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2 FORMAS DE PLANEJAMENTO E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO

2.3 DESCENTRALIZAÇÃO E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL

3.2.1 Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat)

No início do Governo Lula, o então Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS), criado, em 1999, com a finalidade de estabelecer diretrizes para a institucionalização de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento rural sustentável, foi reorganizado e, no seu lugar, instituiu-se o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural, Reforma Agrária e Agricultura Familiar (Condraf) (ORTEGA, 2008). Nesse processo de reformulação, o Condraf34 designou, entre outros aspectos, que a política de desenvolvimento

rural brasileira deveria ser pautada no enfoque territorial; pretendia, ainda, “[...] consolidar o espaço de articulação e os debates entre os diferentes níveis de Governo e as organizações da sociedade civil em torno da agricultura familiar e do desenvolvimento territorial” (ORTEGA, 2008, p. 162).

Essa reorientação proposta pelo Condraf impactou a própria concepção do Pronaf Infraestrutura e Serviços, que passou a atuar como instrumento para o desenvolvimento de territórios rurais (MDA/CONDRAF, 2005). Com isso, Ortega (2008) explica que os recursos a serem financiados por esta linha do Pronaf estariam atrelados a uma perspectiva territorial, e seriam destinados, então, a um consórcio intermunicipal e não mais ao município, sob o pretexto de que um conjunto de municípios, juntos, poderia ter maior capacidade de engendrar processos de desenvolvimento vis-à-vis o munícipio isoladamente.

A gestão do Pronaf Infraestrutura e Serviços ficou sob a responsabilidade da SDT, que procurou aplicar a noção de desenvolvimento territorial a essa linha do Pronaf (SCHNEIDER; CAZELLA; MATTEI, 2009). Nesse contexto, a SDT passou a conceituar o território como sendo:

Um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo cidades e campos, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a Economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população, com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam in terna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial (BRASIL, 2003, p. 34).

No âmbito da SDT, a adoção do enfoque territorial era justificada a partir dos seguintes aspectos (BRASIL, 2005b): (i) o rural não se resume ao setor agrícola, de modo que a ideia de

34 Uma das características do Condraf é abranger um grau variado de atores sociais, representando, segundo Ortega

(2008, p. 162), “uma nova institucionalidade, que preconiza a plena participação dos agentes sociais como protagonistas na proposição e gestão de políticas públicas relativas ao desenvolvimento rural, à reforma agrária e à agricultura familiar”.

território permite apreender o rural a partir de uma visão integradora do espaço; (ii) insuficiências analíticas e operacionais das escalas municipal e estadual para a promoção do desenvolvimento; (iii) ampliação do processo de descentralização das políticas públicas, com maior protagonismo dos espaços locais; e (iv) “[...] o território é a unidade que melhor dimensiona os laços de proximidade entre pessoas, grupos sociais e instituições que podem ser mobilizadas e convertidas em um trunfo crucial para o estabelecimento de iniciativas voltadas para o desenvolvimento” (BRASIL, 2005b, p. 8).

Com base nesses pressupostos, a SDT foi criada com o intuito de “[...] articular, promover e apoiar as iniciativas da sociedade civil e dos poderes públicos, em benefício do desenvolvimento sustentável dos territórios rurais” (BRASIL, 2005a, p. 5), com vistas a reduzir, dessa forma, as desigualdades e contribuir com o bem-estar da população, bem como integrar esses espaços ao desenvolvimento nacional.

De caráter mais específico, a missão institucional da SDT esteve ancorada em três eixos estratégicos (BRASIL, 2005a). O primeiro consistiu no apoio à organização e ao fortalecimento dos atores sociais, centrada na promoção de aspectos como mobilização, organização e capacitação desses agentes, fomentando assim as redes sociais dos territórios para que fosse possível atuar na gestão do desenvolvimento. O segundo concentrou-se no estímulo à adoção de princípios e práticas da gestão social. Nesse caso, as ações da SDT também envolviam a criação de espaços de concertação social, voltados para garantir transparência, participação e sustentabilidade. O último correspondeu à promoção da implementação e integração das políticas públicas, que buscava maior interação vertical (diferentes níveis de Governo) e horizontal (diferentes órgãos e/ou entidades que atuam em um mesmo nível) das políticas públicas.

Para operacionalizar esse conjunto de objetivos e ações, a SDT criou, em 2003, o Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat). Leite e Wesz Júnior (2010) explicam que o Pronat foi constituído pelo Pronaf Infraestrutura e Serviços Municipais e Pronaf Capacitação. Essas duas modalidades tornaram-se, respectivamente, as linhas de Apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços em Territórios Rurais (Proinf) e de Capacitação de Agentes de Desenvolvimento. Seus objetivos, de modo geral, estavam de acordo com seus antecessores.

Além dessas, destacavam-se as seguintes modalidades: (i) Assistência Financeira Mediante Emendas Parlamentares35; (ii) Projeto Dom Helder Camara (PDHC) –

Desenvolvimento Sustentável para os Assentamentos da Reforma Agrária no Semiárido do Nordeste36; (iii) Elaboração de Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável

(PTDRS); (iv) Gestão Administrativa do Programa (GAP); (v) Apoio à Gestão dos PTDRS; (vi) Fomento aos Empreendimentos Associativos e Cooperativos da Agricultura Familiar e Assentamentos da Reforma Agrária; e (vii) Fortalecimento e Valorização de Iniciativas Territoriais de Manejo e Uso Sustentável da Agrobiodiversidade.

Em consonância com as estratégias da SDT, o Pronat buscou promover e apoiar as iniciativas dos territórios rurais que ensejassem a melhoria de vida da sua população, o que envolvia fomentar a gestão, organização e o fortalecimento institucional dos atores, o planejamento e a gestão social dos territórios, os projetos voltados para a dinamização e para a diversificação das economias territoriais e a própria implementação e integração das políticas públicas (BRASIL, 2005b).

Sob essas orientações gerais, o Pronat passou a induzir, a partir de 2003, os Consórcios Intermunicipais de Desenvolvimento Rural Sustentável – Territórios Rurais (TR’s). Desde então, foram constituídos 239 TR’s, incorporados segundo os seguintes critérios (LEITE, 2010): (i) conjunto de municípios com até 50.000 habitantes e com densidade populacional menor que 80 habitantes/km²; (ii) maior concentração do público prioritário do MDA (Agricultores familiares, famílias assentadas pela reforma agrária, agricultores beneficiários do reordenamento agrário, famílias assentadas); (iii) conjunto de municípios já organizados em territórios rurais de identidade; e (iv) conjunto de municípios integrados com os Consads e Mesorregiões.

Uma vez constituídos, esses territórios formavam os Colegiados de Desenvolvimento Territorial (Codeters), cuja coordenação executiva era exercida pelo poder público e pela sociedade civil, com predominância para essa segunda categoria, responsáveis por:

[...]. 1) divulgar as ações do Programa; 2) identificar as demandas locais para o órgão gestor priorizar o atendimento (de acordo com critérios, sistemas de gestão pré-estabelecidos, especificidades legais e instâncias de participação existentes); 3) promover a interação entre gestores públicos e conselhos setoriais; 4) contribuir com sugestões para qualificação e integração de ações; 5) sistematizar as contribuições para o Plano Territorial de Ações Integradas; 6) exercer o controle social do Programa (LEITE, 2010, p. 117).

36 Voltada para o apoio e suporte à reforma agrária e à agricultura familiar do nordeste, bem como para o

fortalecimento dos processos de concertação social com vistas a promover o desenvolvimento (LEITE; WESZ JÚNIOR, 2010).

Os Codeter’s deveriam ser operacionalizados por três instâncias principais: (i) Plenária, órgão máximo do Colegiado, voltado para discussão de problemas, formulação de estratégias, negociação de interesses, deliberação de projetos e avaliação dos resultados; (ii) Núcleo Diretivo, encarregado de coordenar as ações definidas pela Plenária, apoiar a gestão do desenvolvimento territorial, bem como atuar no processo de articulação social, institucional e política; e (iii) Núcleo Técnico, incumbido de fornecer o suporte técnico necessário para o andamento das atividades inerentes ao Colegiado, podendo-se citar a assistência à elaboração dos projetos e ao monitoramento.

Uma atribuição geral dessas instâncias consistiu no apoio à construção, à implementação e à execução das diretrizes contidas nos PTDRS. Esses Planos foram outra institucionalidade presente na constituição dos TR’s e se assemelhavam aos PMDRS do Pronaf, configurando, portanto, “[...] um conjunto organizado de proposições e de decisões que conformam um acordo territorial” (BRASIL, 2005b, p. 22), discutidas em um espaço de concertação social. Dessa forma, esperava-se que esses Planos constituíssem, de fato, instrumento de gestão do desenvolvimento territorial, fossem elaborados de forma participativa, apresentassem um caráter multidimensional e multissetorial e garantissem mecanismos de avaliação e monitoramento (BRASIL, 2005b). Por fim, vale registrar que, no âmbito do Pronat, outro Programa de cunho territorial foi desenvolvido. Tratava-se do Programa Territórios da Cidadania (PTC), apresentado a seguir.

3.2.2 Programa Territórios da Cidadania (PTC)

Instituído pelo Decreto de 25 de fevereiro de 2008, o Programa Territórios da Cidadania (PTC) foi criado, por meio da Casa Civil, sob a justificativa de que “[...] alguns territórios apresentavam-se economicamente mais fragilizados que outros e, com isso, necessitavam de uma atenção emergencial com ações ainda mais articuladas” (LEITE, 2010, p. 115). Ortega (2008) complementa destacando que os Territórios da Cidadania (TC’s) foram constituídos a partir daqueles TR’s com características mais deprimidas.

Nesse sentido, os 120 TC’s implantados foram incorporados de acordo com os seguintes critérios (BRASIL, 2008): (i) fazer parte do Pronat, isto é, ser um dos TR’s; (ii) menor IDH – IDH territorial; (iii) maior concentração de beneficiários do Programa Bolsa Família, agricultores familiares, assentados da reforma agrária e de populações tradicionais, quilombolas e indígenas; (iv) maior concentração de municípios com baixo dinamismo econômico e menor

Ideb (Índice de Desenvolvimento de Educação Básica); (v) convergência de programas de apoio ao desenvolvimento de distintos níveis de Governo; e (vi) maior organização social.

Partindo do mesmo enfoque do Pronat, o PTC, segundo o Decreto que institucionalizou o Programa (BRASIL, 2008), tinha como objetivo modificar o quadro de pobreza e de desigualdade social presente no meio rural, por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. O mesmo documento entende que, para atingir este objetivo, fazia-se necessário contemplar um conjunto de ações, entre as quais: (i) integração das políticas públicas; (ii) ampliação da participação social; (iii) aumento da oferta de programas voltados para a cidadania; (iv) inclusão e integração produtiva, com foco nos segmentos mais vulneráveis dos territórios; e (v) maior valorização dos diversos aspectos (sociedade, cultura, Economia, política, instituições e recursos naturais) inerentes aos territórios. Vale ressaltar que o Programa esteve estruturado em três eixos de atuação – apoio às atividades produtivas, cidadania e direitos e infraestrutura, contemplando temas como organização sustentável da produção, ações fundiárias, educação e cultura, direitos e desenvolvimento social, saúde, saneamento e acesso à água, apoio à gestão territorial e infraestrutura (ORTEGA, 2008).

A partir desse envolvimento de ações, apreende-se que o desenho do Programa diferenciava-se de outras políticas que utilizaram a abordagem territorial, por enfrentar determinados problemas não somente por estratégias específicas, articulando diferentes propostas na promoção do desenvolvimento (ORTEGA, 2008). Isso fica ainda mais evidente considerando-se que o PTC procurou mobilizar as ações de diferentes ministérios (2337 no total) e órgãos federais (PAMPLONA, 2011).

A ideia, portanto, era avançar na articulação e na integração das políticas públicas, uma vez que o Pronat incorreu em problemas para institucionalizar esse aspecto, muito em função da inexistência de uma integração interministerial capaz de orientar as diferentes ações, o que acarretou uma sobreposição de competências (SILVA, 2012). Portanto, essa proposta se apresentou como uma inovação vis-à-vis os TR’s, à medida que se estrutura “[...] um arranjo horizontal em nível do governo federal para articular as diferentes ações” (ORTEGA, 2008, p. 171).

37 São eles (BRASIL, 2008): Casa Civil, Secretaria Geral da Presidência da República, Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Integração Nacional, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério de Minas e Energia, Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério da Cultura, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério das Cidades, Ministério da Justiça, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Ministério das Comunicações, Ministério da Fazenda, Ministério da Pesca e Aquicultura, Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Essa articulação interministerial estava inserida no Comitê Gestor Nacional, um dos três órgãos responsáveis pela gestão do PTC. Após algumas mudanças, o Comitê foi composto por sete representantes dos Ministérios38 envolvidos no Programa, e estava encarregado de fixar

metas e estabelecer orientações, no que diz respeito à formulação, implementação, monitoramento e avaliação do Programa (BRASIL, 2008). Além disso, estava incumbido de definir novos territórios (LEITE, 2010).

Além do Comitê Gestor Nacional, a gestão do Programa ficou a cargo dos Comitês de Articulação Estadual e dos Colegiados Territoriais. Em relação ao primeiro, Ortega (2008) chama atenção para seu papel de fortalecimento do arranjo vertical, tendo em vista a sua articulação entre o Comitê Gestor Nacional e os Colegiados territoriais. Outras atribuições dos Comitês de Articulação Estadual explicitadas pelo autor referem-se a coordenar ações entre diversas entidades (municípios pertencentes aos territórios e órgãos estaduais e federais com atuação nos estados); apoiar a constituição dos Colegiados (especialmente no âmbito da sua organização e mobilização); estimular a integração e a articulação das políticas públicas; verificar a execução do Programa; contribuir com sua divulgação e atuar na sugestão de novos territórios e ações.

Tratando-se dos Colegiados territoriais, ainda que continuem operando mediante as três instâncias (Plenária, Núcleo Diretivo e Núcleo Técnico), é importante registrar que a exigência de que essas arenas possuíssem representantes das três esferas de Governo e da sociedade local, agora sob a égide de uma coordenação executiva de composição paritária e não mais com predominância dos representantes da sociedade civil – como no Pronat –, fez com que, no PTC, a composição dos Colegiados fosse ampliada, o que facilitou o próprio arranjo horizontal no âmbito do território (ORTEGA, 2008; LEITE, 2010).

Entretanto, como ressalta Ortega (2008), essa ampliação não implicou uma facilitação na gestão do Programa, tendo em vista a presença de diferentes atores, ideias e interesses. Outra dificuldade remete-se à ampliação de atribuições dos Colegiados, o que exigiu uma gestão ainda mais complexa. Mesmo assim, de modo geral, apreende-se que o PTC, além de ter contemplado maiores recursos, inovou, ao articular diferentes ações e ao ampliar o papel do Estado, para relativizar o poder dos atores locais em promover o desenvolvimento.

Ademais, conforme ressaltado anteriormente, representou uma espécie de autocrítica à proposta bancomundista de promoção do desenvolvimento de maneira autônoma e endógena

38 São eles (BRASIL, 2008): Casa civil, Secretaria Geral da Presidência da República, Secretaria de Relações

Institucionais da Presidência da República, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Ministério da Fazenda.

por meio dos arranjos socioprodutivos induzidos pelo Governo. Com o PTC, o papel do Estado foi mais incisivo, com ações articuladas entre dezenas de ministérios e um orçamento mais substantivo (ORTEGA, 2015). A seguir, realiza-se um balanço das recentes estratégias de desenvolvimento territorial rural no Brasil, considerando-se algumas das semelhanças e diferenças existentes.