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1. FACES DO TEMPO

1.2. As Faces do Tempo em Culturas Tradicionais

1.2.5. China

O conceito filosófico de tempo, na China, influenciado pela escola moísta11,

criada por “seguidores do filósofo Mo Ti, no século V a. C”, tendia ao atomismo12

temporal conjugado à idéia de contínuo, muito embora a hipótese do atomismo material nunca ter desempenhado qualquer papel significativo dentro do pensamento chinês (WHITROW, 1993 [1988]: 109). Em consequência dessa base filosófica, a concepção da cultura chinesa era a de que o universo era concebido como:

[...] um amplo organismo submetido a um padrão cíclico de alternância, com a predominância ora de um ora de outro componente, sendo a ideia de sucessão subordinada à de interdependência. Assim como o espaço

11 O Moísmo foi uma escola da filosofia chinesa desenvolvida pelos seguidores de Mozi ( 470 -391 a.C.), que

tentaram elaborar uma lógica fundamental científica . O conceito mais conhecido na filosofia moísta, era o amor

incondicional ou união universal. Acreditava-se que todos eram iguais perante o céu, e por isso mesmo deviam viver de

forma equânime, de acordo com as leis que regiam este mesmo céu. A máxima adotada pela filosofia moísta é o desprendimento material (PINHEIRO, 2011: 10).

12 O atomismo surgiu na Grécia, diante da impossibilidade de o mundo ser explicado a partir das teorias

disponíveis. Embora pouco se saiba da história do filósofo Leucipo de Abdera (500-450 a. C.), foi ele quem propôs que o constituinte básico da matéria seria formado por partículas minúsculas e indivisíveis, que denominou átomos (do grego,

a-negação, tomos-partes). Em sua teoria, Leucipo apresentou o mundo composto apenas por átomos e pelo vazio. Os átomos formavam as substâncias, infinitas em número e forma, e seriam extremamente pequenos, por isso não

poderiam ser divididos. O átomo seria a menor quantidade de matéria existente na natureza. Um átomo era imutável, mas um conjunto de átomos, arranjado de maneiras diferentes, poderia formar vários tipos de matéria (Ibid.: 9).

se decompunha em regiões, o tempo se dividia em eras, estações e épocas. (WHITROW, 1993 [1988]: 109).

Como é possível divisar embora na concepção da filosofia chinesa a noção de tempo estivesse associada à ideia de decomposição em eras e regiões, a percepção que predominava era a de coexistência entre partes e todo de forma análoga a teoria do tempo ritual em Leach que concebia continuum e descontinuidades como uma realidade, considerada pelo mesmo Leach como “um todo único em interação.” (LEACH, 1978: 12).

Extraímos, de Skolimoski e Zanetic (2012), um breve comentário que descreve o mito da criação do mundo segundo a cosmovisão da antiga cultura chinesa, cuja data aproxima-se do século 3 a. C.. O texto contextualiza que no início do mundo:

[...] existia uma nuvem em forma de ovo e os céus e a terra eram um só. O primeiro ser a existir foi Pangu, que dá origem ao universo. Ele separa os céus e a terra fazendo com que a porção mais leve (Ying), se desloque para cima e a mais pesada (Yang) para baixo, gerando assim a terra e o firmamento. Quando Pangu morreu seu corpo deu orígem a montanhas, rios, vegetação e tudo o mais. Os chineses acreditavam que um tipo de vento ou vapor sustentava todos os objetos celestes observados por eles, e que um arrasto viscoso gerado pela terra fazia sol e lua se movimentarem em sentido contrario. (SKOLIMOSKI e ZANETIC, 2012: 413).

Presumimos com esta exposição dos autores que, na filosofia chinesa “o não ser”, que representa o a conjunção invisível entre “Céu e da Terra”, é “considerado aquele que dá origem ao cosmos, à natureza e à lei da dualidade” (MACEDO, 2005: 60), derivando daí os princípios Yin e Yang, expressões desta lei unitaria, à qual todos os seres, singulares, estão submetidos (Ibidem), inclusive

Pangu, o primeiro “ser” manifesto.

Em Leach identificamos essa mesma conjunção ou o coito sexual personificado pelo “fluxo e refluxo da essência sexual entre Céu e Terra” (LEACH, 1961:127 apud RAPPAPORT, 2011:270) a partir do qual inicia-se, com a separação prototípica, o devir do tempo. Pode-se dizer que em Leach é a partir da

separação metafórica inicial entre Céu e Terra, reproduzida no processo de socialização na infância, que ordena-se o mundo.

Acrescentando ao mesmo assunto o teólogo e filósofo alemão Richard Wilhelm (2000), citado em “Reflexões sobre a Mística do Dao De Jing” (Tao te King13), 2005, de Cecília Cintra Cavaleiro de Macedo, salienta que devemos

interpretar a oposição “não ser” e “ser” a partir da perspectiva que adota a vida mental chinesa, diga-se de passagem, completamente diferente daquela adotada pelo indivíduo ocidental. Em relação a essa questão Wilhelm argumenta que de acordo com a concepção chinesa:

[...] ser e não ser são opostos, mas não contraditórios. Comportam-se, de certo modo, como os sinais positivo e negativo na matemática. Nesse sentido, o não ser também não é uma expressão puramente privativa; muitas vezes poderia ser mais bem traduzida por “ser para si mesmo”, em oposição a “existir”. (WILHELM, 2000:28 apud MACEDO, 2005:60, aspas da autora)

Na mesma pauta, o autor acrescenta que o “ser”:

[...] deve ser entendido como existir, como o manifesto, e não como ser em si, e o “não ser” como a essência fundamental, e não o “nada”. Mas vale ressaltar que ambos já estão sujeitos à temporalidade, a partir do momento em que são nomeados. [...] “Pela origem, ambos são uma coisa só, diferindo apenas no nome”. [...] O conjunto do manifesto e do não manifesto forma a unidade [...] O Dao está acima de todo o existente. Ele transcende o próprio conceito de Um [...] com ele vêm o tempo, a possibilidade do nome. “O Um gera o dois” - “Ser” e “não ser”, em separado, a lei da dualidade, o Céu e a Terra, Yin e Yang, a potencialidade do oculto e do manifesto – o espaço. “O dois gera o Três” – Após a separação entre o ser e o não ser, a possibilidade do mundo manifesto, reconhecido por nós como existente, surge. (WILHELM, 2000: 28 apud MACEDO, 2005: 60-61, aspas da autora).

Como não é impossível perceber através do comentário de Wilhelm, no pensamento chinês, a partir do momento em que Céu e Terra são separados,

13 O Tao Te Ching ou, Dao De Jing, também conhecido como O tratado do caminho e da Virtude, é um texto

clássico chinês, que foi traduzido por Wu Jyh Cherng e publicado em 1996, pela Editora Ursa Maior. Segundo a tradição ele foi escrito por volta do século 6 a. C., pelo sábio e patriarca taoísta, Lao Tzu ou, Lao Tsé, eminente representante do pensamento chinês, cuja biografia confunde-se entre o filósofo, o personagem mítico, o personagem religioso ou, mesmo uma mistura desses vários personagens da história e também, do folclore e religião chineses. Está escrito no Tao Te king: “Sem nome é o princípio do Céu e da Terra; Com nome é a mãe das dez mil coisas.” (TSÉ, 2011: 2).

surge o mundo das coisas nomeadas, o mundo manifesto, e também o tempo; dito de outro modo, para a antiga civilização chinesa, o universo era concebido como uma unidade, o Dao (Tao), que em sua manifestação “desdobrava-se” num sistema bipartido, de opostos, o Yin, ou o Céu, e o Yang, ou a Terra, surgindo, a partir desse desdobramento, o tempo.

Ao que tudo indica a filosofia da antiga cultura chinesa vai de encontro a concepção de tempo ritual desenvolvida em Leach para quem o mundo se ordena a partir do instante em que Céu (Urano) e Terra (Geia) são separados, como indicado anteriormente. Em Leach encontramos o tempo ritual como uma totalidade, que de acordo com ponto de vista de Cronos, cria três categorias distintas; “Zeus, os opostos polares de Zeus e um falo material” (LEACH, 1974:201).

Acrescentando a esta mesma pauta, Marianne Sydow, destaca em “Taoism

Daoism” uma passagem que contextualiza aproximações entre as noções de intemporalidade e temporalidade, vida e morte, alma material e alma imortal, presentes no ciclo de criação chinesa. De acordo com Sydow (2009):

“[...] a crença taoista na imortalidade busca a transformação e o fortalecimento da alma espiritual, uma vez que a alma imortal ainda vive em uma parte isolada do mundo. [...] No taoísmo, pouca importância se confere ao tempo habitual. Isto torna-se evidente na falta de crônicas e eventos históricos registrados pelo taoístas. Abaixo [do Céu] estão todos os eventos mundanos [...] O objetivo dos taoístas é transcender o fluxo desses eventos mundanos para tornar-se ‘Um’ com a intemporalidade subjacente. A dimensão de tempo e espaço têm de ser deixada para trás para a alma entrar na eternidade.” (SYDOW, 2009: 1219, tradução nossa, aspas e grifo da autora).

Como assinala Sydow (2009), no pensamento da antiga China, o aspecto temporal do mundo material, de pouca importância na ótica desta civilização é concebido como uma realidade mundana, ou profana, que deve ser transcendida para que o ser (o manifesto; o existente), possa desfrutar de outra ordem de realidade, subjacente, intemporal, eterna, fonte de todo o ser e não ser, cuja representação é o Dao (ou Tao).

Em outras palavras, Sydow (2009) nos instiga a pensar que ao transcender as descontinuidades sociais o participante ritual talvez possa entrar em contato com uma outra ordem de realidade – o continuum – que segundo Leach interage

constantemente conosco, embora num nível cognitivo, inconsciente.

1.3. As Faces do Tempo na Grécia Antiga

1.3.1. A Natureza do Tempo entre os Gregos

De acordo com Whitrow (1993) por volta do ano 1200 a. C., a fase final da civilização da Idade do Bronze de Micenas - que dominara o mundo Egeu desde a destruição de Cnosso - entra em colapso, cerca de 300 anos antes, por efeito da invasão dos gregos dóricos, vindos do norte da Grécia. A primitiva Idade do Ferro que se seguiu, durou até cerca de 800 a. C., quando emergiram as primeiras Cidades-Estados. Segundo o mesmo Whitrow, este foi um tempo sombrio, similar à chamada idade das trevas vividas pela Europa ocidental após a derrocada do Império Romano.

Preservado oralmente, o passado miceniano permanecia presente na memória do povo grego, tendo seu ápice nas epopeias do poeta e filósofo Homero, que viveu e morreu no século VIII a. C.. (WHITROW, 1993 [1988]: 52). Desse modo a única certeza a respeito do homem:

[...] era sua mortalidade, e esta restrição temporal era o fator decisivo a distinguí-los dos deuses. Considerando o passado miceniano uma “Idade de Ouro” de deuses e heróis, os gregos tendiam a conceber a história como um declínio desse estado ideal e não como uma ordem básica da realidade. (WHITROW, 1993 [1988]: 52).

Em função dessa crença, o tempo, para os gregos, não era considerado um deus, e sim “a vida propriamente dita e seu mistério divino.” (VON-FRANZ, 1997: 5).

Na aurora da literatura grega, embora diferentes pensadores tivessem diferentes concepções a respeito da natureza do tempo, prevalecem duas visões contrastantes: a de Homero e a de Hesíodo (c. 750 a 650 a. C.).

Com efeito, enquanto Homero não estava interessado na origem das coisas, e não tinha qualquer cosmogonia, além da ideia mitológica de que “Oceanus, o rio que cerca o disco do mundo” (Ilíada, xiv. 246), (WHITROW, op.

cit.: 53), e abarca o universo em forma de torrente circular ou serpente que morde

a própria cauda, era a origem de todas as coisas, para Hesíodo, o “tempo era visto como um aspecto da ordenação moral do universo” (Ibidem).

De acordo com o mitógrafo grego, Ferécides (c. 450 a 400 a. C.), citado em

The Origins of European Thought: About The Body, The Mind, The Soul The World Time, and Fate, por Richard Broxton Onians, “a substância básica do universo era o tempo (Cronos), a partir da qual se produziam o fogo, o ar e a água.” (ONIANS, 2010 [1951]: 248, tradução nossa). Assim, o Oceano-Cronos, “criador e destruidor de tudo” (Ibidem), era considerado, ao menos em algumas antigas tradições gregas, uma “substância generativa” (Ibid.: 249),ou uma espécie de alma primordial do mundo. Como tudo indica e, de acordo com a crença dos antigos gregos “este fluido continuava existindo após a morte, quando tomava a forma de uma serpente.” (VON-FRANZ, 1997: 5; ONIANS, 2010: 206).

Este tempo generativo considerado nos tempos helenísticos, como Aion- Crono, o “tempo extensivo, primariamente designado como um longo período de tempo” (BROWN; COENEM, 1983 [1967]: 558), era identificado com o deus iraniano, Zurvan Akaran, o tempo infinito, e Zurvan Dareghochvadhata, o tempo de longo domínio, considerados deuses pessoais e não princípios abstratos. (WHITROW, 1993; VON-FRANZ, 1997).

Extraído de “Aion, Kronos and Kairos: On Judith Butler’s Temporality”, 2007, um breve comentário de Honkanen (2007), acrescenta a este tema que Aion, implicava para os gregos, em uma “experiência de transformação pessoal que chegava ao fim com a morte do indivíduo.” (HONKANEN, 2007: 4, tradução nossa). Por representar uma clara “imagem do aspecto dinâmico da existência” (VON-FRANZ, 1997:6), Aion, segundo Marie Louise Von-Franz, foi identificado:

[...] por vezes, não apenas com o deus solar, que evidentemente é o grande indicador das medições temporais [mas, também] com diversos aspectos de Rá, deus solar egípcio, que era o regente do tempo. [...] os egípcios também personificavam o tempo infinito num deus específico, Heh, de cujo braço direito pende Anj, o símbolo da Vida. Da mesma forma que na Grécia, no Egito a serpente também foi relacionada com o tempo. Representava a vida, a saúde, e cada indivíduo estava protegido por uma “serpente do tempo da vida”, que era o espírito do tempo e da sobrevivência depois da morte [...] Na Índia, está presente o mesmo simbolismo arquetípico do tempo, não apenas como divindade suprema mas também como torrente incessante de vida e de morte (VON-FRANZ, 1997: 6).

Como indicado Aion, era considerado um tempo extensivo, ou uma espécie de primigênia alma do mundo, representando para algumas tradições da antiga Grécia um princípio cósmico que abarcava opostos como vida e morte, sendo um de seus aspectos mais evidenciados o ciclo perpétuo de regeneração. Aion, ao que tudo indica representava o grande princípio cósmico autofecundante, simbolizado pela imagem da Ouroborus ou Oceanus, o rio, que segundo os gregos, cercava o disco do mundo. Por representar o grande princípio cósmico autofecundante, Aion, pode também ser identificado ao que tudo indica, a imagem primaria do tempo em Leach, quando a união entre Céu e Terra denota o fluxo e refluxo da essência sexual entre ambos num continuum.

Passados dois séculos ou mais, no século VI a. C., os primeiros filósofos pré-socráticos, continuamente circulando em derredor do fenômeno do tempo, especulam sem invocar a mitologia, sobre o modo como o mundo fora gerado. Para estes ultimos:

[...] o mundo era baseado numa única substância viva, que ocupava todo o espaço, a partir da qual todas as coisas se teriam desenvolvido espontaneamente, pelo interjogo de processos opostos como os de separação e combinação, ou rarefação e condensação. A primeira formulação explícita na literatura grega de que, embora as coisas individuais sejam sujeitas à mudança e à degradação, o mundo em si mesmo é eterno, parece ter sido feita pelo filósofo Heráclito por volta de 500 a. C. Segundo ele, a mudança perpétua de opostos era a lei fundamental que governava todas as coisas – visão que sintetizou em seu aforismo: “Não se pode jamais tomar banho duas vezes no mesmo rio”. Acreditava também que há uma luta perpétua de opostos: quente e frio, molhado e seco, e assim por diante, são, cada um, completamente necessários do outro, e seu eterno conflito é o próprio fundamento da existência. Esse mundo de mudança e conflito não é, entretanto, mero caos, sendo governado ao longo do tempo por um princípio de equilíbrio

dos opostos, que os mantém em seus devidos limites. (WHITROW, 1993 [1988]:53).

Reafirmando as palavras de Whitrow, Jaa Torrano (1981) assinala na obra

Teogonia: Origem dos Deuses, que: “a oposição é reunidora, e das desuniões surge a mais forte harmonia no mundo: através do conflito é que tudo vem a ser.” (TORRANO, 1981: 61).

Tal concepção, que sem dúvida deriva da crença dos gregos “no ciclo das estações, com seu conflito alternante” (Ibid.: 54), repousava na ideia de que:

[...] cada um deles [ciclos], promove uma agressão “injusta” “à custa” de seu oposto, que então cumpre pena, retirando-se antes do contra-ataque deste, sendo a finalidade do ciclo em seu todo manter o equilíbrio da justiça. O pressuposto básico era que o tempo sempre descobrirá e vingará qualquer ato de injustiça. (WHITROW, op.cit.: 54, interpretação nossa).

Dessa forma, para os gregos da antiguidade, a natureza surgia como um mundo de corpos em movimento em que o tempo denotava ser o “pai da Verdade.”14 A noção de que “é necessário tempo, para que alguma realidade,

como culpa ou mérito do homem, torne-se conhecida” (ARMSTRONG, 1956: 212, tradução nossa), cuja máxima pode ser expressa como: “tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu” (Eclesiastes 3: 1

apud SMITH, 2002: 47), traduzia, de acordo com John E. Smith, autor do ensaio “Time and Qualitative Time”, a crença da civilização grega, em uma

temporalidade cíclica, denominada “Kairos, o tempo oportuno.” (SMITH, 2002: 47).

1.3.2. Chronos e Kairos

14 O “tempo onividente” era visto pelos gregos “como um tipo de juiz que traz tudo à luz (Sóf., Aj.: 648-5;

Frag.: 832). O tempo revela a verdade (Píndaro, OT.: 10,55), especialmente no que diz respeito ao valor de um homem

Conforme ressalta Honkanen, esta concepção cíclica do tempo era considerada pelos antigos gregos como “a alternativa mais conhecida de temporalidade, oferecida em oposição à cronologia.” (HONKANEN, 2007: 8, tradução nossa). De acordo ainda com essa mesma autora, é como se para os gregos a ideia de ciclicidade aderisse não apenas “aos ritmos dos dias, meses e anos, mas também aos corpos” dos gregos, denotando ser algo “natural e autêntico” (Ibidem).

Marie Louise Von-Franz, contribui com essa questão, ao sinalizar em um comentário extraído de Mistérios do Tempo: Mitos, Deuses, Mistérios, 1997, que:

[...] Cronos era denominado o “elemento redondo” assim como o “doador de medidas”. Macróbio escreve: “Até ao ponto que se trata de uma medida fixa, o tempo deriva das revoluções celestes. O tempo começa ali e acredita-se que Crono [tempo cronológico], que é Cronos, nasceu no céu. Este Cronos-saturno é o criador do tempo” (VON-FRANZ, 1997: 11, interpolação nossa, aspas da autora).

Isso posto vale contextualizar uma passagem extraída do Dicionário de

Símbolos: Mitos, Sonhos, Costumes, Gestos, Formas, Figuras, Cores, Números,

em que Alain Gheerbrant e Jean Chevalier(1997 [1982]) compartilham algumas percepções a respeito de Cronos (o pai e vítima de Zeus) e Chronos (o tempo cronológico, personificado).

De acordo com os autores, o deus Cronos é muitas vezes confundido com Chronos, o tempo cronológico do qual tornou-se uma personificação para os antigos intérpretes da mitologia grega. (CHEVALIER; GHEERBRANT,1997 [1982]: 307). Além disso, embora a etimologia popular vigente, no período helenístico e na Renascença, tenha relacionado Κρόνος, Krónos (Cronos), com Χρόνος, Khrónos (Chronos), o tempo cronológico, tal aproximação não faz qualquer sentido do ponto de vista linguístico segundo os mesmos autores pois, em grego, as duas palavras são foneticamente bastante distintas (Ibidem).

Entretanto, estima-se que tal aproximação tenha sido influenciada pela ideia de o deus Cronos ter reinado em “priscas eras”, o que fez dele sinônimo de um passado incomensurável, associado à idéia de Chronos, o tempo, que tudo

“devora” e cuja inspiração encontra suas raízes no mito em que o deus Cronos devora os próprios filhos (Ibidem). Deriva daí que, apesar de não haver qualquer relação etimológica entre o deu Cronos, da mitologia, e Chronos, ambos “têm o mesmo papel do tempo.”(Ibidem): ambos devoram, tanto quanto engendram; destróem suas prórias criações e estancam as fontes de vida.” (Ibidem). Neste sentido, ambos os conceitos são semelhantes, embora etimologicamente diferentes o que dificulta algumas vezes estabelecer uma distinção entre ambos os termos. (BRANDÃO, 2012).

O mito olímpico da criação relatado por Robert Graves (2004:13-15)15,

contextualiza que o deus Cronos era filho do Titã Urano (o Céu), e de Geia (a Mãe-Terra). Segundo o mesmo Graves, após ter atirado os filhos ao Tártaro, Urano (o Céu) é destronado por Cronos, o mais jovem de seus sete filhos; o mito descreve que armado com uma foice de pedra, Cronos castra o pai, atirando sua genitália ao mar.

Dando continuidade ao mito Graves relata que a partir da insurreição do filho de Urano (Céu), os titãs, são libertados do Tártaro, junto aos Cíclopes, concedendo a soberania sobre a terra a Cronos, que desposa sua irmã, Réia, à qual o carvalho é consagrado. Mas, segundo o mesmo autor a Mãe-Terra havia profetizado que assim como o moribundo Urano, fora destronado por seu filho, Cronos, este, também seria destronado por um de seus filhos (Zeus), repetindo- se a história de insurreição.

Temeroso quanto a previsão do oráculo de Delphos e a perda de sua soberania, Cronos passa a devorar seus filhos, conforme nascem: primeiro Héstia, depois Deméter e Hera, em seguida Hades e Poseidon. Indignada com a atitude de Cronos, Réia, ao dar à luz ao seu terceiro filho, Zeus, cujo nome significava “o grande espírito” esconde-o do titã, no interior da caverna de Dicte, no Monte Egeu, onde Zeus é criado pela ninfa do freixo, Adrasteia, crescendo sem ser encontrado no Mar, na Terra ou, no Céu.

15 O mito Olímpico da Criação, como foi denominado por Robert Graves (2004), encontra-se na íntegra no

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