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SUMÁRIO

ENTRESSÉCULOS (XIX-XX) 127 4.1 Modelos e experiências internacionais

3. A ESCOLA PRIMÁRIA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA (1889 1930)

3.1 Cenário da escola primária pública

No contexto da instauração da Primeira República Brasileira (1889), a escola primária insere-se na necessidade de formação de uma nova nação, a partir de uma nova sociedade, um novo cidadão, um novo homem. O passado monárquico, diagnosticado pelos dirigentes republicanos como atrasado, insalubre e ignorante, deveria ser superado em direção ao progresso, à higiene e ao conhecimento científico. A segunda metade do século do século XIX é marcada por acontecimentos que colocam em crise um modelo vigente desde a Proclamação da Independência do Brasil, em 1822. O fim do tráfico de escravos (1850) e, posteriormente, a abolição da escravatura (1888); a organização os partidos republicanos, a partir de 1870, em diferentes Estados Brasileiros; a Lei Saraiva (1881)56; a crise entre Estado Nacional e a Igreja Católica; a vinda de imigrantes europeus aponta para florescimento de novos horizontes.

Esse movimento, em torno de uma nova organização nacional é amplo, englobando mudanças no plano político, econômico e social, em direção à fundação (ou refundação) da nação57. A passagem do Regime Imperial para o Republicano é marcada

56 A Lei Saraiva, n. 3.029 de 09 de janeiro de 1881, após uma série de discussões, mantém os analfabetos

excluídos do processo eleitoral, enfatizando o analfabetismo como um dos principais problemas nacionais.

57 Dentre os principais líderes políticos republicanos, podemos destacar Marechal Deodoro da Fonseca,

por uma série de crises que o Regime Monárquico de D. Pedro II vinha enfrentando. Sob influência positivista, o regime republicano estava alinhado às invenções e às descobertas científicas, que deram sustentação ao desenvolvimento do século XX. Os políticos e intelectuais almejavam um constante progresso material e a reforma moral, política e social.

A mudança do regime político não alterou profundamente os diferentes âmbitos da sociedade, já que o poder político, econômico e o prestígio social continuaram concentrados em poucas pessoas – famílias latifundiárias – e sob os moldes do sistema de coronelismo – como chefe político local. A participação política estava restrita a minoria da população, já que o voto consistia em um mero “instrumento de vassalagem”, ou seja, uma manipulação de favores, proteção, ameaças e dinheiro58. A indicação dos candidatos pelos grandes proprietários rurais ou mesmo as suas próprias candidaturas, representava um descrédito do sistema eleitoral brasileiro por praticamente todo o período da Primeira República (NAGLE, 1974, p. 6).

De acordo com Carvalho (1987, p.44-45), o voto era concedido àqueles a quem os políticos confiavam à preservação de seu poder, excluindo “os pobres (seja pela exigência de renda, seja pela exigência da alfabetização), os mendigos, as mulheres, os menores de idade, as praças de pré, os membros de ordens religiosas”. Estava restrito aos homens e alfabetizados, consistia em uma exigência para a cidadania política, que somente o direito social da educação poderia fornecer.

Outro aspecto a ser destacado é a implementação do sistema federativo, que também é marcado pelas desigualdades, sendo que os Estados de maior prestígio econômico – como Minas Gerais e São Paulo – lideraram, até o fim da Primeira República no Brasil (1930), o cenário de decisões políticas nacionais. Segundo Lima (2014, p.27), “manteve- se em um implicado complexo de sustentação política, de alianças realizadas entre as políticas locais e municipais (...) os presidentes de cada Estado realizavam uma série de acordos, concessão de favores políticos e distribuição de recursos”.

Desde o ponto de vista social, o início do período republicano foi marcado pela heterogeneidade, composta por grupos com interesses, culturas e expectativas de vida muito distintas entre si. Dentre eles, podemos destacar os ex-escravos, imigrantes,

Educação, o militar e político Benjamin Constant tem participação ativa na Reforma da Instrução Pública, em 1891.

58 O sistema eleitoral durante a Primeira República estava regido pelo sufrágio universal, excluindo as

mulheres e os analfabetos, que representam a maioria da população. Outro aspecto a ser assinalado consistia no voto aberto, que significava uma forma de abuso de autoridade, fraudes, trocas de favores e violência.

profissionais liberais, pequenos produtores agrícolas, comerciantes, entre outros, formavam a grande parcela da sociedade que deveria ser conduzida por uma elite dirigente representada na forma do Estado, que introduziria mudanças e realizaria a manutenção da estabilidade social. De acordo com Monarcha (1989, p.52), o discurso sobre a educação foi um lócus importante para a construção e disseminação das imagens universalizadoras e unificadoras. Entretanto, construir uma identidade nacional diante de uma sociedade com grupos tão distintos foi um dos maiores desafios da República brasileira.

Nesta conjuntura, apenas instaurar o regime político era insuficiente para a constituição efetiva de uma política liberal democrática e para a superação da situação de “atraso” em que vivia a sociedade brasileira se comparada às nações europeias e norte- americanas59. O homem era o principal alvo do processo modernizador e a ele cabia a intervenção pragmática para a mudança da realidade. Primeiramente, os governantes realizaram um levantamento dos problemas nacionais, tendo como resultado um diagnóstico grave – “insalubridade, ignorância e atraso” e construção de bipolaridades - saúde/doença; vida/morte; progresso/atraso; sujo/limpo – caracterizando um passado que deveria ficar para trás e indicando um futuro ideal para o país (KROPP, 1996, p.25).

O retrato do Brasil, nos primeiros anos da República, confirmava-se como atrasado, inculto, conservador e oligárquico, com uma forte dissonância entre “padrões cultos burgueses e o atraso nacional”. Segundo Monarcha (1989, p.42-43), a sociedade brasileira estava num estágio “pré-social” marcada pelo patriarcalismo60 e atraso das cidades em comparação aos ideais cosmopolitas e culturais das sociedades europeias e norte americana. Desse modo, a inteligência nacional buscava estabelecer parâmetros e rumos para a organização e desenvolvimento nacional na tentativa de superar o estágio “pré- burguês” em direção a uma efetiva República liberal democrática.

Para alcançar tal objetivo, seria necessário intervir, curar, sanear e educar alinhado ao padrão burguês, industrial e civilizado (HERSCHMANN, 1996, p.25). O princípio norteador das mudanças seria a ciência, concebida como chave para o conhecimento da realidade e sua transformação em benefício do homem. O desenvolvimento dos centros

59 De acordo com Carvalho (1990), existiam três modelos de República à disposição dos republicanos

brasileiros: o americano, o positivista e o jacobino. Os dois primeiros, embora partindo de premissas completamente distintas, enfatizavam aspectos relacionados à organização do poder. Já o modelo jacobino, a intervenção popular constituía a base fundamental do novo regime.

60 O patriarcalismo era uma característica predominante do Estado Brasileiro e estava vinculado ao poder

exercido pelo chefe local, com total obediência. Para uma análise mais aprofundada, ver Carvalho (2006, 2004, 2001); Holanda (2013) Faoro (2001).

urbanos, especialmente nas regiões sudeste e sul, também foram vislumbrados como importantes propulsores da modernidade brasileira.

De acordo com os discursos médicos, nas primeiras décadas do século XX, seria necessária a prática de uma medicina preventiva, de cunho social, ocupando-se dos sadios a fim de evitar a propagação de enfermidades através de medidas instrutivas. O modelo de medicina clínica, considerada velha e arcaica, deveria ceder espaço para uma medicina social, o que garantiria um prestígio para os higienistas e sanitaristas.

A ignorância era considerada um obstáculo para o desenvolvimento social e a educação como necessária à superação dos problemas relacionados à higiene. Um dos argumentos e talvez o mais emblemático “potencializava a ignorância como fator preponderante, uma espécie de vírus mortífero ou doença grave” (STEPHANOU, 1999, p. 140). A higiene constituía um suporte científico da extensa ação da medicina no contexto social, sendo de importância para a saúde pública e individual e, sobretudo, com uma ênfase na educação sanitária, na atenção à infância e na higiene escolar. Desse modo, a alfabetização ampliava o horizonte de compreensão das propostas higiênicas, considerados indispensáveis para uma boa saúde (Idem, p. 138).

Dentro do contexto urbano, sob discurso de um novo modelo pedagógico e higienista, surge o modelo de Grupo Escolar no Brasil, no final do século XIX, seguindo as tendências internacionais de uma nova concepção de escola primária61. Em linhas gerais, esta deveria ser instalada em um prédio próprio escolar (separado da casa do professor ou espaços adaptados), graduada em níveis de ensino de acordo com o grau de adiantamento dos alunos, de formação integral (moral, intelectual e física) e de acordo com o método intuitivo62.

Para atender às necessidades desse novo modelo escolar, o magistério constituía um ponto chave, desde a formação, como sua inspeção e controle por parte do Estado. A

61 Os estudos sobre os grupos escolares, analisados em conjunto ou individualmente, têm sido tema

frequente para pesquisadores da história da educação. Em diversos Estados ou cidades brasileiras, como por exemplo, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Santa Catarina, Sergipe temos trabalhos de referência nesta área, entre eles, podemos citar: Souza (1998), Faria Filho (2000), Buffa e Pinto (2002), Bencostta (2005), Vidal (2006), Azevedo (2010), Teive (2009a, 2009b), Silva e Teive (2009), Dallabrida e Teive (2011). Dissertações e teses contemplam diversas localidades do país contribuem para o enriquecimento do tema, como por exemplo, em Natal/RN (MOREIRA, 2005); Santos/SP (BRASIL, 2008); Mococa/SP (PORCEL, 2007); Itapetininga/SP (STELLA, 2006).

62 O ensino intuitivo vincula-se, historicamente, ao declínio do ensino escolástico e à ascensão dos preceitos

da pedagogia moderna, preconizados por Bacon, Comenius, Rabelais, Locke, Condilac, Rousseau, Pestalozzi, Basedow, Campe e Froebel, entre outros. Em contraposição ao ensino livresco, o ensino intuitivo parte da premissa de que toda a educação deve começar pela educação dos sentidos. Sobre o método intuitivo, ver Schelbauer (2005), Valdemarim (1998, 2004), entre outros.

figura do diretor apresenta-se nova organização de administração e, acima de tudo, uma nova hierarquia escolar. Sua função administrativa era destinada a supervisionar e manter o bom funcionamento das orientações recebidas pelas autoridades governamentais. O diretor passou a ser o porta-voz entre a escola e o governo, um mediador que descrevia a situação escolar, comentando atividades, fornecendo dados e apresentando problemas do corpo docente e discente. Como cargo de nomeação, oferecido por honra e/ou distinção no magistério, o diretor era visto como uma autoridade do ensino, um legítimo representante do governo na escola63.

Outro símbolo emblemático da modernidade educacional impulsionada no período são as exposições e congressos pedagógicos e as missões de estudos. O objetivo principal consistia em divulgar as novidades no âmbito internacional, principalmente dos Estados Unidos e da Europa, para servirem de modelo para a instrução dos países considerados “atrasados” ou menos desenvolvidos. No âmbito nacional, a Capital do país, Rio de Janeiro, assim como o Estado de São Paulo tornaram-se espaços de referência para outras regiões do país64.

Também as missões de diretores/inspetores da instrução pública contavam com a participação dos professores, constituindo uma importante atividade de reconhecimento e contato com os modelos de ensino considerados mais “avançados”. Consistia numa tentativa de aproximação entre as novas descobertas da educação daquelas regiões/nações que já haviam progredido e aquelas almejavam alcançar esse objetivo65.

Desse modo, era primordial para os dirigentes políticos a construção física e ideológica das escolas primárias, moldadas aos novos princípios idealizados sobre a sociedade e a nação. Um novo espaço estrutural e pedagógico, a partir do princípio de progresso nacional, sob o rótulo de escola republicana, ficou conhecido como Grupos Escolares.