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2 FORMAS DE PLANEJAMENTO E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO

2.1 O PLANEJAMENTO CENTRALIZADO NO PERÍODO DE HEGEMONIA

2.1.1 Centralização e políticas de desenvolvimento rural no Brasil

Institucionalizado pelo Decreto nº 74.794, de 30 de outubro de 1974, e criado no âmbito do II PND, o Polonordeste tinha como objetivo principal promover o desenvolvimento e a modernização do setor agropecuário, com foco em áreas prioritárias14, visando a criar, nessas regiões, polos agrícolas e agropecuários (BRASIL, 1974). Para Bursztyn (1984), a criação desses polos pretendia reduzir a saída do homem do campo na região e elevar a produção de alimentos via incentivos à modernização. Já Delgado (1985) chama atenção para o fato de que as ações do Programa buscavam combater, além da baixa produtividade, a pobreza rural.

Os recursos do Programa deveriam ser destinados ao financiamento do pequeno produtor, assistência técnica e extensão rural, desenvolvimento de pesquisas para o setor, fornecimento de insumos e apoio à mecanização – ambos voltados para fomentar o processo de modernização – investimentos em recursos hídricos, criação de infraestrutura, serviços de saúde e educação e apoio ao cooperativismo (BURSZTYN, 1984). Para executar essas ações, o

14 Foram escolhidas cinco áreas principais (BRASIL, 1974): (i) Áreas dos Vales Úmidos, compreendendo porções

do vale do rio Parnaíba, (o Delta do Parnaíba, nos Estados do Maranhão e Piauí, os vales do Gurguéia e do Fidalgo, no estado do Piauí), vales do Nordeste Oriental (Vales do Jaguaribe, no estado do Ceará e Apodi, Piranhas-Açu e Ceará Mirim, no estado do Rio Grande do Norte), e porções do vale do Rio São Francisco (Vale do Moxotó, no estado de Pernambuco, Áreas de Petrolina-Juazeiro, nos estados de Pernambuco e Bahia, Vales dos Rio Grandes e Corrente, no estado da Bahia, e Área do Jaíba, no estado de Minas Gerais); (ii) Áreas das Serras Úmidas, correspondendo às Serras da Ibiapaba e Baturité, no estado do Ceará, Aripe, nos estados do Ceará e Pernambuco, Martins, no estado do Rio Grande do Norte, do Teixeira e do Brejo, no estado da Paraíba, e de Triunfo, no estado de Pernambuco; (iii) Áreas da Agricultura Seca, compreendendo a Área do Sertão Cearense, a Área do Seridó (parte dos estados do Rio Grande do Norte e Paraíba), e Área de Irecê (no estado da Bahia); (iv) Áreas dos Tabuleiros Costeiros estendendo-se, pela faixa litorânea, a partir do estado do Rio Grande do Norte até o sul do estado da Bahia; e (v) Áreas da Pré-Amazônia, compreendendo áreas localizadas a oeste do estado do Maranhão.

Programa estabeleceu a criação de Projetos de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRI) em todos estados da Região Nordeste e no norte de Minas Gerais, financiados, em parte, pelos recursos do Banco Mundial (MATOS FILHO, 2002).

De fato, a implementação desses PDRI coincidiu com o início de uma atuação mais direta do Banco Mundial nos investimentos em agricultura e desenvolvimento rural. Esse processo teve início nos anos 196015, a partir da gestão de George Woods (1963-1968), que, ao

assumir a presidência do Banco Mundial, trouxe, em seus discursos, a intenção de mudar a política da instituição em prol do desenvolvimento, o que passava por proporcionar uma suavização das condições de pagamento e aumentar os empréstimos e créditos para outras partes do mundo – até então de caráter conservador e seletivo – bem como por uma diversificação setorial dos empréstimos (PEREIRA, 2009, 2010a). Sobre esse último aspecto, a estratégia do Banco em atuar no desenvolvimento também passava por maiores investimentos em setores mais fragilizados, como o espaço rural dos países periféricos, permeado, segundo a própria visão de Woods, por pequenas unidades de produção e infraestrutura social e física deterioradas (KAPUR; LEWIS; WEBB, 1997).

No período, outros fatores que contribuíram para que o meio rural se tornasse um dos focos da agenda do Banco Mundial consistiram no alinhamento da instituição com o início do movimento da Revolução Verde, a crença no desencadeamento de uma crise alimentar no terceiro mundo em função de um iminente aumento da população vis-à-vis a produção de alimentos e a visão do Banco de que agricultores tradicionais “eram receptivos a incentivos econômicos e predispostos à otimização da produção segundo critérios capitalistas de rentabilidade” (PEREIRA, 2016, p. 230).

Apesar dos avanços na gestão Woods, foi com a chegada de Robert McNamara (1968- 1981) que o Banco Mundial inovou, dinamizou e expandiu suas operações, aprofundando os investimentos multilaterais e as mudanças geográficas dos empréstimos. Foi também nesse

15 Antes disso, durante a gestão de Eugene Black (1949-1962), o foco da instituição era o financiamento de projetos

de infraestrutura física, deixando de lado qualquer intervenção mais direta para o fomento da agricultura e desenvolvimento rural. Os poucos projetos financiados estavam voltados para irrigação e drenagem, o que pode ser creditado às suas capacidades de gerar rentabilidade para o Banco (KAPUR; LEWIS; WEBB, 1997). Esses autores explicam o desinteresse do Banco pelos projetos de agricultura e desenvolvimento rural, em primeiro lugar, pelo fato de que a instituição, preocupada com a sua credibilidade no mercado financeiro, enxergava a necessidade de apoiar projetos capazes de gerar elevados retornos, algo que não condizia com aqueles relacionados às duas áreas em questão. Em segundo lugar, ressaltam que, ancorado em alguns dos principais estudiosos sobre o desenvolvimento no período (Arthur Lewis, Raul Prebisch, Ragnar Nurske, P. C. Mahalanobis, Albert Hirschman e Walt Rostow), o Banco concebia a indústria como o motor do desenvolvimento. Os últimos motivos levantados pelos autores referem-se às incertezas, por parte da instituição, de que o aumento da oferta de alimentos dependeria ou seria restringida por políticas de reforma agrária, bem como da viabilidade dessas reformas e se configurariam causas para a intervenção do Banco.

período que os projetos em agricultura e desenvolvimento rural se consolidaram como a principal agenda da instituição. Com base em Kapur, Lewis e Webb (1997) isso foi motivado16,

especialmente, pela bandeira do Banco no período, direcionada ao combate à pobreza. Nesse contexto, o então Presidente, em seus primeiros discursos, deixava claro que, a despeito dos investimentos na década precedente e o crescimento econômico das economias periféricas, a desigualdade de renda no sistema internacional havia aumentado e a maior parte da população permanecia em condições de pobreza, o que, em última instância, suscitava a necessidade de analisar crescimento econômico e pobreza como duas categorias diferentes (PEREIRA, 2016). Assim, para o Banco, o meio rural apresentava-se como um campo fértil para colocar em prática a reprodução do enfoque orientado ao combate à pobreza, uma vez que concentrava grande parcela do número de pobres em países emergentes, ao passo que se constituía o motor do crescimento econômico desses países e representava a principal fonte de subsistência da sua população (PEREIRA, 2010a, 2010b).

A pobreza rural deveria ser enfrentada pelo modelo de Desenvolvimento Rural Integrado (DRI), proposto e disseminado pelo Banco Mundial, que orientou a implementação dos PDRIs (KAPUR; LEWIS; WEBB, 1997), como aqueles executados no âmbito do Polonordeste. Segundo Lacroix (1985), esse modelo era concebido como uma forma de envolver diversos componentes, independentes do ponto de vista operacional, em torno de uma proposta para o desenvolvimento das áreas rurais, sobretudo aquelas mais fragilizadas. Ainda de acordo com o autor, esses componentes abrangiam a produção (crédito agrícola, extensão e assistência técnica, fornecimento de insumos e assistência em marketing), serviços sociais (educação e saúde) e infraestrutura (construção de estradas, sistemas de abastecimento de água potável, irrigação e eletrificação rural). Especificamente no âmbito do primeiro componente, é importante lembrar que o financiamento da produção estava ancorado nos pressupostos da Revolução Verde (PEREIRA, 2016).

Além de amparar-se no conceito de DRI, a concepção teórica do Polonordeste fundamentava-se na ideia dos polos de crescimento, desenvolvida por François Perroux. Assim, o pensamento do Polonordeste era dividir o Nordeste em áreas geográficas prioritárias, dotando-as de ações planejadas setorialmente, de modo que a indução desses polos tenderia a promover o desenvolvimento da região (VIEIRA, 2008).

16 Outros três motivos podem ser mencionados (KAPUR; LEWIS; WEBB, 1997): (i) confirmação de que a

produção de alimentos não suportava mais o crescimento populacional nos países em desenvolvimento, suscitando uma maior canalização de recursos, por parte do Banco, para elevar a produtividade; (ii) existência de técnicos da instituição identificados com a temática do rural; e (iii) a própria intencionalidade expansionista do então novo presidente Mcnamara.

Na prática, o Polonordeste apresentou diversos problemas durante a sua vigência, de modo que muitos dos objetivos traçados, como o aumento da produtividade do pequeno produtor e a redução da pobreza rural, não foram alcançados. Nesse contexto, segundo uma avaliação do próprio Banco Mundial (1985), evidenciada por Matos Filho (2002), os principais benefícios do Programa contemplaram apenas uma parte das famílias pobres. O mesmo documento levanta, ainda, problemas relacionados com a disponibilidade de recursos financeiros, dado o descumprimento das obrigações contratuais por parte do governo federal, e com a alocação de recursos, uma vez que menos de um terço dos recursos financeiros programados chegaram, sendo o restante absorvido pela estrutura burocrática. É preciso destacar, por fim, a característica do planejamento centralizado do Estado no período, materializada pelo exercício do controle nas definições de investimentos e liberação de recursos (VIEIRA, 2008).

Vale lembrar que o Polonordeste, por intermédio da execução dos PDRIs, foi o embrião de uma série de programas de desenvolvimento rural financiados pelo Banco Mundial no Nordeste brasileiro. Particularmente, o estado do Rio Grande do Norte adquire um papel importante na história, por ter sido o primeiro estado nordestino a receber os recursos do Banco Mundial, a partir do Ruralnorte, apresentado a seguir.