa teoria da visão que já se encontra na “analogia solar”. Assim como, nas trevas, o olho acaba por fechar-se e a alma por adormecer, também a alma que conhece é incapaz de adquirir o saber propriamente dito, enquanto relaciona-se apenas com as coisas submetidas à geração e à corrupção. Isso é, para Platão, o equivalente da obscuridade. Poderíamos crer então que a alma, nesse estado, é cega: tudo se passa, diz Platão, como se “ela não possuísse inteligência” (2004, p. 56). Nem o olho, nem a alma, contudo, são intrinsecamente deficientes. Basta trazer-lhes a luz para que sua “performance” seja perfeita.

Objetivando analisar os textos literários que temos diante de nós – Ensaio sobre a cegueira e “Informe sobre ciegos” – resta-nos concluir, do que estamos expondo, que, para Platão, o homem que sabe é o contrário do distraído, do irrefletido, não o é porque detém um saber que o outro não possui, mas porque tem uma vista mais ampla das relações entre as coisas e os conceitos, e baseia seus argumentos em princípios mais longínquos. O paradigma do saber é a luz. Sendo a luz a porta da visão, pode-se concluir, dentro dessa forma de pensamento, que os olhos são a abertura do saber. Por isso os olhos são considerados “janelas da alma, espelho do mundo”. Compreendendo-se, pois, a declaração de Leonardo da Vinci:

Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro? [...] É janela do corpo humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo, aceitando a prisão do corpo que, sem esse poder, seria um tormento. [...] Ó admirável necessidade! Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de absorver as imagens do universo? [...] O espírito do pintor deve fazer-se semelhante a um espelho que adota a cor do que olha e se enche de tantas imagens quantas coisas tiver diante de si7.

De acordo com esse pensamento, pode-se concluir que é a partir dos olhos que o homem pode chegar ao conhecimento. Esse conhecimento passa por sucessivos estágios como Platão exemplifica muito bem com o mito da caverna. É através da alegoria da caverna que podemos perceber a evolução do prisioneiro acorrentado do começo. Ele que não adivinha nada do que se passa por trás de suas costas e sequer sabe que se encontra em um antro do qual poderia sair, evolui até o homem do conhecimento, que na quarta etapa de seu processo de evolução, é capaz de elevar seu olhar em direção ao Sol. E a partir desse momento conclui que o sol é que produz a vida e as estações, e que é de alguma forma a causa de tudo o que ele tinha visto quando estava sentado na caverna – para onde será forçado a retornar.

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Não é apenas porque viu o Sol que o ex-prisioneiro é superior a seus companheiros, mas porque compreende que é o Sol que garante a existência do mundo, dos seres vivos, dos artefatos que estes fabricam, dos fogos que acendem e das sombras que estes últimos projetam. Foi nesse momento que o ex-prisioneiro tomou enfim consciência de toda a sua situação e pôde então figurá-la. É nesse momento que a luz o inunda: quando não há mais nenhuma confusão para ele entre aparência e realidade.

O que significa a saída das trevas, em Platão? As trevas representam, para ele, não a simples ignorância, mas a ingenuidade, que é coisa completamente diversa. Tema moderno e tema platônico. Platão nota frequentemente o quão difícil é não dissociar a aparência da realidade, a imagem de seu original. O que é lastimável, na alegoria da caverna, não é que os homens tenham de se relacionar com imagens, mas sim, que não sabem que são eles próprios imagens. A razão de sua cegueira é mais simples e mais profunda: não pensam ainda por meio da separação: “aparência/realidade”. O prisioneiro da caverna é arrancado de seu estado de inconsciência. Ele ignorava que vivia acorrentado em um antro, não fazia a menor ideia de que seu saber era um falso saber.

Interessa-nos, ainda, analisar um trecho de Platão:

Nós habitamos, pois, essas cavidades, embora não o notemos: cremos que estamos a morar na superfície superior da Terra, da mesma forma como acreditaria morar na superfície do oceano aquele que habitasse o seu fundo, pois, vendo o sol e os demais astros através da água, haveria de tomar o oceano por um céu. Sua indolência e fraqueza jamais lhe permitiriam vir à flor do mar, nem, uma vez emerso da água e volvida a cabeça na direção desses lugares, ver como são mais puros e mais belos do que os outros, sobre os quais aliás ninguém o poderia informar, por jamais tê-los vistos. É mais ou menos a mesma coisa o que sucede a nós. Morando num buraco da Terra, acreditamos estar em sua superfície exterior, e damos ao ar o nome do céu, como se os astros de fato planassem no ar, nosso céu. O caso é bem o mesmo: por fraqueza e indolência estamos impossibilitados de subir até o ar superior. Se alguém escalasse a parte superior da Terra, ou voasse com asas, esse alguém haveria de contemplar o que existe por lá, e se sua natureza fosse bastante forte para lhe permitir uma observação prolongada, verificaria que aqueles é que são o céu verdadeiro, a luz verdadeira, e a Terra verdadeira – assim como os peixes, que sobem do mar, veem o que há em nossa Terra! (1987, 109c- 109e).

Platão refere-se assim a uma ignorância específica. Uma ignorância que não é analfabetismo, falta de conhecimento, mas cegueira acrescida de estupidez. Os homens não são cegos quaisquer: são cegos que ignoram a existência de seres dotados de visão. Em Platão, a visão é a certeza do conhecimento adquirido, enquanto a cegueira é o

desconhecimento que está tanto na ordem do falso conhecer como na ordem de não conhecer nada. A reflexão platônica é toda dirigida contra o senso comum.

Platão diz que, para sair do estágio de nada saber e crer que sabe, é preciso, não apenas “virar a cabeça” e “violentar-se”, mas sobretudo deixar que o educador use de violência. Não há, aqui, nenhuma “razão natural” à nossa disposição. Não há mais aqui um estoque de ideias simples, que cada espírito seria capaz de consultar se fosse competente para ver efetivamente. O que se afiguraria como natural seria somente a desrazão. A fórmula para que os homens pudessem se curar dessa desrazão seria a de serem convidados a observar melhor: é preciso que aqueles que são capazes passem a olhar além.

Há, então, também em Platão, a associação do olhar com o conhecimento, e da cegueira com o desconhecimento. A incapacidade de percepção em relação às coisas é fruto de uma incompetência de visão, de uma relação com a cegueira.

Dando um salto, podemos dizer que, na contemporaneidade, tanto filósofos, quanto cientistas, como psicólogos da percepção, como teóricos da literatura, têm sido unânimes em afirmar que a maioria absoluta das informações que o homem do século XXI recebe lhe vem por imagens. Somos seres predominantemente visuais. Bosi afirma, em “Fenomenologia do olhar” (ver NOVAES, 2003, p. 65), baseando suas afirmações em dados da psicologia da percepção, que a relação do olho com o cérebro é íntima, estrutural. Diz, ainda, que o sistema nervoso central e órgãos visuais externos estão ligados pelos nervos óticos, de tal sorte que a estrutura celular da retina nada mais é que uma expansão diferenciada da estrutura celular do cérebro. A visualidade está relacionada intimamente com o cérebro, podendo ser vista como um desdobramento dele ou como elemento que o leva a desenvolver-se. Seja como for, devemos considerar essa íntima relação. A própria frontalidade dos olhos no rosto humano remete à centralidade do cérebro. Olhar é dirigir a mente para um objetivo. Olhar é usar a aparelhagem da mente, colocar a mente em ação. É procurar um significado nas coisas que são olhadas, é inserir essas coisas dentro de um universo perspectivo.

O corpo, como receptáculo das sensações, utiliza-se de vários sentidos para a recepção do mundo externo e, para, a partir dessa percepção, produzir um conhecimento. Em casos suficientemente reiterados, podemos observar que a uma teoria do olhar (sua origem, sua atividade, seus limites, sua dialética) poderão coincidir uma teoria do conhecimento e uma teoria da expressão. O olhar e sua organização espaço-temporal precedem o gesto, a fala e sua coordenação no conhecer, reconhecer, fazer conhecer, assim como nas imagens de nossos pensamentos, nos nossos pensamentos, nossas funções cognitivas que ignoram a passividade.

O olhar, contudo, não está isolado, está inserido na corporeidade, vincula-se a outras percepções: ao tato, ao paladar, ao olfato, à audição. Há momentos em que são os outros sentidos que nos ajudam inclusive a ver melhor. O que sustentaria uma tese de que, se por um lado o olhar é a percepção mais utilizada, por outro, ele não elimina os outros órgãos de sentido, vindo até a precisar deles para ser mais exato. Olhamos melhor quando colocamos as mãos, quando sentimos os cheiros, quando ouvimos bem, quando sentimos melhor o gosto das coisas. Tanto é verdade que o olhar é auxiliado pelos outros órgãos dos sentidos, que, ao perder a visão, uma das coisas que a pessoa aprende é a utilizar com mais propriedade todos os outros sentidos. O cego tem apurados os sentidos de audição, de tato, de paladar, de olfato.

É preciso distinguir dois tipos de olhar: um olhar ao acaso, sem consciência do que se está vendo, comum em sociedades em que o apelo visual é intenso; e um olhar intencional, obtido através de um ato de visão, claro para o sujeito que vê. No primeiro caso, esse olhar nada mais é do que o esgotamento e o excesso de exposição a imagens cada vez mais atraentes e cada vez menos cuidadosas em relação ao sujeito que não é mais respeitado por elas. Essas imagens produzem resultado, levando o indivíduo a ter necessidade de consumir certos produtos sem refletir se precisa ou não deles, e o objetivo delas encerra-se aí. No segundo caso há um sujeito que objetiva produzir um ato de visão e que cumpre seus desejos vendo e analisando pontualmente o que vê.

A partir desses dois tipos de olhar, podemos dividir o tempo em eras, marcadas por um processo de evolução da lógica da percepção, como faz Paul Virilio em seu livro Máquina de visão. A primeira era seria marcada pela lógica formal e estaria ligada ao desenvolvimento da pintura, da gravura e da arquitetura, e teria seu marco de conclusão no século XVIII. A segunda era seria a da lógica dialética e teria seu ponto de apoio na fotografia, na cinematografia ou no fotograma, e seria realizada no século XIX. A terceira era seria a da lógica paradoxal e coincidiria com o início da videografia, do holograma, e da infografia. Para Virilio esse momento marcaria a própria conclusão da modernidade pelo encerramento de uma lógica da representação pública. O espaço “público” da cidade cede subitamente à “imagem pública”, imagem paradoxal de uma presença em tempo real que suplanta desta forma o espaço real tanto do sujeito quanto do objeto.

A obra Máquina de Visão, de Paul Virilio, é provocante para nossa visão de cegueira. Desde suas primeiras páginas, o livro tenta recuperar historicamente, a partir do que ele denomina como era da lógica formal da imagem que é a pintura, uma ideia de imagem progressivamente modificada pela evolução de nossos conceitos de visão, desencadeados pelo surgimento de máquinas e de tecnologias que alteraram nossos modos de ver. Evoluímos de

uma época em que a veracidade de uma obra dependia, parcialmente, desta solicitação do movimento do olho (eventualmente do corpo) da testemunha que, para sentir um objeto com o máximo de clareza, deve executar um número considerável de movimentos minúsculos e rápidos de um ponto a outro do objeto; para uma época em que só estimamos com dificuldade as virtualidades de uma lógica paradoxal do videograma, do holograma e da imagerie numérica. Para Virilio esta é provavelmente a razão do delírio da interpretação jornalística, que hoje ainda cerca estas tecnologias, assim como da proliferação e da obsolescência dos diferentes materiais informáticos e audiovisuais.

O paradoxo lógico é, na leitura de Virilio, finalmente, o da imagem em tempo real que domina a coisa representada, este tempo que, a partir de então, se impõe ao espaço real. Esta virtualidade, que domina a atualidade, subverte a própria noção de realidade. Esses elementos justificam a chamada crise das representações públicas tradicionais (gráficas, fotográficas, cinematográficas...) em benefício de uma apresentação, de uma presença paradoxal, telepresença à distância do objeto ou do ser que supre sua própria existência, aqui e agora. A própria realidade passaria por um processo de “alta definição”. É a realidade da presença em tempo real do objeto que é definitivamente resolvida. Na era da fotografia era somente a presença em tempo diferenciado, a presença do passado que impressionava duravelmente as placas, as películas ou os filmes, a imagem paradoxal assumindo assim um comportamento comparável ao da surpresa, ou ainda mais precisamente, do “acidente de transferência”. O fotograma embute em si a vontade de guardar o passado, conservar a memória, mas também traz em si o desejo de mobilizar o futuro, abrindo espaço para essa mobilização que se concretizará com a chegada do videograma.

A comunicação social, que se fazia nas avenidas, e praças públicas e que ocupava o espaço da cidade, passa a ser ultrapassada e substituída pela tela, pelo cartaz eletrônico à espera da chegada, do que serão as “máquinas de visão” capazes de ver, de perceber em nosso lugar. Se o conceito de visão sofre, a partir de então, uma modificação fundamental, também o conceito de cegueira sofrerá a mesma transformação. Se ver já não é mais ver a partir dos mesmos procedimentos e dos mesmos referenciais, ficar cego já não é mais simplesmente perder a capacidade de ver. Ficar cego vai além, e, em alguns casos, já nem se fica mais cego para se poder estar definitivamente cego, como também em alguns casos, com a visão produzida a partir das máquinas de visão, já não se fica mais cego (considerando aqui a cegueira como algo físico). A cegueira deixa de ser simplesmente a incapacidade de percepção da luz, e entra no campo das incompetências mais amplas e mais finas de percepção. Ela entra inclusive no plano da cegueira pelo excesso de exposição ao mundo de

imagens, uma cegueira resultante da impossibilidade de perceber todos os objetos luminosos que se expõem ao olhar. A cegueira passa a ser menos uma incapacidade fisiológica e mais uma incapacidade de percepção generalizada, uma incompetência em relação à movimentação do olho, que não acompanha mais a velocidade da movimentação geral das imagens.

A possibilidade da produção de uma visão sem olhar, das máquinas de visão,