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KAIRÓS E O TEMPO RITUAL SAGRADO EM EDMUND LEACH

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Academic year: 2018

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TAMARA PEREIRA DE SOUZA

KAIRÓS E O TEMPO RITUAL SAGRADO EM

EDMUND LEACH

Uma Investigação à Luz dos Significados do Mito de

Kairós

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

(2)

TAMARA PEREIRA DE SOUZA

KAIRÓS E O TEMPO RITUAL SAGRADO EM

EDMUND LEACH:

Uma Investigação à Luz dos Significados do Mito de

Kairós

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

SÃO PAULO

2015

(3)

BANCA EXAMINADORA:

_________________________

_________________________

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Ao meu querido pai, Iran, em cujo amor

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Sobre Deuses e Homens

Enquanto Chronos corre, Kairos, salta. Quando Chronos, pára, Kairos, é velocidade. Quando Chronos recomeça Kairos, é imobilidade. Filhos de Aion, o receptivo e o ativo invertem-se em perpétua transformação. Experimentando os ciclos do tempo, corre o homem, salta a lebre, vive o sentido e pensa a razão. Contudo, cala-se

o “Pai da Verdade” quando o homem perde a

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Eduardo Rodrigues Cruz por sua valiosa orientação, disponibilidade e contribuições em todas as fases deste trabalho, o meu muito obrigada.

Ao Prof. Dr. Sillas Guerriero por sua preciosa contribuição no Exame de Qualificação e em vários momentos de elaboração e avaliação deste trabalho, o meu muito obrigada.

Ao Prof. Dr. Ênio da Costa Brito pelo acolhimento e carinho, pelas

grandes lições aprendidas durante as aulas e nos “corredores” do Programa de

Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião, o meu muito obrigado.

A todos os Professores Drs. do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião da PUC, por abrirem as portas do conhecimento e contribuírem de uma forma ou outra para a realização deste trabalho, o meu obrigada.

À Profa. Dra. Valéria Silva Dias por ter valorizado o tema do “tempo” no

grupo de pesquisa do departamento de Física na UNESP – Guaratinguetá, pela confiança e amizade bem como pela valiosa contribuição que se configurou em um verdadeiro “rito de passagem” tendo em vista o meu ingresso na vida acadêmica, o meu muito obrigada.

Ao Prof. Dr. Fernando de Campos por seu carinho e disponibilidade, apoio e orientação durante o período em que participei do grupo de pesquisas no Departamento de Física da UNESP- Guaratinguetá.

A todos os colegas do grupo de estudos da Física na UNESP-

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À Profa. Dra. Suzana Ramos Coutinho por suas valiosas contribuições e olhar atento ao processo de discussão e avaliação deste trabalho, muito obrigada.

À estimada Andréia Bisuli secretaria do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião por seu apoio e permanente disposição em oferecer uma palavra de incentivo e apoio e principalmente, por seu profissionalismo, meu muito obrigada.

Aos Funcionários da Biblioteca da PUC-SP pelo encontro e

disponibilidade em sanar dúvidas quando elas “saltavam” das fileiras de livros, o

meu muito obrigado.

A todos os Funcionários da PUC-SP pelo encontro salutar nos corredores da PUC, durante o período do curso de mestrado, o meu muito obrigada.

À Maria Alice Buono Vieira por sua contribuição na revisão deste trabalho, muito obrigada.

A Geraldo Guedes por sua contribuição nas traduções, muito obrigada.

Aos grandes amigos Adelina Serafim e Antonio Augusto Nascimento por sua presença constante em minha vida e por respeitarem minhas escolhas e decisões, o meu muito obrigada.

À Cilene Favaro pelo carinho e apoio incondicionais e pela acolhida na

“cidade grande” durante o curso de Pós Graduação, o meu muito obrigada.

Às queridas companheiras de jornada Sirley Aparecida, Silvana Dias, Eliana Valle, Patrícia e Dalva Marques por sua presença e carinho e por respeitarem minha ausência durante o período da Pós Graduação, o meu muito obrigada.

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À minha querida mãe Tatjana, pelo incentivo e apoio principalmente, durante a fase final deste trabalho e por compreender meus momentos de ausência, o meu muito obrigada.

Ao querido Djampo por seu companheirismo e fidelidade durante os momentos mais críticos desta jornada, o meu muito obrigada.

A CAPES e à FUNDASP pela bolsa concedida, muito obrigada.

Finalmente, a todos que direta ou indiretamente compartilharam comigo de mais esta etapa de minha vida,

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RESUMO

Nos últimos anos, mais especificamente, desde a era moderna os fenômenos rituais, tem sido objeto de formação de conceitos tanto no contexto de estudo das Ciências da Religião, quanto das Ciências Sociais. Dentro desta perspectiva Edmund Leach propôs um modelo de tempo ritual em que cada intervalo de festividades rituais, situado entre períodos da vida social, representa uma mudança da ordem Normal-Profana da existência para a ordem Anormal-Sagrada e, assim, retroativamente. Contudo, ao abordarmos o intervalo de Tempo Sagrado, em Leach concebido como uma zona tabu, marginal, do outro mundo, identificamos que este representa um domínio insuficientemente estudado pelo mesmo autor que interpretou este domínio ritual exclusivamente, a partir de elementos mitológicos associados à noção de Cronos, levando-nos a supor que

algumas questões ficaram “escondidas”. Neste sentido e, tomando como referência a crença adotada por algumas tradições da Grécia antiga, de que Cronos e Kairos, representavam dois aspectos do tempo, distintos e em oposição embora, de mesma natureza nossa investigação centrou-se em uma interpretação do intervalo de Tempo Sagrado, em Leach à luz de Kairos. Esta investigação que foi desenvolvida tendo por base o método bibliográfico de pesquisa alcançou resultados indicando que o intervalo de Tempo Sagrado, em Leach interpretado à luz do mito de Cronos, manifesta-se como parte de uma sequência linear que conjuga repetições e paradas entre Tempo Sagrado e Tempo Profano enquanto este mesmo intervalo ritual associado ao tempo kairológico, denota não uma parte do tempo, mas, sua origem ou, uma irrupção da eternidade no tempo que pulsando entre velocidade (continuum) e imobilidade, segue um curso irreversível e unidirecional quando o tempo retrocede e pára. Espera-se a partir dos resultados desta pesquisa contribuir com o contexto das Ciências da Religião, Ciências Sociais e Psicologia a respeito do conhecimento do Tempo Sagrado, em Leach, bem como com referenciais de futuros pesquisadores que tenham a intenção de abordar e aprofundar o tema.

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ABSTRACT

In recent years, more specifically since the modern era, the phenomena rituals have been object of formation of concepts both in the context of the studies of Sciences of Religion, as well as of the social sciences. Within this perspective, Edmund Leach proposed a model of time ritual where in each intermission of ritual festivities, situated between periods of social life, represents a change from the normal order-profane existence to the unusual order-sacred and thus retroactively. However, when addressing the knowledge about the intermission of Sacred Time, in Leach configured in his own time ritual proposal and conceived as a taboo area, marginal, from another world, we have identified that this represents an area insufficiently studied by the same author who interpreted this ritual domain exclusively, from mythological elements associated with the notion of Cronus, leading us to assume that some issues have been "hidden". .In this respect, and taking as a reference that, for some traditions of ancient Greece, the time was designed from a dual perspective, our research focused on an interpretation of Sacred time interval, in Leach in the light of Kairos. This research which was developed based on the bibliographical research method, reached results indicating that while the time interval, in Leach interpreted in the light of the myth of Cronus, manifests itself as part of a linear sequence which combines switchovers and stops between Sacred Time while this same interval ritual associated with kairological time, denotes not a part of time, but its origin or an outburst of eternity in time pulsing between speed (continuum) and immobility, follows an irreversible and one-way course when time rewinds and stops. It is expected from the results of this research to contribute to the context of the Sciences of Religion, Social Sciences and Psychology regarding the knowledge of the Sacred Time in Leach as benchmarks for future researchers who intend to discuss and deepen the theme.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

1. FACES DO TEMPO 23

1.1. A Entrada do Tempo na História da Humanidade 25

1.2. As Faces do Tempo em Culturas Tradicionais 29 1.2.1. Egito Antigo 29 1.2.2. Suméria e Babilônia 34 1.2.3. Índia 37

1.2.4. Os Maias 40

1.2.5. China 42 1.3. As Faces do Tempo na Grécia Antiga 45 1.3.1. A Natureza do Tempo entre os Gregos 45 1.3.2. Chronos e Kairos 48

1.3.3. As Três Temporalidades Cósmicas 56 1.4. A Natureza de Kairos 61

1.4.1. Os Dois Instantes Cruciais 61 1.4.2. Faces de Cronos 63

2. A TEORIA DO TEMPO RITUAL EM LEACH 72 2.1. Edmund R. Leach (1919-1989): Uma Antropologia de Fronteira 74

2.1.1. Da Formação Familiar 74 2.1.2. Produção Intelectual: Versatilidade Teórica 79

2.1.3. Contribuições à Antropologia Social 82 2.2. A Ordenação Simbólica do Mundo 86 2.2.1. A Percepção Primária do Mundo 87 2.2.2. Um Mundo Descontínuo: As Categorias Sociais 92 2.3. Repetição e Não Repetição: A Flecha do Tempo 102

2.4. As Metáforas do Tempo em Cronos 105

2.5. O Mito de Cronos e a Criação do Tempo 110

2.6. O Culto à Cronos 113

2.7. O Modelo de Tempo Ritual em Leach 119

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3. O TEMPO RITUAL SAGRADO EM LEACH À LUZ DE KAIROS 128

3.1. O Fluxo Unidimensional do Tempo Sagrado 130

3.2. A Imagem Primária do Tempo 131

3.3. O Processo de Ordenação Humano 136

3.4. A Experiência Ritual: Velocidade e Imobilidade 143

3.5. O Ciclo “Morte-Vida-Renascimento”: Repetição e Entropia 151

3.6. As Quatro Fases Rituais à luz de Kairos 158

CONSIDERAÇÕES FINAIS 157

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 165

(13)

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 Ilustração da Ouroborus 34

Figura 2 Ilustração da esteira ou “Árvore Sagrada da Vida” 41

Figura 3 Ilustração de Cronos devorando um de seus filhos 50

Figura 4 Ilustração de Kairos, deus da mitologia grega 55

Figura 5 Ilustração da prova do arco e dos doze machados 65

Figura 6 Ilustração esquemática do binário proposto em Leach 87

Figura 7 Ilustração geométrica do contínuo na natureza 90

Figura 8 Ilustração esquemática “daquilo” que é nomeado na natureza 91

Figura 9 Ilustração esquemática do relacionamento entre tempo contínuum

e descontinuidades sociais 96

Figura 10 Ilustração esquemática do relacionamento entre ambigüidade e coisas

tabu 97

Figura 11 Ilustração esquemática do tempo ritual em “zigue-zague” 109

Figura 12 Ilustração esquemática do modelo de tempo ritual proposto em

Edmund Leach 121

Figura 13 Ilustração esquemática da imagem primária do tempo à luz do

tratamento de Kairos 134

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ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 Elementos mitológicos associados às noções do tempo em Cronos e

(15)

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“Perguntei a mim mesmo: ‘Que mito você está vivendo? e descobri que não sabia. Por isso... decidi conhecer o ‘meu mito’ e considerei esta como a maior das tarefas... Eu simplesmente tinha de saber que mito inconsciente pré-consciente estava me moldando.”

Carl Gustav Jung

Como psicóloga junguiana vislumbrei a possibilidade de que uma investigação a respeito do intervalo de tempo ritual sagrado em Leach à luz dos elementos mitológicos associados à noção de Kairos, pudesse contribuir com a reflexão a respeito de como construímos desde tenra idade, mitos, que excluídos de um exame consciente moldam nossas atitudes e ações no âmbito da sociedade e da cultura bem como .

Para o antropólogo social Edmund Ronald Leach o intervalo de tempo ritual sagrado interpretado pelo mesmo autor, exclusivamente, a partir do ponto de vista do tratamento de Cronos é parte de uma sequência linear em que cada instante

“pode ser considerado indiferentemente ponto de partida de um futuro ou ponto

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Mas o que nos revela o intervalo de tempo ritual sagrado considerado pelo mesmo autor como um ambiente tabu, do outro mundo, quando associado ao instante kairológico, que de acordo com alguns autores não denota um instante no tempo e sim, sua origem? A que tipo de mito, crenças e comportamentos rituais estamos condicionados desde o processo de socialização que ocorre na primeira infância e, como tal condicionamento contribui para influenciar o modo como ordenamos o mundo? Se conforme sustenta Edmund Leach somos condicionados a erguer fronteiras artificiais na natureza que separam o tempo ritual sagrado do tempo profano, então, como se opera o processo de ordenação do mundo à luz do tratamento de Kairos?

Estas indagações que encontram suas raízes em uma jornada pessoal em busca de entendimento a respeito da natureza do tempo sagrado, já conta aniversários de longa data em minha história de vida.

Contudo foi somente na década de 70, ao concluir minha primeira formação de nível superior, em Design Industrial, na PUC do Rio de Janeiro, quando minhas observações encontravam-se mais voltadas para uma descoberta objetiva do mundo que meu interesse a respeito do tempo sagrado, ganhou maior consistência na medida em que meu processo de investigação centrava-se nas diversas formas de comportamentos sociais.

A estas observações da realidade que me chegavam à percepção como representações de instantes profanos e sagrados situadas no tempo e no espaço, seguiram-se estudos literários e filosóficos que me conduziram a descoberta do filósofo Immanuel Kant (1724-1804), bem como contribuíram para sustentar minha natural inclinação e desejo de aprofundar o conhecimento a respeito dos mistérios de Chronos e, das inúmeras possibilidades e caminhos para que eu conseguisse abordá-lo.

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disciplina. Ao contrário, o tempo se impunha em diversas áreas do conhecimento sem ser apanágio de nenhuma.

Com o encerrando desse ciclo de conhecimentos que me orientou no sentido de um campo alternativo de investigação culminando com minha formação em psicologia analítica, passei a consagrar meus estudos subseqüentes, ao entendimento dos símbolos e mitos associados a temporalidade da psique humana, esperando com essa decisão que a cosmovisão concebida pelo psiquiatra suiço Carl Gustav Jung (1875-1961), pudesse contribuir com minha compreensão do tempo sagrado.

Em 2011 adotando como uma de minhas mais profundas crenças a ideia de que erguemos “fronteiras” cognitivas no continuum da natureza, dei por

“encerrada” minha busca assistemática a respeito do tempo sagrado tendo em

vista, o firme propósito de ingressar no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião na Pontifícia Universidade de São Paulo.

Nesta mesma época, e com a intenção de aprofundar o conhecimento a respeito das noções de Chronos e Kairos à luz das ciências naturais, ingressei em um grupo de estudos no departamento de Física da Universidade Estadual Paulista em Guaratinguetá, no qual tive a oportunidade de participar assiduamente durante o período de dois anos. Após este período em que também

concluí alguns “ritos preparatórios” para o meu ingresso no mestrado, finalmente atravessei a “soleira da porta” do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião.

(19)

Vale a pena ressaltar que essa necessidade que norteou um processo de pesquisa a respeito do tempo sagrado e estendeu-se durante alguns bons meses do curso de mestrado foi fundamental contribuiu para que eu pudesse desconstruir a ideia de uma temporalidade única e reconstruir bases teóricas que pudessem acomodar um objeto de estudo alicerçado em uma investigação sistemática.

Por patrocinar uma antropologia considerada “de fronteira”, por sua “versatilidade e originalidade teóricas” por sua “curiosidade intelectual” (DA

MATTA, 1983:19) e principalmente, por suas reflexões a respeito do tempo sagrado, Edmund Ronald Leach foi classificado como “um caso único” (Ibidem), entre os antropólogos que contribuíram para o desenvolvimento da antropologia

social inglesa por ter desenvolvido em seu campo disciplinar “os interesses que valorizava” (SIGAUD, 1996: 12).

Considerando o perfil versátil e inovador desse antropólogo em seu contexto disciplinar e já tendo contactado os dois ensaios clássicos do mesmo autor, intitulados respectivamente “Cronos e Chronos” e “Tempo e Narizes

Falsos” adotamos Leach como referencial teórico do presente estudo a partir de uma decisão conjunta firmada entre esta orientanda e o prof. Dr. Eduardo Rodrigues da Cruz, orientador desse processo de investigação.

Como indicado Leach toma como referência os elementos mitológicos associados à noção de Cronos, para desenvolver sua concepção de tempo ritual caracterizando o intervalo ritual de tempo sagrado não só como um continuum, o outro mundo ou um intervalo ritual tabu, mas, como parte de uma sequência linear de fluxo total do tempo em que alterna-se o status da pessoa moral de Normal-Profano para outro Anormal-Sagrado e assim retroativamente.

(20)

do tratamento de Cronos. Em decorrência disso, esse intervalo de tempo ritual foi caracterizado por esse mesmo Leach simplesmente, como uma dimensão do tempo ritual que encontra-se em oposição ao intervalo de tempo profano.

Isso posto, o principal objetivo deste trabalho visa uma investigação do intervalo ritual de tempo sagrado em Leach à luz dos significados associados à noção de Kairos, tendo-se em vista que para algumas antigas tradições da Grécia antiga Cronos e Kairos, eram considerados dois aspectos distintos e ao mesmo tempo interrelacionados do mesmo princípio cósmico.

Com a delimitação de nosso objeto de estudo foram realizados levantamentos bibliográficos e estudos exploratórios em obras de referência de Leach bem como examinados diversos periódicos científicos, teses e dissertações que abordavam a teoria do tempo ritual proposta por esse mesmo autor.

No processo de investigação de nosso objeto de estudo sustentamos as seguintes hipóteses preliminares:

 Quando associado ao instante kairológico o intervalo ritual de tempo sagrado em Leach não é caracterizado como parte de uma sequência linear de fluxo total do tempo em oposição ao intervalo de tempo profano. Em outras palavras não é parte da dimensão linear do tempo.

 À luz do tratamento de Kairos, o intervalo ritual de tempo sagrado em Leach não é separado do domínio do tempo profano por fronteiras artificiais como ocorre quando interpretado do ponto de vista do tratamento de Cronos.

(21)

Com o propósito de nos aproximarmos de nosso objeto de estudo examinamos os principais textos de Leach buscando destacar a noção de tempo ritual que engajamos aos seguintes comentadores: Alfred Gell (2014) que abordando em detalhes os dois ensaios clássicos de Leach a respeito do tempo ritual em sua obra A Antropologia do Tempo: Construções Culturais de Mapas e

Imagens Temporais contribuiu com sugestões e especulações a respeito do

tempo sagrado ritual.

Roy Rappaport (2001), que aprofundou os estudos a respeito do tempo

ritual nos forneceu apontamentos seminais para o escopo deste trabalho que denotam ser uma extensão do referencial teórico apresentados por Leach referente ao intervalo de tempo sagrado.

Destacando nuances e comentando passagens que denotam aspectos importantes da trajetória acadêmica de Leach, Roberto da Matta (1983) contribuiu com seu testemunho requintado, principalmente com relação à estruturação do contexto biográfico de Leach. As contribuições de Marisa Peirano (2014) e Lígia Sigaud (1996 foram seminais para configuração desse contexto.

Os comentários de Yasumasa Sekine (1985) contribuiram com nosso entendimento a respeito do processo de ordenação do mundo de acordo com a perspectiva de Leach bem como os comentários de G. A. J. Platemkamp (1979) que nos auxiliaram no processo de compreensão dos dois níveis de cognição –

um consciente e outro inconsciente - envolvidos no processo de socialização e ordenação do mundo em Leach.

Importante acrescentar que muito embora Alfred Gell (2014:41) assinale que Edmund Leach vem “exercendo uma influência considerável no tratamento do tempo em antropologia social”, consideração que confere à Leach uma posição de destaque na discussão contemporânea a respeito do tempo, raros foram os estudos que envolviam o tema do tempo ritual sagrado em Leach.

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classificação animal baseados em termos tabu ou seus eufemismos em comunidades de pescadores na Escócia.

Isso posto, a redação desse processo de investigação encontra-se configurada em três etapas distintas, a saber: o primeiro capítulo traz uma breve contextualização de como desde os primórdios da humanidade o homem, no intento de explicar as próprias origens, já sentia a necessidade de elaborar modelos distintos do Universo. Na sequência do capítulo tivemos a preocupação de abordar algumas cosmologias tradicionais associadas a algumas culturas da antiguidade, com o objetivo de sumarizar a forma como esses povos se mobilizaram para desenvolver abordagens únicas a respeito do tempo ritual sagrado e do cosmos. Em seguida, o capítulo explora as concepções associadas a noção de tempo na Grécia da antiguidade bem como contextualiza as três temporalidades cósmicas descritas pelo filósofo Hesíodo em Os Trabalhos e os

Dias, cujo intento foi relatar como configurou-se a condição atual da raça humana

e sua necessidade de trabalho mostrando as temporalidades associadas a esse processo.

O segundo capítulo tem como finalidade explanar a respeito das influências e contribuições familiares e acadêmicas que marcaram o processo de formação da persona do antropólogo social Edmund Ronald Leach tendo em vista um maior entendimento dos fatores psico-socioculturais que concorreram para que o autor estruturasse sua concepção de tempo ritual. Na sequência do mesmo capítulo, fizemos uma revisão dos principais conceitos e resultados teóricos do trabalho de pesquisa de Leach, a respeito da teoria do tempo ritual, tendo em vista uma contextualização do intervalo ritual de tempo sagrado interpretado por esse mesmo autor à luz dos elementos mitológicos associados à noção de Cronos. Ao final desse capítulo sumarizamos como alguns antropólogos britânicos da década de 70, conceberam o intervalo ritual de tempo sagrado.

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tempo de continuum; o processo de ordenação do mundo que segundo o antropólogo social ocorre no período de socialização, na infância separando o tempo ritual sagrado do tempo social profano; o ciclo “vida-morte-renascimento”

associado segundo Leach ao intervalo de festividades rituais.

Este trabalho que visa uma investigação do intervalo ritual de tempo sagrado em Leach à luz dos elementos mitológicos associados à noção de Kairos, pode vir a contribuir com a teoria do tempo ritual concebida por esse mesmo autor na medida em que privilegia uma modalidade de tempo, distinta e ao mesmo tempo interrelacionada a temporalidade associada a Cronos.

Uma vez que identifica-se uma lacuna epistemológica, neste processo de investigação esse estudo pode contribuir para ampliar o horizonte de discussão teórica entre a antropologia social e as ciências da religião na medida em que, ambas as disciplinas oferecem premissas e métodos para o desenvolvimento de novas pesquisas a respeito do intervalo ritual de tempo sagrado cujo campo tem privilegiado novas tendências necessidades.

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1.1. A Entrada do Tempo na História da Humanidade

O tempo veste um traje diferente para cada papel que desempenha em nosso pensamento.

John Wheeler

Com o olhar voltado para o firmamento, o homem, desde os primórdios da humanidade, sentiu necessidade não só de contemplar o céu noturno para contar as estrelas como, principalmente, de explicar a origem, estrutura e evolução do mundo em que vivia.1

Para Kellen Skolimoski e João Zanetic, a ânsia por desvendar os mistérios

na natureza se traduz, no ser humano, como uma necessidade que “perpassa

qualquer empreendimento científico, considerado como uma busca pelo

entendimento de quem somos, de onde viemos e para onde vamos”

(SKOLIMOSKI; ZANETIC, 2012 :406).

Na introdução da obra Uma Breve História do Tempo, escrita pelo físico britânico Stephen Hawking (1988), o cientista estadunidense, Carl Sagan, grande divulgador das ciências, tece uma alusão a perguntas fundamentais, que desde a infância da humanidade 2 fomentam o espírito humano. Nas palavras de Sagan:

[...] Vivemos o dia-a-dia sem entendermos quase nada do mundo. Pouca atenção damos ao mecanismo que gera a luz do Sol e possibilita a vida; à gravidade, que nos cola a uma Terra que, de outra forma, nos lançaria em rotação pelo espaço; ou aos átomos de que somos feitos e de cuja estabilidade dependemos fundamentalmente. Com exceção das crianças (que não sabem o suficiente para fazer nada mais que perguntas importantes), poucos de nós gastamos muito tempo considerando porque a natureza é do jeito que é; de onde surgiu o cosmo, ou se ele sempre existiu; se o tempo algum dia voltará para trás, fazendo os efeitos antecederem as causas; ou ainda se existem limites máximos para o conhecimento humano. Há até mesmo crianças – eu conheci algumas delas – que querem saber como é o buraco negro; qual é a menor porção da matéria; por que nos lembramos do passado e não do futuro; como se explica, se houve um caos primordial, que agora haja

1A cosmologia é um ramo da astronomia que lida com a estrutura em grande escala do universo e as questões de sua origem e evolução. A capacidade de o homem ver o cosmos cresceu e, paralelamente, sua capacidade de raciocinar com base em evidências científicas também cresceu; o assunto passou por uma transformação. Ela deixou de ser um exercício particularmente especulativo e filosófico para se transformar num importante esforço científico no qual fatos e teorias andam de mãos dadas (NARLIKAR, 2012:1).

2 Estas perguntas encontram-se presentes em alguns livros de divulgação científica sobre Cosmologia, como

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ordem (pelo menos, aparentemente); e por que existe um universo. (SAGAN apud HAWKING, 1988).

Certamente que a tendência de o ser humano indagar a respeito do desconhecido poderia ser mantida a vida inteira, caso o homem não deixasse de fazer perguntas ou de olhar para o céu em busca de respostas. No que diz respeito à Leach tudo indica que interessava-se por estas questões consideradas fundamentais para o conhecimento humano.

Em “Tempo: Esse Velho Estranho Conhecido”, de André Ferrer Martins e

João Zanetic (2002), encontramos um comentário de Platão (427-347 a. C.), sinalizando a importância de nos mantermos conectados à misteriosa linguagem da natureza que nos concede diversas pistas acerca do mundo em que vivemos:

[...] Se nunca tivéssemos visto as estrelas, o sol e o céu, nenhuma das palavras que pronunciamos sobre o Universo teria sido dita. Mas a visão do dia e da noite, e dos meses, e as revoluções dos anos, criaram um número e nos deram uma concepção de tempo e o poder de indagar sobre a natureza do Universo. (MARTINS; ZANETIC, 2002:41).

Entretanto, não foi apenas a necessidade de entender as próprias origens no intento de explicar o mundo em que vivia que levou o homem a investigar modelos distintos do Universo. A ideia da morte, concebida como a transição de uma fase da vida à outra, e as mudanças na natureza, consideradas repentinas e dramáticas, induziram-no, desde o início dos tempos, a introduzir num mundo evanescente o elemento da permanência (WHITROW, 1993 [1988]: 36).

Em um pequeno trecho destacado da obra O Tempo na História:

Concepções de Tempo da Pré-História até Nossos Dias, 1993, tradução

(28)

[...] A natureza era vista como um processo de luta entre forças cósmicas e forças caóticas demoníacas, da qual os seres humanos não eram meros expectadores: cabia-lhes desempenhar, agindo em plena consonância com a natureza, um papel ativo que auxiliaria a promoção dos fenômenos necessários. (WHITROW, 1993 : 38).

Essa busca de fatores permanentes, subjacentes ao padrão sempre mutante dos eventos, levou o homem, a ”avaliar a significação do tempo”

(Ibid.:99) e, naturalmente, a desenvolver o instrumental necessário para mensurá-lo.

Aprendendo aos poucos sobre as fases da lua, o movimento do Sol, das estrelas, a recorrência do dia e da noite e antevendo a época das enchentes, da semeadura e das colheitas, o homem passou a medir os grandes intervalos de tempo através de calendários e outros instrumentos de medição.

Martins e Zanetic (2002) concordam que a ideia do fluir do tempo, e o desenvolvimento dos primeiros processos e instrumentos de medição, estiveram conosco desde o início dos tempos. Os autores sinalizam a respeito desse assunto que:

[...] isso deve ter ocorrido no período paleolítico quando, devido à necessidade de produzir mais alimentos, provocada pela concentração de grupos humanos, surgem nas terras férteis encontradas às margens dos grandes rios as civilizações da Mesopotâmia, Egito, Suméria, entre outras. Ao lado das benesses oferecidas pelos rios, essas populações sofriam quando ocorriam inundações que tinham terríveis consequências. [...] Aos poucos essas populações foram aprendendo a associar o ciclo da fertilidade do solo, fundamental para a nascente agricultura, ao movimento cíclico dos corpos celestes. (MARTINS; ZANETIC, 2002:41).

De acordo com Ramdas Lamb, “historicamente, vários povos foram se

organizando e desenvolvendo abordagens únicas, sob a forma de sistemas de

crenças, valores e comportamentos” (LAMB, 2009: 1259, tradução nossa), com o objetivo de aprender a lidar com a sucessão de fenômenos e fases, de mudanças naturais. Em decorrência dessas experiências que interpretavam e davam uma

(29)

lineares e cíclicos, que ofereciam na vida diária respostas a respeito do mundo natural.

O texto de Lamb (2009) nos esclarece a respeito destes dois aspectos do tempo, que ao longo da história foram sendo incorporados ao sistema de valores e crenças de diferentes civilizações e culturas. O mesmo Lamb explicita que em muitas culturas tradicionais e sistemas de crenças:

“[...] o aspecto linear do tempo é importante, pois, explica distinções,

crescimento e mudança. Ao mesmo tempo, ele é visto como sendo simplesmente, uma parte de uma dimensão maior, cíclica ou circular, muito mais abrangente e que pode ser divisada na rotação diária da Terra, no ciclo lunar, nas estações do ano, na migração dos animais, e assim por diante. Desde a infância e, ao longo de sua vida o ser humano testemunha e vivencia os ciclos do tempo, tanto na natureza quanto em si mesmo. Para sobreviver, os primeiros seres humanos tiveram de adaptar-se a esses ciclos, percebendo-se como parte deles; esta adaptação foi maior entre os povos rurais, cujo trabalho dependia dos ciclos naturais e da integração entre homem e natureza, na vida diária.”

(LAMB, 2009: 1259, tradução nossa).

Ao que tudo indica, embora a “carruagem do tempo”3 tenha sido percebida

por determinadas culturas como um tempo que “avançava”, isto é, de um ponto de vista linear ainda assim o aspecto cíclico do tempo, parece ter norteado maior parte dos processos de adaptação e sobrevivência do ser humano, desde a infância da humanidade. De acordo ainda com Leach “em algumas comunidades primitivas, não sofisticadas” (LEACH, 1974:195) o processo do tempo não era

percebido como um “seguir sempre e sempre na mesma direção” (Ibidem), ou um

“girar, girar em uma mesma roda” (Ibidem) mas, como oscilações repetidas

Segundo Lamb (2009), o aspecto do tempo que provavelmente mais marcou a experiência humana na interação com a natureza foi o da impermanência dos eventos. O mesmo autor acrescenta que:

3

A expressão “carruagem do tempo” empregada pelo antropólogo Edmund Leach, para expressar a sensação

de passagem do tempo ou de que o tempo “avança”, pode ser encontrada no ensaio desse mesmo autor intitulado

(30)

“[...] o tempo cíclico ou, o tempo circular, não requer um começo ou um fim. Assim é que, aqueles cuja crença se sustenta no tempo cíclico, não precisam conceituar um final de tempo, para a humanidade e a existência. Ao contrário, a tendência é imaginar uma realidade que simplesmente sempre foi e sempre continuará. Isso não significa dizer que as criações não ocorrem, mas sim, que de um modo geral, elas fazem parte dos ciclos, assim como todos os aspectos da realidade.”

(LAMB, 2009: 1259, tradução nossa).

Defendendo a ideia de que Heráclito (535 - 475 a. C.), o filósofo grego, “foi

o primeiro a considerar a inevitabilidade da mudança e a necessidade de se compreender sua natureza”, Betty A. Gard, que pesquisa cosmologias cíclicas, nos oferece em “Cosmology, Cyclic” (2009), um panorama histórico dos processos de mudança que abarcaram o pensamento ocidental, no que diz respeito à perspectiva cíclica do tempo. (GARD, 2009: 223, tradução nossa).

Para essa mesma autora, a perspectiva ocidental a respeito do tempo favoreceu as cosmologias cíclicas, até o momento em que a interpretação cristã

do Livro do Génesis substituiu a crença nos ciclos pela ideia de progresso; apesar

disso, sustenta Gard (2009), o ser humano não desvinculou-se das teorias cíclicas, que continuam a emergir no âmbito das ciências. Ilustrando esta questão Gard (2009) contextualiza que:

“[...] no Século XVIII, James Hutton, considerado o fundador da geologia moderna, referiu-se ao processo recorrente de destruição e renovação do ‘grande ciclo geológica’. No final do século XIX, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche desenvolveu a teoria de que, dada a natureza ilimitada do tempo, os eventos deveriam inevitavelmente, recorrer. Vários modelos cíclicos que não resistiram ao teste do tempo foram propostos entre 1920 e 1930 pelo cosmólogo Richard C. Tolman, entre outros. Mais recentemente, os cosmólogos Paul J. Steinhardt e Neil Turok introduziram um modelo cíclico do universo, descrevendo a teoria do ‘Big Bang’4, ressaltando ambos, ser esta a teoria dominante nos últimos 40

anos.” (GARD, 2009: 223-224, tradução nossa).

4 Na perspectiva do físico teórico, Stephen Hawking (2009), a descoberta da expansão do universo foi uma

das maiores revoluções intelectuais, do século XX. Para o autor, essa descoberta não foi apenas surpreendente no meio científico como alterou completamente a discussão da ciência em torno da origem do universo. Defendendo a ideia de

que o início do universo deve ser compreendido com base na ciência, Hawking, sustenta que “o universo começou em um ‘Big Bang’, um ponto em que todo o universo e tudo dentro dele estavam comprimidos em um único ponto, de

(31)

Como é possível constatar, o aspecto da recorrência dos ciclos, continua acompanhando o imaginário humano, quando se trata do desenvolvimento de concepções alternativas, sobre modelos distintos do universo. Muito embora a teoria do tempo ritual apresentada por Leach enfatize a natureza não cíclica do tempo de acordo com Alfred Gell é “a propriedade da ‘recorrência’ dos eventos repetidos” (GELL, 2014:41) que importa para aquele autor caracterizando-se o processo da recorrência, em oposição à ocorrência simples dos eventos, como um aspecto relevante no que diz respeito a dimensão do tempo ritual.

1.2. As Faces do Tempo em Culturas Tradicionais

1.2.1. Egito Antigo

Não existe um mito único que possa descrever como os antigos egípcios entendiam a estrutura do universo (SKOLIMOSKI e ZANETIC, 2012: 411). Segundo Rogério Ferreira de Souza, autor de “O Imaginário Simbólico da Criação

no Antigo Egito”, inúmeros textos da antiguidade, que contextualizam relatos acerca do processo de criação do universo, mostram-se “diversificados e repletos de contradições.” (SOUZA, 2006: 314-315).

Para Souza (2006), isto ocorre devido às inúmeras leituras e reinter-

pretações dos mitos egípcios mais antigos, que resultam em uma “lenta justa- posição de imagens e símbolos”, ao longo dos milênios, derivando esse processo numa diversidade de versões a respeito da criação do mundo. Em vista disso, a

maior parte dos textos antigos “redigidos no interior das pirâmides do rei Unas (2375-2345 a. C.), e dos faraós da VI dinastia (2345-2181 a. C.)” raramente,

apresenta um relato “organizado e completo” (Ibidem). Apesar disso, o que se constata é que osegípcios interpretavam o universo em função de um imaginário

(32)

Um comentário de Asclépius III (25), extraído dos “Textos Herméticos”, e identificado na obra Cosmologia Egípcia: o Universo Animado, do escritor Moacyr Gadalla (2003), ressalta que, subjacente a todas as ações imanentes dos egípcios, encontrava-se um imaginário simbólico, que refletia uma ordem e um equilíbrio cósmicos. O mesmo Gadalla afirma que:

[...] no Egito, todas as ações das forças que governam e atuam nos céus foram transferidas para a Terra [...] deve-se dizer que todo o cosmos habita no Egito, como em seu santuário. (GADALLA, 2003: 21).

Em se tratando dessa conexão entre eventos sociais e forças naturais, que acreditavam os egípcios irmanava Céu e Terra, Corrine W. Koepf (2009) acrescenta ainda que dentro do sistema de crenças dessa antiga civilização a concepção de tempo era considerada uma parte vital da experiência social. Segundo a mesma autora os egípcios:

“[...] acreditavam que todas as coisas se encontravam conectadas em um ciclo contínuo, de vida, morte e renovação sendo esta crença uma resposta natural aos fenômenos observados por eles, ao redor do mundo. [...] Tudo ao redor dos egípcios comprovava que os ciclos de vida tinham uma continuidade. Tal ideia levou os egípcios à comungarem com a crença de que o mundo havia sido criado em um estado de perfeita ordem e que esta nunca seria desfeita. Eles adoravam a deusa

Maat, que representava ordem, equilíbrio, justiça e igualdade. Essa reverência à deusa Maat, conduziu esta civilização em direção ao dsenvolvimento de um código da chamada moral Maat, que serviu como um guia para todos, começando pelo faraó e estendendo-se até o pessoas comuns.” (KOEPF, 2009:223-225, tradução nossa, grifos do autor).

Como indicado, para os antigos egípcios, que “concebiam o tempo como uma sucessão de fases recorrentes e tinham muito pouco sentido de história”

(WHITROW, 1993 [1988]: 38), os incidentes históricos não passavam de “pertur

-bações superficiais” da ordem estabelecida considerada por esta civilização como

(33)

Consideramos ser relevante contextualizar um breve trecho registrado por Souza (2006), que ilustra não apenas o mito egípcio da criação, como nos fornece uma base do imaginário simbológico desta civilização que percebia como pilares da criação quatro regiões do universo: Céu, Terra, Mundo Inferior e Caos (SOUZA, 2006: 315). Nas palavras do próprio Souza (2006), o mundo anterior à criação era percebido pelos antigos egípcios:

[...] como um oceano primordial, o Nun, cujas águas caóticas continham, em potência, toda a criação. Na religião egípcia, o papel das águas do

Nun, era ambivalente e revestia-se de um significado simultaneamente negativo e positivo. À semelhança da cheia que submergia tudo mas fertilizava o solo do Egito, o Nun, infinito, sem forma, caótico e insondável era também a fonte de regeneração do mundo e continha em potência todas as possibilidades da criação5. [...] Foi desse mundo

informe que emergiu um elemento essencial das cosmogonias egípcias que assinalava o início da criação: a colina primordial. [...] De uma forma geral, a colina primordial ilustrava as duas faces latentes na Mônada inicial: por um lado possuía uma dimensão ctônica, associada aos poderes regenerativos da terra, por outro, revestia-se de uma dimensão solar, já que era desta colina que o deus Sol, na forma de uma criança, emergira e iniciara a criação do mundo (Ibidem, grifos do autor).

Como indicado por Souza (2006), para os antigos egípcios todo o dinamismo da criação originava-se a partir do Num, o oceano primordial e informe, a partir do qual ocorria uma espécie de separação prototípica, entre uma dimensão ctônica e outra celeste. Em outras palavras e de acordo com o mesmo Souza, ocorria um processo de “diferenciação sexual” (Ibid.: 317) em que separavam-se os princípios masculino (Céu) e feminino (Terra) sendo, ambos, dois aspectos distintos do mesmo princípio básico, universal (Num).

Importante sinalizar que esse dinamismo cósmico encontra uma certa ressonância com o processo de ordenação do mundo em Leach a partir do qual

uma criança, antes de distinguir “o mundo como sendo composto por um grande número de coisas separadas” (LEACH, 1972:47 apud PLATENKAMP,1979:174) percebe o mundo como algo informe, contínuo, constituindo-se essa continuidade na natureza uma espécie de “substância generativa” (ONIANS,2010[1951]: 248,

tradução nossa) como acreditavam algumas tradições da Grécia antiga.

5 Cf.: Notas sobre TOBIN, «Creation Myths», em REDFORD, Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. II, p.

(34)

Souza (2006) acrescenta ainda em relação ao mito egípcio da criação que a diferença entre:

[...] o caos primordial e a criação, era expressa através do contraste entre a unidade e a multiplicidade, o qual foi traduzido numericamente na oposição entre o “um” e o “dois”. Na numerologia sagrada, a unidade

exprimia a inércia do caos anterior à criação, ao passo que “duas coisas”

exprimiam a diversidade da criação. 6 (SOUZA, 2006, 317).

Para os antigos egípcios havia um interjogo entre opostos aos quais eles denominavam Shu e Tefnut, o primeiro par de oposições exprimindo a diversidade da criação que originava-se a partir de um princípio cósmico criador (Num ou Atum). De acordo com Gadalla (2003) essa trindade representada por Atum, Shu

e Tefnut, ilustrava o papel metafísico do número três ou a triangulação da criação

que era expressa na seguinte equação: “cada unidade é uma força tripla e tem

uma natureza dupla.” (GADALLA,2003: 45).

Como não é difícil observar, para os antigos egípcios a numerologia sagrada e a linguagem simbólica desempenhavam um papel importante na cons-tituição de sua cosmologia.

Isto parece ficar explicitado na obra Aproaches to the Study of Time in the

History of Religions, em que o historiador das religiões, Michael Stausberg, afirma

que “a noção de temporalidade, expressa na linguagem semito-hamítica dos egípcios, enfatizava a crença em um sistema bipartido do universo”

(STAUSBERG, 2003: 249, tradução nossa). O mesmo Stausberg assinala que os egípcios estabeleciam uma distinção entre um tempo de “perfeição” e outro, que denotava “imperfeição” (Ibidem), ocorrendo essa diferenciação a partir da estrutura da linguagem.

Vale a pena assinalar que Leach também enfatiza e adota em sua concepção de tempo ritual o sistema de crenças de algumas tradições da antiga Grécia, que concebiam o tempo como um princípio cósmico que abarcava opostos. Como será também explanado mais adiante em Leach é através do

(35)

processo de socialização, na infância, que emerge do contínuum na natureza a noção de um tempo social, descontínuo; diferenciação que processa-se a partir da estrutura da linguagem.

Retomando o tema da temporalidade entre os antigos egípcios assinalamos a contribuição do arqueólogo e egíptólogo, Jan Assmann (1983), citado na obra de Stausberg (2003) ao argumentar que para esta antiga civilização existiam:

“[...] duas palavras às quais, dependendo do contexto, eram traduzidas

como ‘tempo’ ou ‘eternidade’, respectivamente: neheh e djet. Estas duas palavras, eram naturalmente, bastante disputadas em Egiptologia. [...]

neheh seria uma espécie de aspecto ‘virtual’ do tempo, enquanto djet, um aspecto que resultaria do tempo ‘virtual’. De acordo com os textos egípcios (“the Egyptinas” como Assmann faz referência) por exemplo,

neheh é contextualizado como ‘amanhã’ e djet como ‘hoje; entretanto,

isso não representa uma noção de futuro ou de presente e sim refere-se a noção de uma potencialidade virtual que significa eventualmente materializar uma situação de fato. [...] Em egípcio não há um termo genérico para ‘tempo’ além da dualidade de neheh e djet. Ao invés, a

palavra ‘tempo’ que inclui eternidade representa o conjunto da interação entre ‘neheh’e ‘djet’.” (STAUSBERG, 2003: 250, tradução nossa).

Como assinalado por Stausberg (2003), o par de opostos neheh e djet, representa, dentro do código simbólico da antiga civilização egípcia, o aspecto

dual do “tempo”, cuja concepção integra tanto um aspecto virtual, potencial, do tempo quanto um outro, denotando um tempo manifesto.

Ao adotarmos um paralelo entre esse aspecto dual do tempo segundo a crença dos egípcios e os dois aspectos do tempo ritual - profano e sagrado - propostos em Leach e configurados em sua concepção de um fluxo total do tempo ritual talvez possamos levantar uma suposição de que “neheh” e “djet”” em interação, denotavam um tempo eterno, que a tudo abarca (kairológico) enquanto

“djet” denotava o tempo social, profano, e nesse sentido um tempo manifesto

(cronológico).

(36)

equilibrada de todas as coisas” (GADALLA, 2003: 39), representando, cada elemento da díade, um aspecto distinto embora interrelacionado do mesmo princípio cósmico fundamental.

Segundo a perspectiva adotada por Stausberg (2003), para essa antiga civilização “todas as coisas encontravam-se inclusas no simbolismo do

Ouroborus7, a serpente que morde e engole a própria cauda” (STAUSBERG,

2003: 250).

Figura 1: Ilustração da Ouroborus

Fonte: http://www.arthurimiller.com (Acesso em 27/01/15)

7 A Ouroborus ou Urobóros, que na linguagem simbólica representa a “serpente que morde a própria cauda”,

denota segundo Alain Gheerbrant e Jean Chevalier (1997),“um ciclo de evolução encerrado em si mesmo”. Contendo

simultaneamente as ideias de movimento, autofecundação, continuidade e, em consequência, de eterno retorno, este símbolo deu lugar a uma interpretação adicional: a união do mundo ctônico, figurado pela serpente, com o mundo celeste, figurado por um círculo. (GHEERBRANT; CHEVALIER, 1997 [1982]: 922). Esta simbologia que de acordo com os mesmos autores representa “a união de dois princípios opostos, a saber, o Céu e a Terra, o bem e o mal, o dia e a noite, o Yang e o Yin chinês, e todos os valores que estes opostos comportam”, não somente “rompe com uma evolução

linear e marca uma transformação de tal natureza que parece emergir para um nível de ser superior, o nível do ser

(37)

Concebido pela simbologia sagrada dos antigos egípcios como o “símbolo

mais proeminente da imagem de tempo contínuum” (Ibidem), a Ouroborus, representava para esta civilização o movimento circular de eterno fluxo da existência a conjugar os aspectos virtual e manifesto do tempo (Ibidem).

Em outras palavras, dentro do código simbólico dos antigos egípcios havia um princípio cósmico, circular, coordenando as dimensões manifesta e virtual do tempo, o que nos leva a presumir que em Leach as dimensões profana e sagrada que integram o fluxo do tempo ritual são também coordenadas por um princípio cósmico universal como concebiam algumas tradições da Grécia antiga. De acordo com Whitrow, para os antigos gregos:

[....] o mundo era baseado numa única substância viva que ocupava todo o espaço, a partir da qual todas as coisas se teriam desenvolvido espontaneamente, pelo interjogo de processos opostos como os de separação e combinação, ou rarefação e condensação. (WHITROW, 1993 [1988]:53).

Em “Calendar Egyptian”, Robert Bollt, sumariza este mesmo assunto não sem ressaltar que “os egípcios viam a si mesmos como passando por um único

continuum, ainda que dentro de uma experiência temporal cíclica, na qual se

manifestavam dois aspectos distintos: um temporal e outro eterno” (BOLLT, 2009: 127, tradução nossa).

A título de complementação, e segundo o mesmo autor, a “fórmula que integrava ‘neheh’ e ‘djet’, como um tempo único, de continuum, era empregava apenas, quando se fazia referência ou se desejava vida eterna ao faraó” (Ibidem).

Ao que tudo indica, assim como os antigos egípcios concebiam um aspecto temporal e outro eterno que encontravam-se interrelacionados também Leach adota em sua teoria do tempo ritual, um aspecto temporal denominado de tempo profano - representado pelo tempo social, descontinuo – bem como outro, eterno, - representado pelo tempo continuum ou intervalo ritual tabu de tempo sagrado –

(38)

1.2.2. Suméria e Babilônia

O que se sabe a respeito dos antigos sumérios e babilônios é que viveram em regiões da Mesopotâmia cujas planícies abundavam em terras férteis, localizadas entre os rios Tigre e Eufrates.

Dentre as civilizações mais antigas, a cultura mesopotâmica do século IV a. C. em diante foi a primeira a registrar os movimentos do Sol e dos planetas; e o fizeram com tal engenhosidade que esse esforço acarretou o desenvolvimento de um sofisticado e sistematizado conhecimento acerca do universo.

Com relação a noção de tempo, associada à esta civilização, tudo indica que as investigações astronômicas que eram as mais proeminentes deviam-se às observações da lua, uma vez que o calendário dos babilônios era baseado em ciclos lunares. Além de inventores dos primeiros calendários, deve-se também a esta antiga cultura a primazia de terem identificado o “zodíaco”, o cinturão ao redor do céu, onde se encontravam alinhados os planetas e os astros (WHITROW, 1993 [1988]: 46-47).

Segundo Whitrow (1993 [1988]), o céu da antiga Babilônia era projetado por uma atmosfera mítica que refletia a mentalidade “supersticiosa” desses povos mesopotâmicos (Ibidem) o que nos leva a considerar que para os antigos babilônios e sumérios a atividade de observar o panorama celeste não tinha qualquer função eminentemente prática, que visasse o aperfeiçoamento, por exemplo, de seus calendários. Ao invés, o conhecimento referente aos períodos de lunação e a contemplação dos astros, tinha como principal meta identificar sinais e presságios no céu, para que pudessem nortear a vida em sociedade.

(39)

Isso também significa dizer que apesar dessa constante interação com os fenômenos naturais e do elaborado conhecimento matemático desenvolvido no processo de observação dos astros, tanto os sumérios quanto os babilônios não construíram um modelo cosmológico que concorresse para explicar as próprias origens ou dar um sentido ao universo observado (SKOLIMOSKI; ZANETIC, 2012: 409).

Consideradas as mais adiantadas da época, as habilidades astronômicas destas ambas as civilizações, que superavam inclusive, aquelas desenvolvidas pelos egípcios, derivavam ao que tudo indica não de um “interesse científico, mas sim, místico” (Ibidem).

Uma passagem identificada no conhecido épico, A Epopéia de Gilgamesh ilustra essa tendência mística dos antigos povos mesopotâmicos, mostrando que no sistema de valores e comportamentos dessas antigas civilizações havia uma uma crença na influencia dos astros sobre o destino dos homens. (WHITROW,

op. cit.). A passagem que ilustra tal tendência é expressa do seguinte modo:

[...] Não há permanência. Construímos uma casa para se manter para sempre, selamos um contrato para vigorar por todo o tempo? Irmãos dividem uma herança para guardá-la eternamente, o tempo do rio das cheias perdura? [...] Desde os velhos tempos não há permanência (SANDERS, 1960 apud WHITROW, 1993 [1988]: 44).

Ao que tudo indica para os povos mesopotâmicos a ideia de um progresso linear excluía a possibilidade de que a história fosse portadora de qualquer sentido. Isso se devia ao fato destas civilizações não atribuirem qualquer tipo de significado ou importância aos eventos sociais, já que seu sistema de valores e crenças apoiava-se na idéia de que os eventos profanos não sobreviviam à

influência “devastadora”8 dos ciclos, sempre impermanentes na natureza (Ibidem).

O mito da criação conhecido como Enuma Elish, que remonta a cerca de 4.000 anos, considerado o épico mais importante para compreensão da

8 De acordo com Whitrow (1993 [1988]), os habitantes da antiga Mesopotâmia eram obrigados, a “enfrentar

variações climáticas, ventos cortantes, chuvas torrenciais e enchentes devastadoras que escapavam ao controle” dessa

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cosmovisão babilônica, ilustra a crença desses povos mesopotâmicos na ideia de

“impermanência” de todas as coisas, estreitamente vinculada, segundo Martins (1994), citado por Skolimoski e Zanetic (2012: 410), à percepção de passagem e mudança dos ciclos naturais.

O texto abaixo destacado, de Skolimoski e Zanetic (2012), descreve em relação a este mesmo assunto que existiam apenas:

[...] dois deuses primordiais que eram um tipo de água primitiva, Apsu, o pai, que representava as águas abaixo da terra e Tiamat, a mãe, que representava o mar. Dessas águas vão surgindo diversos deuses, filhos de Apsu e Tiamat, mas logo em seguida os deuses primordiais se arrependem de sua criação e decidem matar todos os deuses. Mas,

Apsu é morto por um de seus filhos. Tiamat, reúne um exército de feras e bestas contra eles, ela é derrotada, em uma batalha épica por Marduk9, o criador dos céus, da terra, dos homens e de todas as outras

coisas (SKOLIMOSKI e ZANETIC, 2012: 410).

Como não parece difícil perceber, reaparece no contexto cosmogônico dos povos mesopotâmicos a crença em um sistema cósmico defendendo a ideia de que a natureza da realidade é dual (“Apsu” e “Tiamat”), sendo representada por dois princípios distintos e interrelacionados: um masculino (o pai) e outro feminino (a mãe), respectivamente.

Para esses povos emerge a imagem primordial do tempo, como uma totalidade que reúne ambos os princípios no processo de criação do mundo. Esse aspecto também pode ser identificado na teoria do tempo ritual em Leach, para quem a imagem primaria do tempo encontrava-se associada a metáfora do coito sexual entre Céu e Terra, representantes dos princípios masculino e feminino, respectivamente, a partir dos quais emerge todo o processo de criação do mundo.

Whitrow acrescenta a este assunto que com o objetivo de marcar a passagem do tempo e manter “a harmonia entre Terra e Céu” (WHITROW, op. cit.: 45), os povos mesopotâmicos celebravam intervalos de festividades rituais,

9 Marduk, embora não fosse o mais antigo dos reis babilônios, personificava uma divindade específica,

associada à Babilônia, cuja supremacia sobre outros deuses tinha a finalidade de assegurar um propósito teológico-político. Quando o Enuma Elish, o épico da criação, era recitado liturgicamente, por sacerdotes babilônios, o nome de

(41)

que ocorriam com a chegada do Ano Novo, restabelecendo a fertilidade da terra e

afirmando a “a vitória sobre o caos” (Ibidem), melhor dizendo, a vitória da ordem social sobre o caos identificado na natureza. A respeito destes intervalos de festividades rituais, nós os identificamos na teoria do tempo ritual em Leach e sobre eles, falaremos mais adiante no segundo capítulo dessa dissertação.

1.2.3. Índia

Em “Time in Religions”, Ramdas Lamb (2009) argumenta que embora

exista “uma variedade de conceitos hindus a respeito do tempo, incluindo

cosmogonias e escatologias” ainda assim “todos se encaixam no conceito de uma

realidade cíclica” (LAMB, 2009:1103, tradução nossa) refletindo o processo cíclico

de “criação e destruição periódicos, do universo” em que acreditavam estes povos indianos. (Ibidem). Nas palavras do mesmo Lamb:

“[...] A mais antiga escola de filosofia propõe que o conceito de tempo, Sãmkhya, representa uma dualidade eterna e atemporal: Purusha (masculino) e Prakriti (feminino). O primeiro conceito (Purusha), é visto como uma consciência imutável que sustenta toda a existência, enquanto o segundo (Prakriti), representa a realidade material sempre em mudança. [...] Os Purunas, uma série de textos antigos, considera que cada um [referindo-se aos conceitos de tempo, nas várias escolas filosóficas] possui sua própria cosmologia, mas todos tendem à configuração acima [referindo-se ao ciclo de criação e destruição do universo.” (LAMB, 2009: 1103, tradução e interpolação nossa).

Como é possível se perceber na exposição de Lamb, para o pensamento hindu, a natureza do tempo era representada a partir de dois princípios básicos, eternos e atemporais: Purusha, o princípio masculino, que sustentava a existência e, Prakriti, o princípio feminino, sempre em transformação. Ainda, Lamb prossegue ressaltando que na crença desta antiga civilização boas ações:

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total acordo com o conceito cíclico, presente nestas tradições.” (LAMB, 2009: 1102, tradução nossa).

Ao que tudo indica, parece ser um traço geral do pensamento hindu a crença em uma realidade que nada mais representa “senão existências

momentâneais semelhantes aos sucessivos fotogramas de um filme” (WHITROW,

1993 [1988]: 104), e cujo fundamento, no que diz respeito às relações causais, apoia-se na noção de que é “natural começar com o efeito e remontar à sua

causa.” (Ibid.: 105-106).

Whitrow (1993) acrescenta na mesma pauta que tal noção mostra uma tendência de se eliminar o tempo, uma vez que efeito e causa são ambos concebidos como copresentes na mente do indivíduo. De acordo com o mesmo Whitrow, nessa maneira de se pensar o tempo pode:

[...] ser contrastada com os processos de pensamento da ciência ocidental, em que se considera que a marcha dos fenômenos tem uma direção temporal definida e única, da causa ao efeito (WHITROW, 1993 [1988]: 105-106).

Como sugere esse autor, enquanto a ciência ocidental apoia-se na ideia de que a flecha do tempo avança, no sentido do “progresso”, para o pensamento

hindu, a flecha do tempo, retrocede, uma vez que todo efeito retrocede à sua causa. Veremos mais adiante que em Leach o tempo profano avança e e o tempo

sagrado “ou seja o tempo dos rituais de restauração do mundo quando o tempo

retrocede a fim de devolver-nos para o inicio de tudo.” (GELL, 2014:39) para, colocando em cheque a noção de tempo ocidental bem como flecha do tempo dos hindus.

(43)

[...] o conceito de entidade que aparece apenas por um instante e depois desaparece era usado pelos budistas para provar que tudo é mera aparência e que a realidade absoluta escapa ao domínio do intelecto [...] Já no século VI a. C., no tempo em que Buda e Mahavira viveram [...] as especulações filosóficas referentes ao tempo formavam a parte essencial de uma filosofia indiana particular, conhecida como kalavada [...] o termo

kala era originalmente empregado pelos hindus no Rigveda10, para

denotar “o momento certo” em conexão com o ritual sacrificatório. Mais tarde, passou a denotar “tempo” em geral e foi usualmente empregado

neste sentido em textos sânscritos. No período védico, a ideia abstrata de tempo era considerada o principal princípio do universo, mas não se sabe se o tempo foi transformado num Deus. A palavra kala foi associada entretanto, a kali, “a Negra”, uma das formas da esposa do

deus Siva. O tempo era visto como negro e associado à Siva, deus da destruição, por ser duro e impiedoso (Ibidem).

Ao que tudo indica os indianos não tinham tanto interesse pela medição do tempo segundo uma perspectiva social. Isto parece ficar claro ao identificarmos que muito mais interessados em formular elaborados “ciclos cósmicos de vastas e

terrificantes proporções” (Ibid.: 105), quando os “eventos passageiros eram considerados” sem “significação real” (Ibidem), desconsideravam a associação entre eventos sociais e datas exatas como é usual, marcarmos no ocidente. Nesta direção, a realidade social do ponto de vista do antigo pensamento indiano era considerada uma grande ilusão, já que o tempo, era tido como um fator que ludibriava a visão humana para a busca de bens materiais.

Embora não possamos considerar que a teoria do tempo ritual em Leach denote momentaneidade como sustenta a filosofia dos hindus, para esse mesmo Leach o tempo não possui qualquer profundidade histórica, sendo o passado apenas o oposto do presente.

1.2.4. Os Maias

De todas as culturas conhecidas, a civilização dos maias era considerada a mais obcecada pela ideia de tempo, embora tenha sido destinada a permanecer

10 As fontes mais antigas, que tratam da cosmologia indiana, encontram-se nos textos sagrados do livro Rig

(44)

totalmente isolada tanto da Europa quanto da Ásia, até muito depois de seu declínio (WHITROW, 1993 [1988]: 109). Isto significa dizer que esta antiga civilização desenvolveu seu próprio sistema de valores e crenças não sofrendo a noção de tempo, quaisquer influências vindas do exterior.

Esta cultura que surgiu por volta do ano 1800 a. C., na região da Mesoamérica, e teve seu apogeu entre 600 e 900 d. C. e corresponde atualmente, ao sudeste da cidade do México, Belize, Guatemala e das partes setentrionais de Honduras incluindo a cidade de El Salvador desenvolveu segundo Skolimoski e Zanetic, interesses astronômicos, que tiveram um caráter muito mais religioso que científico ou filosófico (SKOLIMOSKI; ZANETIC, 2012: 408).

De acordo com Whitrow (1993), enquanto na antiguidade europeia os dias da semana eram considerados submetidos à influência dos principais corpos celestes – dia de saturno, dia do sol, dia da lua e assim por diante - para os maias, cada dia era representado por um deus sendo as divisões do tempo, representadas, segundo o mesmo autor:

[...] por cargas transportadas por uma hierarquia de carregadores divinos que personificavam os números pelos quais se distinguiam os diferentes períodos de tempo: dias, meses, anos, etc. [...] A despeito de sua constante preocupação com os fenômenos temporais, os maias nunca atingiram a ideia do tempo como a viagem de um único carregador com seu fardo. Sua concepção do tempo era mágica e politeísta. [...] Dias meses, anos, e assim por diante, eram todos membros de equipes de revezamento, avançando ao longo da eternidade. [...] A hierarquia de ciclos para cada divisão de tempo levou os maias a dedicarem maior atenção ao passado que ao futuro. [...] Assim, na visão de mundo maia não havia nenhum sentido de progresso, mas apenas uma mistura de passado, presente e futuro que tendiam todos a se tornar uma só coisa. (WHITROW, 1993 [1988]: 105-6).

(45)

tempo uma herança sagrada, cultuada no seio desta civilização (OREY; ROSA, 2004: 31).

Um padrão simbólico fundamental, constantemente identificado nos registros deixados pela cultura dos maias, era representado pela serpente

Crotalus durissus, encontrada em diversas regiões habitadas por esta civilização.

Associada ao nascimento, às mudanças existenciais e à morte, as serpentes personificavam segundo a simbólica dos maias, o movimento do tempo, que era interpretado como um “caminho” por onde as serpentes rastejam (Ibid.: 32).

Outro padrão considerado fundamental dentro da simbólica da cultura maia, era denominado de “esteira” ou “Árvore Sagrada da vida” por simbolizar e portar “os valores mágicos e sagrados dos números” (Ibid.: 32). Essas esteiras eram vinculadas aos deuses, aos períodos temporais e números sagrados, podendo ser identificados em artefatos e em monumentos construídos por esta antiga civilização. Cabe acrescentar que, na configuração geométrica dessa simbologia via de regra, encontravam-se estampadas pinturas e esculturas que denotavam a crença dessa cultura, no aspecto sagrado, em que figuravam interligados os quatro pontos cardeais do mundo, conectando no centro, passado, presente e futuro.

Na seqüência, apresentamos a imagem da “esteira sagrada da vida” que

ilustra essa interação:

Imagem

Figura 1: Ilustração da Ouroborus
Figura 3: Ilustração de Cronos devorando um de seus Filhos
Figura 5: Ilustração da Prova do Arco e dos Doze Machados  Fonte:  TORRANO, (1981:94)
Figura 6: Ilustração Esquemática do Binário Proposto em Leach  Fonte: LEACH, 1982:10.
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Referências

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