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SUMÁRIO

ENTRESSÉCULOS (XIX-XX) 127 4.1 Modelos e experiências internacionais

2. ARQUITETURA ESCOLAR E PATRIMÔNIO HISTÓRICO-EDUCATIVO O presente capítulo tem como objetivo, em primeiro lugar: apresentar a discussão

2.3 Diálogos com o patrimônio histórico-educativo

Na perspectiva dos estudos sobre a cultura, espaço e arquitetura escolar, atribuímos valor aos edifícios escolares, em suas distintas formas e níveis. Valendo-se da concepção de patrimônio histórico-educativo compreendemos que a escola constitui parte significativa da cultura material e imaterial das diferentes sociedades, podendo ser analisadas valendo-se das tendências universalizadoras, assim como, através de suas particularidades.

A opção pela pesquisa da escola primária pública, construídas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, nas primeiras décadas do século XX, satisfaz uma necessidade de inventariar os primeiros edifícios escolares que foram instalados em diferentes cidades. Defendidas pelos dirigentes políticos ora como “templos do saber” ora como “pequenos focos de luz”, estas instituições seguem, em sua maioria, suas atividades escolares ou foram cedidas para outras funções de órgãos administrativos públicos. Tombados, inventariados, conservados, preservados, adaptados, descaracterizados ou mesmo demolidos, os edifícios escolares são parte integrante da história da educação, como espaços privilegiados de histórias e memórias.

Em suas pesquisas sobre a cultura material da escola, Escolano (2011) ressalta a importância da materialidade para a memória escolar. Cadernos, diários, manuais, revistas, mapas, aparelhos de laboratórios, mobiliário e, sobretudo, os espaços escolares apresentam, além de seu aspecto funcional, símbolos e representações. Conforme o autor,

no son simples espacios neutros en los que se vacía mecánicamente la educación formal, sino escenarios con una definida semántica cultural que educa silenciosamente. En otro orden de cosas, las construcciones

escolares son, más allá de los registros individuales, verdaderos templos del saber y símbolos ejemplares de toda la comunidad (...) La arquitectura de las escuelas ha ejercido sobre los sujetos que en ellas se educaron durante un tiempo medio o largo un influjo de gran poder de impregnación. Los edificios escolares registran en sí mismos contenidos y valores de memoria, y ellos son al tiempo inductores de influencias duraderas en las memorias de los actores que vivieron bajo el cobijo de sus muros (ESCOLANO, 2011, p.16-17).

Para compreendermos as questões que permeiam o patrimônio histórico- educativo devemos considerar o conceito de patrimônio de modo mais amplo. Apesar de variações em diferentes países, a noção de patrimônio esteve ao lado da construção das nacionalidades, primeiramente ligado às questões dos monumentos e bens materiais de uma determinada nação, para depois abranger aspectos culturais e ultrapassar fronteiras nacionais30. De acordo com Choay (2001, p.95),

A invenção da conservação do monumento histórico com seu aparelho jurídico e técnico, o mais das vezes atribuída à monarquia de Julho, foi antecipada pelas instâncias revolucionárias: seus decretos, e “instruções” prefiguraram, na forma e no fundo, a abordagem e os procedimentos desenvolvidos na década de 1830 por Vitet, Mérimée e pela primeira Comission des Monuments Historiques.

A história dos objetos e a construção dos lugares de memória estão entrelaçadas aos valores que lhe são atribuídos em cada período histórico, podendo alcançar um sentido patrimonial. A materialidade que sobrevive ao tempo constitui diferentes formas de pensar a cultura dos indivíduos, grupos, comunidades, sociedades e nações. A noção de patrimônio está estritamente ligada à ideia de construção dos Estados Nacionais modernos, invenção que se dá no século XVIII, mais especificamente, nos movimentos ideológicos da Revolução Francesa e que se espalhou pelo Ocidente.

No início do século XX, apesar do número de bens inventariados aumentar significativamente, sua essência permanecia a mesma do século XIX, provinham da arqueologia e da história da arquitetura erudita. Em 31 dezembro de 1913, o termo classement aborda uma perspectiva significativa em relação ao patrimônio francês do

30 Quando o historiador François Guizot (1787-1874) é nomeado Ministro do Interior da França em 1830,

cria, por decreto, o cargo de Inspetor de Monumentos Históricos30. Sucessivamente, ocupam o cargo:

Ludovic Vitet, historiador e crítico de arte; Prosper Merimée, escritor; Viollet le Duc, arquiteto. (CHUVA, 2009, p.51). Nesta mesma década cria-se também a primeira Comissão dos Monumentos Históricos, em 1837, constituindo três grandes categorias de monumentos históricos: os remanescentes da antiguidade; edifícios religiosos da Idade Média e alguns castelos (CHOAY, 2001). Em 1887 foi criada a Comissão Superior de Monumentos Históricos, que objetivava avaliar as demandas existentes de restaurações, assim como examinar as condições de segurança do patrimônio nacional francês.

ponto de vista jurídico. A lei, defende o patrimônio nacional e a capacidade legal de intervenção do Estado junto à propriedade privada estabelecendo que “o proprietário de um imóvel classé ficava, então, proibido de modificá-lo, alterá-lo ou reformá-lo sem a autorização prévia do ministério encarregado do assunto”. Cria também, um Inventário Suplementar com os monuments inscrits, isto é, monumentos inscritos em uma listagem que, embora sem as mesmas restrições da categoria classés estavam protegidos da destruição ou modificação de uma paisagem sem autorização do Estado francês. Em 1930, uma primeira complementação à lei de 1913 inicia o processo de expansão dos bens patrimoniais, protegendo sítios, perspectivas e paisagens com o estabelecimento de representações regionais e uma Comissão Superior em Paris (CHUVA, 2009, p.50).

De acordo com Hartog (2006), essas transformações culminaram na exigência da passagem do modelo proposto na Carta de Atenas (1931), para a Carta de Veneza (1964). Da prerrogativa inicial de restauração de monumentos históricos, centrando sua atenção apenas para a preservação dos grandes monumentos, se caminhava em direção para uma manifestação urbana, uma tomada de consciência que visava a preservação do patrimônio como um projeto urbano. Em 1972, outro movimento importante da noção de patrimônio se expande para na Conferência geral da UNESCO, adotando a “Convenção para a proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural”.

Ao longo do século XX, a questão patrimonial adquire diferentes dimensões, dentre elas a espacial. De uma discussão mais restrita ao contexto ao europeu na década de 1930, se expande para outros continentes, sendo que no ano de 1979, envolve todos os continentes, em um total de 80 países31. A extensão de bens patrimoniais – tipológica, cronológica e geográfica – é acompanhada pelo crescimento de seu público (CHOAY, 2001).

Seguindo o exemplo centralizador do Estado francês, ocorrem importantes deslocamentos quando são anexadas outras formas das artes edificadas, recebendo novas denominações, como arquitetura menor, arquitetura vernacular e a arquitetura industrial32. Esse panorama ampliado, englobava: construções eruditas e populares,

31 A primeira Conferência Internacional para a Conservação de Monumentos Históricos ocorreu em 1931,

em Atenas, com a participação de países europeus. Em 1964, em Veneza, contou com a participação de países não europeus: Tunísia, México e Peru.

32 A nomenclatura arquitetura vernacular é um termo inglês para distinguir os edifícios marcadamente

locais; arquitetura menor é um termo proveniente da Itália para designar as construções privadas não monumentais; a arquitetura industrial foi um termo incialmente aceito pelos ingleses (CHOAY, 2001 p.12).

urbanas e rurais; todas as categorias de edifícios, públicos e privados, santuários e utilitários; usinas, e estações; aglomerados de casas e bairros, aldeias, cidades inteiras e conjuntos de cidades (CHOAY, 2001, p.12-13).

Outros países, como a Inglaterra e os Estados Unidos33, diferentemente do modelo francês, também investem na preservação do patrimônio nacional. Apesar de semelhante ao instituito classemant francês, em 1900, a Lei do Monumento Antigo (Ancient Monument Act) da Inglaterra, era aplicado quase que exclusivamente aos monumentos que haviam sido transferidos ao poder estatal. Em 1944, com a criação do Ministério do Interior (Ministry of Housing and local Government) e a Lei do Planejamento Rural e Urbano (Town and Country Planning Act) implementa um inventário de edifícios e monumentos de interesse do Estado cuja alteração ou demolição poderia ser realizada pelos proprietários sem a prévia autorização do Estado. No ano de 1954, uma disposição legal facultava ao Ministério do Interior subvencionar proprietários de imóveis inventariados desde que abertos ao público em períodos previamente combinados.

O modelo Estadunidense ensaia a preservação do seu patrimônio nacional valendo- se da iniciativa privada, no final do século XIX. Eram concedidas representatividade e autoridade aos grupos de arquitetos para as práticas protecionistas do patrimônio nacional. Dois institutos são criados visando a centralização dessas atividades: Inspetoria de Edifícios Históricos Americanos (1933); Instituto Nacional de Preservação Histórica (criado em 1949, de iniciativa privada passa a receber, na década de 1960, subvenção federal e alinha-se ao Departamento Federal do Interior. Com a pouca participação do Estado nas atividades preservacionistas, as prefeituras e estados, em conjunto com a iniciativa privada, empresas e particulares intervém de modo efetivo na preservação do patrimônio norte americano (CHUVA, 2001, p. 53).

No Brasil, as iniciativas em torno da conservação do patrimônio nacional se organizam a partir do modelo de intervenção estatal francês, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)34, em 1937, e, com o decreto-lei nº.25, de 30 de novembro de 1937, que regulamenta a proteção de bens culturais (móveis

33 Para um estudo comparativo de políticas de preservação do patrimônio entre Inglaterra, Estados Unidos

e França, ver Gouveia (1985).

34 Bomeny (1995) aponta em seu estudo a participação de Mário de Andrade na organização do patrimônio

nacional antes da criação do Sphan, com o anteprojeto do Span (Serviço do Patrimônio Artístico Nacional) e as discussões acerca da necessidade de colocar em um outro patamar o trabalho de seleção das coleções nos museus brasileiros. Também destaca a participação de Mário de Andrade como consultor permanente do Sphan.

e imóveis). A noção de patrimônio, como categoria jurídica, é sinalizada timidamente na constituição de 1934, em seu artigo 10º, que atribui à União e aos Estados a proteção aos bens naturais, aos monumentos de valor artístico e histórico, assim como, o impedimento da evasão de obras de arte (FONSECA, 2005, p. 37-38).

A criação do SPHAN esteve estritamente relacionada ao projeto de unidade nacional e da construção de uma concepção de patrimônio nacional. Segundo Chuva (2009, p.31), pode ser assinalado como “gênese e da consagração da noção de patrimônio nacional no Brasil, considerando, dentre outros aspectos, que o SPHAN, de 1937 a 1946, protegeu legalmente mais de 40% de todo o patrimônio tombado até o começo do século XXI”.

O SPHAN vinculado ao Ministério da Cultura, em 1946 passa a denominar-se Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Dphan) e, em 1970 incorpora a nomenclatura que possui até hoje, Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Ao longo da trajetória política de preservação do patrimônio no Brasil, o órgão vinculado ao Governo Federal incorporou o conceito antropológico de cultura, problematizando a noção de patrimônio, preservação e tombamento. Também opera na perspectiva dos bens culturais – materiais e imateriais, sendo responsável por “preservar, divulgar e fiscalizar os bens culturais brasileiros, bem como assegurar a permanência e o usufruto desses bens para a atual e as futuras gerações”35.

Ao revisitar as iniciativas de preservação do patrimônio no Brasil, Fernandes; Alfonsin (2010, p.15) destacam que o decreto-lei 25, de 1937, que instituiu o tombamento, foi “a primeira forma de materialização legislativa do princípio constitucional da função social da propriedade, que já havia sido reconhecido anteriormente pela constituição de 1934”. Após a Constituição de 1988, “novos conceitos propõem distintas maneiras de se pensar a relação entre políticas de preservação da memória coletiva, utilização do tombamento como instrumento de política cultural, dinâmica dos mercados imobiliários, ação institucional e processos sócio-políticos” (Idem, p.17)

O artigo 216 da Constituição Federal Brasileira, de 1988, define o patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, “tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes

grupos formadores da sociedade brasileira”. Apresenta distintas formas do poder público, em colaboração com a comunidade, de proteção do patrimônio cultural brasileiro, seja por “meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação (§ 1º, Constituição Federal Brasileira, 1988).

A partir da década de 1980, Fernandes (2010, p.34) identifica cinco desdobramentos inter-relacionados no Brasil, como a tendência de municipalização das políticas de proteção; a democratização dos processos decisórios; a compreensão da importância do urbanismo; a adoção de medidas compensatórias e, por fim, a formulação política articulada de proteção, não fazendo apenas o uso do instituto do tombamento.

De acordo com o estudo de Souza Filho (2010) devemos considerar que durante 63 anos, entre 1937 e os anos 2000, o tombamento foi o único instituto jurídico de definição, organização e proteção dos bens culturais, no Brasil. Desse modo, o tombamento passou a incorporar distintas versões nos planos estaduais e municipais, se firmando no âmbito jurídico como “instituto sólido, reconhecido por juristas, arquitetos, antropólogos, artistas e outros profissionais da cultura como único e atualmente o principal instrumento de proteção cultural” (p.169). Estabelecendo uma discussão em torno das distinções e semelhanças entre tombamento e o registro, o autor esclarece que apesar de serem muito parecidas e, tomadas juridicamente de forma bastante próxima e com consequências idênticas, a grande diferença está em que:

patrimônio tombado tem caráter perene, enquanto o registrado é considerado patrimônio cultural do Brasil por 10 anos, quando deverá ser reavaliado” (...) Os tombados são bens que devem ser preservados pois pertencem à história do povo, e, portanto, para a memória das futuras gerações. Os registrados são manifestações culturais vivas, atuais, que podem ou não ser mantidas como patrimônio cultural do Brasil, se não o forem, correm o risco de se perderem na memória (p.170).

O mesmo autor salienta que o caso dos inventários consiste em um levantamento dos bens culturais, valendo-se dos mesmos critérios técnicos do tombamento, a fim de listar os bens integrantes do patrimônio cultural. Devem integrar os inventários tanto os bens com suporte, assim como os bens sem suporte, com ou sem risco de extinção.

Ao analisar o panorama de proteção dos bens culturais, entre o final do século XX e princípios do XXI, Pires (2010, p.85) problematiza que um dos principais desafios que se apresenta neste cenário é a necessidade de um de um novo olhar para o instituto do

tombamento, “sobretudo como processo de seleção dos referentes indenitários, e o que sua conjugação com outros instrumentos de proteção de bens imateriais e, no plano da política urbana, com outros instrumentos urbanísticos disciplinados no Estatuto da cidade, lei 10257 de 10 de junho de 2001”. Ainda, assinala outros desafios, como a ampliação do conceito de função social no que diz respeito às políticas de preservação; a participação mais efetiva da sociedade na política patrimonial; a necessidade de um equilíbrio entre a preservação e a sustentabilidade e, por último, aponta a importância da proteção dos bens culturais, desde uma “perspectiva dos interesses difusos de memória, de fruição coletiva e da própria integridade ou permanência de seus referentes materiais e intangíveis, o que deve envolver a dimensão jurisdicional, política e social” (Idem, p.87).

A inserção da questão referente ao usufruto dos bens para a atual e as futuras gerações altera profundamente a noção de patrimônio na passagem para o século XXI, abrangendo, também, a educação patrimonial. Essa ampliação está permeada pelos questionamentos em torno da (s) cultura (s), das transmutações do tempo e espaços, de uma nova lógica de mundo, das questões naturais e ambientais, que marcam o período. Alterações nas formas de conceber a vida, diálogos com diferentes áreas do conhecimento, assim como, a aproximação dos espaços e a circulação de materiais e ideias a partir dos avanços tecnológicos produzem novas técnicas de conservação, como problemas de destruição pelo grande número de pessoas que circulam nos bens materiais edificados.

De modo geral, o patrimônio cultural no século XXI – material, imaterial e mundial – é compreendido como algo em constante movimento, construído pelos homens de um determinado tempo e lugar. Exige “la conciencia o sentimiento de que nos pertenece, de que ese algo es de algún modo valioso y de que, por tanto, precisa ser conservado y protegido” (VIÑAO, 2011, p.34).

Ao analisar cultura como patrimônio, Velasco (2007, p.36) destaca que a noção de cultura é ampla, indefinida e acolhe, praticamente, tudo. Já, a noção de patrimônio é limitada a uma série determinada de elementos, ou seja, o patrimônio cultural é estrategicamente seletivo. Desse modo, quando se patrimonializa, é necessário fazer uma redução forçada do amplo conceito de cultura. Ao considerar aspectos dos bens culturais, Souza Filho (2010) menciona a importância da grandeza imaterial que o mesmo remete, ou seja, mesmo necessitando de um suporte material para sua existência, o bem cultural é, essencialmente, um bem imaterial,

todo bem cultural tem em si uma evocação, representação, lembrança, isto é, sobre a materialidade do bem existe uma grandeza imaterial que exatamente lhe dá o conteúdo cultural. O bem cultural pode ser uma cachoeira, uma casa ou uma obra de arte, mas a sua qualidade cultural não está na materialidade e sim no que ela representa. Não é o material da casa, nem a água da cachoeira, nem a tela e as tintas que revestem a materialidade de valor cultural, mas o que de forma intangível o ser humano lhe atribui, seja como beleza, seja como evocação mística ou lembrança histórica. Portanto, todo o valor cultural é uma imaterialidade (p.165).

A noção de patrimônio está, portanto, estritamente implicada nos valores – históricos, sociais, estéticos, culturais, artísticos – que atribuímos aos bens materiais (como por exemplo, obras de arquitetura, escultura e pintura monumentais ou de caráter arqueológico); aos bens imateriais (as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural), assim como, bens naturais subaquáticos e naturais mundiais36.

Ao discutir as redefinições da memória e do patrimônio, Hartog (2006, p.266) apresenta importantes problematizações em torno de novo regime de historicidade, após a queda do Muro de Berlim (1989). O movimento, iniciado no final dos anos 1980, relaciona patrimônio ao território e a memória, onde operam um e outro como vetores de uma identidade inquieta, ameaçada ou já amplamente esquecida. Nesse sentido, o Patrimônio se apresenta como um “convite à amnésia coletiva” e, para se contrapor a esse esquecimento inicia-se um amplo movimento de dever em relação ao patrimônio, a partir da conservação, reabilitação e comemoração.

Problematizando o fim da história-memoria, Nora (1997) coloca a crise desencadeada pela aceleração da história e a necessidade de consagrar os lugares de memória, porque não habitamos mais a nossa própria memória, ou seja, a construímos de forma artificial, a exteriorizamos. Os lugares de memória “nascem e vivem do sentimento de que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter

36 Essa organização acerca do patrimônio cultural vem sendo problematizado a partir da Convenção do

Patrimônio Mundial, criada em 1972 pela Organização das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura (UNESCO). A partir de então, novos valores, questões, temas vem sendo propostos, principalmente no âmbito da educação patrimonial. Para mais informações, ver: www.iphan.gov.br

aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações são não naturais” (NORA, 1993, p. 13).

Desde uma perspectiva filosófica, Ricouer (2007) também discute o esquecimento como hermenêutica da condição histórica do ser humano, assinalando o seu papel, ao lado da história e da memória, de representação do passado. Ao colocar questões acerca da espacialidade e do ato de habitar, salienta que a ideia de “local” e “lugar” está imbricado de sentidos, em uma constante alternância entre repouso e movimento. Aponta que o ato de habitar está diretamente relacionado ao ato de construir, sendo a arquitetura um dos principais representantes desse processo de alteração do ambiente natural executado pelo homem ao longo de sua existência. Remetendo aos questionamentos sobre a longa duração, propostos por Braudel, assinala que “o espaço é o meio das oscilações mais lentas que a história conhece” (RICOUER, 2007, p.162).

Dessa forma, diante das tendências recentes de proliferação das comemorações, arquivos, museus, centros de memórias, críticos salientam que esse movimento decorre, essencialmente, de um momento de aceleração da história, de crise da memória e de amnésia coletiva. A ampliação da noção de patrimônio material e imaterial cede lugar para reflexões em outros campos, como por exemplo, o educacional. Esse movimento foi fundamental para as novas perspectivas da história da educação recuperando e valorizando a memória da educação em diferentes tempos e espaços. Segundo Rabazas e