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As Quatro Fases Rituais à luz de Kairos

3. O TEMPO RITUAL SAGRADO EM LEACH À LUZ DE KAIROS

3.6. As Quatro Fases Rituais à luz de Kairos

Como indicado no Capítulo 2, Leach defende a ideia de que à luz do tratamento de Cronos, a “simbólica da transferência completa do secular para o sagrado” (LEACH, 1974:209) ocorre na Fase B, configurada na sequência de fluxo do tempo ritual, muito embora o mesmo autor não apresente quaisquer argumentos que possam demonstrar “o modo como” esta transferência se opera nesse intervalo de tempo ritual restringindo-se a assinalar “três espécies de comportamentos rituais” (LEACH, 1874:208) já descritos neste trabalho no capítulo 2.

Em vista disto e com o propósito de sumarizar o acima exposto a respeito do intervalo ritual de tempo sagrado em Leach concebido à luz do tratamento de Kairos, apresentamos na sequência as quatro fases distintas, que denotam o movimento do participante ritual nos intervalos de festivais anuais.

Naturalmente, tomamos como referência as fases apresentadas por Leach em “Dois Ensaios a Repeito da Representação Simbólica do Tempo”; para

efeitos didáticos a fase B foi subdividida em dois instantes distintos como segue na explanação abaixo.

Fase A: O participante ritual cumpre os ritos de sacralização ou separação

sendo “transferido” para o intervalo ritual de tempo sagrado que é origem, ponto de partida de um processo de transformação. Ele morre.

Fase B (início): Tendo se “tornado castrado” o participante ritual encontra- se numa espécie de “animação ou suspensão” (LEACH, 1974:207) e vivencia o estágio inicial de transformação em que a velocidade do tempo denota uma aceleração. O tempo social ordinário pára e “retira-se”. Kairos, o tempo fugaz rebelde e inapreensível pela consciência ordinária, vigora (contra-ataca). O participante ritual vivencia uma “distensão anímica” (TISCAREÑO, 2009:226), guardando e prevendo o tempo oportuno que há de vir. O curso do instante é irreversível. O tempo social parou. O tempo acelerado de Kairos retrocede em direção ao inicio de tudo.

Fase B (a ocasião oportuna): De acordo com Jullien (1996), a busca do

participante ritual é pela ‘verdade’ oculta sob o ‘véu’ (JULLIEN, 1996:99) da consciência linear, ordinária. Combinando “conhecimentos relativos aos princípios psicológicos, estratégico, político” (Ibidem) e adotando uma atitude em que mantém-se tal “como uma ‘virgem’” (Ibidem), discreto e reservado o participante ritual “ultrapassa as aparências” (Ibidem) (provavelmente, o autor alude aos instantes em que a consciência ordinária encontra-se alterada) até que, o jovem deus Kairos, falando metafóricamente, possa ser agarrado na “madeixa de cabelos que cai-lhe sobre a testa” (Ibid.:109). Quando isso ocorre, o instante presente torna-se flagrante, visível. O deus Kairos neste instante manifesta-se imóvel, parado quando então e ao que tudo indica “abre-se a porta” para o eterno. De acordo com o próprio Leach, nesse instante o transitante ritual pode vivenciar inclusive, uma descontinuidade qualitativa.

Fase C: O participante ritual torna-se “renascido”. Tendo passado pelos ritos de dessacralização ou agregação é novamente inserido ou “transferido” para o tempo secular, profano em que vivenciará provavelmente, suas próprias ações como “parcialmente sagradas e parcialmente profanas” (SIGAUD, 1996:31). À luz

de Kairos, o participante ritual “agarrou” o instante que possibilitaria sua transformação a partir de uma decisão que regulou o momento de transformação.

Tendo apresentado as quatro fases rituais que configuram o processo de transformação e renascimento do participante ritual no intervalo ritual de tempo sagrado à luz de Kairos, expomos na sequência, um quadro explicativo que sumariza aspectos associados tanto ao ciclo de Cronos quanto de Kairos explanados nesta secção:

Quadro 1: Elementos Mitológicos Associados às Noções de Tempo em Cronos e Kairos.

No presente capítulo. vimos como configura-se o intervalo ritual de tempo sagrado à luz dos elementos mitológicos associados à modalidade do tempo em Kairos bem como, explanamos a respeito de como opera-se o processo de

ordenação humano nesta configuração. Dando sequência ao tema apresentamos as quatro fases rituais associadas à este processo em que vigora o ciclo “vida- morte-rensacimento” expondo ao leitor o que ocorre ao que tudo indica, na consciência ordinária do participante ritual quando no interior do intervalo de tempo ritual. Mostramos nesta passagem como o processo de transformação da consciência ordinária do participante ritual depende de uma ação sua, regulada, que apreende o deus Kairos, em sua fugacidade; se o participante ritual cria tal oportunidade o encontro entre o divino e o humano acontece podendo daí, advir uma hierofania.

Com esta dissertação nos propusemos ao desafio de contribuir com os estudos desenvolvidos por Edmund Leach em antropologia social bem como contribuir com alguns apontamentos nas áreas da psicologia social e ciências da religião. Tomamos como objeto de investigação o intervalo ritual de tempo sagrado, em Leach à luz dos elementos mitológicos associados a noção de Kairos, tendo em vista que o mesmo autor interpretou esse intervalo de tempo ritual à luz exclusiva do tratamento de Chronos ou, simplesmente, como uma dimensão ritual em oposição ao domínio de tempo profano.

No capítulo 1 explanamos em primeiro plano como desde os primórdios da humanidade o homem tem se mobilizado para refletir a respeito de distintos modelos do universo não só como uma forma de explicar as próprias origens e o mundo em que vive mas, principalmente para tentar lidar com as transições na natureza e porque não dizer, em sua própria natureza além da ideia da finitude do universo e da morte.

Como sustenta o próprio Leach a partir das palavras de Gabriela Vargas Cetina, a religião e a psicologia humanas “repudiam a ideia da morte porque necessariamente pressentem o tempo como uma sequência que retorna, substituindo a idéia de morte pela de constante repetição” (CETINA, 2007:46).

Em outras palavras, enquanto a ordem social exige que a temporalidade de Chronos, permaneça como paradigma da sociedade e da cultura porque a constante repetição “protege” a sociedade e os indivíduos do angustiante encontro com a finitude eistencial Kairos, a temporalidade negligenciada do ponto de vista social é suprimida do exame da consciência ordinária e delegado a um domínio tabu, podendo entretanto, ser resgatada através das festividades rituais anuais.

Durante esta explanação mostramos ainda como “historicamente, vários povos foram se organizando e desenvolvendo abordagens únicas sob a forma de sistemas de crenças, valores e comportamentos” rituais (LAMB, 2009:1259), com a finalidade de ilustrar que, “os primeiros seres humanos tiveram de adaptar-se” (LAMB, 2009:1259), aos ciclos na natureza aprendendo através deles que, à passagem do tempo deviam associar-se os ciclos “da fertilidade do solo,

fundamental para a nascente agricultura ao movimento cíclico dos corpos celestes” (MARTINS; ZANETIC, 2002:41). Nessa trajetória crescemos e evoluimos.

Dito de outro modo, é provável que ao vivenciar os ciclos do tempo no cotidiano o homem fosse aos poucos “percebendo-se como parte deles” (LAMB, 2009:1259), ao mesmo tempo que aprendendo a testemunhar a respeito desses mesmos ciclos de vida e fertilidade em sua própria natureza.

Isso posto, é também bastante provável que por meio desta “participation

mystique” com os ciclos naturais que nada mais representa que um relacionamento inconsciente entre todos os homens, o ser humano de modo geral, tenha se “sentido como um povo inteiro” ou, como parte de uma grande e prazeirosa unidade através da qual podería formar grupos e reproduzir experiências que possibilitassem à comunidade, experiências de transformação coletiva.

Na sequência deste mesmo capítulo vimos por fim, como algumas cosmologias da antiguidade concebiam um princípio cósmico, circular e, a partir deste, um sistema bipartido do universo. Vários exemplos acerca desta concepção cíclica do universo foram citados; dentre eles, destacamos a cosmologia do antigo Egito em que o “tempo” que incluía a noção de “eternidade” (STAUSBERG, 2003:250), era representado como um par de opostos que denotava a manifestação de um mesmo princípio fundamental cuja ressonância nos remete ao ciclo “vida-morte-renascimento” em Leach a ser vivenciado pelo participante ritual, caso este possibilite através de uma decisão sua, o encontro entre as temporalidades de Chronos e Kairos. Do profano e do sagrado.

Como não parece impossível perceber certos aspectos simbólicos associados a cosmologia desta antiga civilização parecem aproximar-se de certos aspectos associados à simbologia empregada por Leach no contexto de sua teoria do tempo ritual traduzindo-se, ao que tudo indica, o corpo simbólico de ambos os modelos cósmológicos em que oposições são regidas “pelo princípio da reciprocidade” (LEACH, 1978: 12), como “um todo único em interação” (Ibid.: 9).

Entretanto enquanto esta antiga civilização parece ter experimentado um tempo kairológico em que de fato, havia uma interação entre tempo profano e tempo sagrado pois, como sustenta Robert Bollt, os antigos egípcios “passavam por um único continuum, ainda que dentro de uma experiência temporal cíclica” (BOLLT, 2009 : 127), o modelo de tempo ritual proposto por Leach retrata-nos a face exclusiva do deus Cronos através da qual, essa experiência de “interação” entre tempo sagrado e tempo profano é ainda percebida pelo indivíduo como inexistente. O domínio ritual sagrado é concebido por Leach e alguns aportes da antropologia simbólica como tabu, anormal, marginal.

Como acrescenta Marianne Sydow, que nos ofereceu algumas contribuições a respeito da cosmologia tradicional chinesa para os taoístas, esta interação entre o eterno e o tempo é possível sim; desde que o indivíduo consiga “transcender o fluxo desses eventos mundanos para tornar-se “Um” com a

intemporalidade subjacente” (SYDOW, 2009:1219). Dito de outro modo para os taoístas, cuja crença encontra-se alicerçada na imortalidade da alma a possibilidade de uma vivência que denote a interação - de fato - entre tempo profano e tempo sagrado depende de uma ação ou atitude individual que transcenda uma realidade, caracterizada por estes últimos, como ilusória.

Para transformar-se e tornar-se “Um” com o contínuum ou, com o intemporal faz-se necessário ao que tudo indica o indivíduo transcender, quando no intervalo ritual de tempo sagrado, o fluxo descontínuo da experiência habitual para que possa alcançar a meta desejada que é a transformação da consciência ordinária.

Como indicado no capítulo 3, na ótica da transformação o momento de encontro entre o tempo e eternidade (quando o deus Kairos, pára criando a ocasião oportuna), não é mais que o resultado do desenvolvimento das ações e atitudes do indivíduo preparado pela duração (Chronos). Desse modo, “longe de sobrevir de improviso” (JULLIEN, 1996:93) tal encontro é “fruto de uma evolução”(Ibidem) que inicia-se segundo o mesmo autor antes mesmo, do momento ritual, de fato; Ao que tudo indica Chronos, representa este momento de preparação.

Em síntese para que o participante ritual possa efetivamente entrar na eternidade quando vivencia o intervalo de festividades rituais, faz-se necessário que a dimensão de tempo e do espaço habituais seja “deixada para trás”; que a fragmentação interna do indivíduo condicionada pelo processo de socialização possa ser circunstancialmente, transcendida e, principalmente, ressignificada e que o desejo de unir-se novamente, às origens (ao “Um”), seja para o participante ritual a meta a ser alcançada tendo em vista o anseio de ser “fertilizado” pela serpente Ouroborus também denominada neste estudo de Hermes ou ainda “série ordenada,” dos ciclos de Chronos e Kairos.

Exploramos ainda ao final deste primeiro capítulo as temporalidades associadas as três fases cósmicas, conforme supunham os gregos da antiguidade além das diversas concepções sobre as noções de Chronos e Kairos, que aprofundaram nosso conhecimento a respeito das distinções bem como da complementaridade existente entre essas duas modalidades de tempo.

No segundo capítulo sumarizamos inicialmente os dados biográficos de Leach e em seguida, trabalhamos os principais conceitos e resultados relativos a teoria do tempo ritual proposta pelo mesmo autor que dialogou exclusivamente com elementos simbólicos associados à noção do tempo em Cronos, suas metáforas e implicações.

Importante contextualizar que a partir de momento em que entramos em contato com os dados biográficos de Leach percebemos que embora este autor tenha apresentado desde tenra idade sinais de ser uma criança “intelectualmente brilhante” (SIGAUD, 1996: 11-12), foi em função da influência materna como tudo parece indicar, que Leach desenvolveu certa disposição para uma “espécie de busca” (DA MATTA, 1983: 19), por “originalidade teórica” (PEIRANO, 2014.: 1), cujo mandato subliminar arrogava que: “é preferível visar alto e fracassar a contentar-se com a mediocridade” (SIGAUD, 1996:15).

Isso posto, estamos sugerindo que Leach desenvolveu um estilo assertivo e bastante particular de fazer antropologia alicerçado em convicções teóricas muito próprias o que deve ter contribuido para que desenvolvesse uma teoria a respeito do tempo ritual que colocou em cheque o tempo cronológico.

Uma outra questão que nos parece relevante contextualizar é que em conseqüência de sua formação familiar Leach possivelmente desenvolveu uma tendência de lidar com a “singularidade e a imprevisibilidade de cada ocasião” (SMITH, 2002: 6), com certo desembaraço. Este aspecto presente na persona deste mesmo autor nos leva a suposição de que, muito embora Leach não tenha aprofundado o conhecimento a respeito do tempo continuum – o tempo ritual extraordinário, imprevisível, tabu, anormal - não apresentava quaislquer dificuldades em sua persona que o impedissem de explorar o outro mundo, considerado por ele como tabu e por Kerkhof (1974) como extraordinário.

No que diz respeito a teoria do tempo ritual desenvolvida e concebida por Leach à luz dos elementos associados exclusivamente à mitologia de Cronos, parece as vezes “descansar sobre uma base um tanto duvidosa” (GELL, 2014:38), como também sugerem Platemkamp (1979) e Sekine (1985), já que Leach não aprofundou certos argumentos que pudessem oferecer ao leitor uma maior consistência às suas afirmações.

Cito uma vez mais o intervalo ritual de tempo sagrado em Leach, ou o intervalo de tempo contínuum cujo estudo apresenta uma “lacuna” epistemológica. Outra questão que também pode denotar essa mesma inconsistência refere-se ao fato de Leach ter abordado e adotado a crença dos antigos gregos a respeito do tempo para desenvolvimeto de seu trabalho a respeito do tempo ritual e, em momento algum ter explicitado neste contexto a “imagem do aspecto dinâmico da existência” (VON-FRANZ, 1997:6), que comporta segundo os gregos, a temporalidade de Kairos, como “adversário” (JULLIEN, 1999:99) ou pólo oposto da temporalidade em Cronos ou Chronos. Tal questão parece ser infundada pois, toda a teoria de tempo ritual concebida por este mesmo autor encontra-se alicerçada em uma base que defende a idéia do interjogo e mútuo confronto entre polaridades.

No terceiro e último capítulo deste trabalho desenvolvemos uma investigação do intervalo de tempo ritual sagrado em Leach à luz dos elementos mitológicos associados à noção de kairos, tendo em vista um exame aprofundado deste domínio considerado pelo autor simplesmente como o outro mundo, em oposição a este mundo das categorias verbais.

Estabelecendo aproximações entre o intervalo ritual de tempo sagrado em Leach e diversos conceitos associados a interpretação do instante kairológico apresentados no primeiro capítulo, refletimos acerca de possibilidades, implicações e possíveis contribuições à teoria de Leach, propondo ao final uma definição conceitual desse intervalo de tempo ritual a luz dos elementos mitológicos associados a noção do tempo em Kairos.

Nessa direção a configuração adotada segundo vários aportes, para o intervalo ritual de tempo sagrado, em Leach à luz de Kairos, presume o tempo nesse intervalo ritual não como parte de uma cadeia linear causal mas, como ponto de partida ou culminância a partir do qual, ocorre a “ irrupção da eternidade no tempo” (Ibidem). Essa irrupção que segue em direção as orígens “entre um curso acelerado e uma certa imobilidade (HONKANEN, 2007:9), pulsa no sentido da dimensão vertical, promovendo “quebras”, “rupturas” e rompendo com a “cadeia da cronologia” (Ibidem) e como a concebemos.

Esse processo que vai de encontro ao modo a como é feita a ordenação do mundo em Leach à luz do tratamento de Cronos, mostra-nos que ao invés de o indivíduo ser regulado socialmente em suas ações e atitudes, na medida em que ele simplesmente reproduz em sociedade um nível cognitivo inconsciente, a separação prototípica do continuum temporal ele próprio é o instrumento que regula os aspectos profano e sagrado das ações sociais. E pode fazê-lo de modo consciente ao adentrar no espaço ritual sagrado.

Neste sentido podemos dizer que à luz de Cronos, estamos condenados a ordenar o mundo através da repetição ritual (social) que denota na raíz essa segmentação prototípica entre Céu e Terra cuja conseqüência é o estabelecimento de fronteiras artificiais entre o “Eu” e o “Outro”, uma ação profana e outra sagrada.

Contudo, no que refere-se ao processo de ordenação humano que apenas pode ocorrer à luz do tratamento de Kairos vimos que, não comporta essa mesma segmentação do continuum na natureza já que, o próprio conceito de instante kairológico encontra-se intimamente vinculado à um curso unidimensional de uma

temporalidade que a tudo abarca como um presente expandido. Ação profana e ação sagrada encontram-se ambas imbrincadas nesse fluxo temporal de “agoras.” Em vista disto e como já indicado no terceiro capítulo, à luz de Kairos, não há necessidade de serem erguidas fronteiras artificiais na natureza quando no processo de ordenação da vida em sociedade; o deus kairos, sugere que o conhecimento a respeito da natureza humana opera-se a partir de duas vias ou momentos cruciais no interior do intervalo ritual de festividades anuais: o instante em que o continuum é velocidade, com a aceleração da passagem do tempo e o instante, em que o deus Kairos, pode vir a transportar-nos para a eternidade caso possa ser regulado ( apreendido portanto) por uma ação humana.

Se assim ocorre, ao invés de erigirmos fronteiras artificiais no continuum da natureza é a própria natureza (ou, são os deuses ou, ainda o destino) quem nos requisita para uma ação regulada no intervalo ritual de tempo sagrado, a partir da qual, possibilitamos uma abertura ou, uma fronteira natural cujo transito possibilita a passagem não só de Hermes, o mensageiro dos deuses, entre as dimensões divina e humana, mas ao que tudo indica, também do participante ritual que poderá vivenciar inclusive uma hierofania ou, segundo Leach uma descontinuidade qualitativa.

Esta fronteira natural que “pulsa incessantemente, entre o devenir e o perecer regulando nossa consciência” (KERKHOF, 1997:2), e representa à luz dos elementos mitológicos associados a noção de Kairos, o interstício que possibilita a conexão entre eventos sociais (humano) e forças naturais (divino),

regula a consciência ordinária do transitante ritual além de possibilitar a promoção

efetiva de sua transformação no intervalo ritual de tempo sagrado.

Com este ápice, encerra-se a experiência no interior intervalo ritual de tempo sagrado que denota o ciclo “vida–morte-renascimento” do participante ritual que vivencia internamente, o ciclo ourobórico em sua própria consciência. Ciclo este, em que repetição e entropia encontram-se em estreita conexão.

Isso posto, talvez não seja inadequado inferirmos por fim que, a possibilidade de o participante ritual ir de encontro a esse ponto intermediário em que o que encontra-se acima é igual ao que encontra-se abaixo (ambigüidades),

esta fronteira natural (em oposição as fronteiras artificiais) pode condizi-lo à vivência da communitas, concebida por Victor Turner (2003) e porque não dizer ao mesmo ciclo ourobórico, que encerrado em si mesmo, irmanava - tal como concebiam os antigos egípcios - Céu e Terra ou, o domínio do tempo sagrado e o domínio do tempo profano.

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