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Os conhecimentos de Filosofia se encontram na Parte IV dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio: Ciências Humanas e suas Tecnologias. Essa parte engloba os conhecimentos de História, Geografia, Sociologia e Filosofia. Os Parâmetros também preveem que, além dessas, sejam contemplados Antropologia, Política, Direito, Economia e Psicologia, não como disciplinas organizadas no currículo, mas como conhecimentos implícitos ou explícitos, presentes no conteúdo das aulas e atividades do Ensino Médio, a fim de garantir a formação do cidadão.

Os Parâmetros, ao organizar as quatro áreas do conhecimento (História, Geografia, Sociologia e Filosofia) em uma mesma área, visou rememorar as chamadas ―humanidades‖, existentes desde a chegada dos Jesuítas ao Brasil, no século XVI e que perduraram até as reformas pombalinas, no século XVIII. As humanidades englobavam o estudo das línguas (latim, grego, língua vernácula e principais línguas estrangeiras) e suas respectivas culturas, além do estudo de Filosofia, História e Belas Artes. E assim esse estudo das humanidades em nosso país correspondeu à formação moral e cultural da elite brasileira. Porém as humanidades foram, paulatinamente, devido ao desenvolvimento das ciências

humanas e a imposição da mentalidade positivista, sendo substituídas por disciplinas isoladas e determinadas.

Ao longo desse processo de desenvolvimento das Ciências Humanas, as humanidades foram progressivamente superadas na cultura escolar. Mas não foi só no Brasil que isso se deu. A História, a Sociologia, a Ciência Política, o Direito, a Economia, a Psicologia, a Antropologia e a Geografia – esta última, a meio caminho entre as Ciências Humanas e as Naturais – contribuíram por toda a parte para a superação das humanidades clássicas. Em sua constituição, voltaram-se para o homem, não com a preocupação de formá-lo, mas de compreendê-lo. Assim fazendo, passaram a circundar em torno de um mesmo objeto principal: o humano, explorado em todas as suas vertentes. (BRASIL, 2000b, p. 06).

O desenvolvimento das Ciências Humanas, na mentalidade positivista, esteve associado às Ciências da Natureza, que possuíam a finalidade de controlar e dominar a natureza. Da mesma forma, os positivistas viam nas Ciências Humanas a possibilidade de dominar o ser humano, em suas mais variadas manifestações. Segundo o texto:

(...) a História cumpriu a tarefa de construir uma identidade e uma memória coletivas, a fim de glorificar e legitimar os feitos dos Estados nacionais; a Sociologia traçou estratégias para ordenar e reordenar as novas relações sociais; a Ciência Política ocupou-se do poder, de como constituí-lo e regrá- lo; o Direito encarregou-se de construir um aparato legal e processos jurídicos para a conservação ou renovação da ordem social; a Economia voltou-se para a otimização e o controle da produção e das trocas de bens; a Psicologia procurou compreender e amenizar o impacto das transformações sobre os comportamentos humanos; a Antropologia, em sua vertente etnográfica, lançou-se à descrição dos povos ―exóticos‖, que a expansão econômica e política das grandes potências capitalistas necessitava submeter; e a Geografia serviu para mapear as potencialidades dos territórios nacionais ou daqueles a serem conquistados, além de exaltar as riquezas de cada ―solo pátrio‖ (Ibidem, p. 06).

Essa cosmovisão positivista que esteve presente nas Ciências Humanas foi abalada devido à entrada do marxismo no país, que se revelou fortemente no ensino. O marxismo proporcionou novos estudos e fez com que as Humanidades repensassem o seu papel na sociedade; ao invés de garantir o status quo, passaram a querer mudá-lo. Após a Primeira Guerra Mundial e devido às crises econômicas que a ela se seguiram, nos anos 30, as correntes marxistas criticaram a fragmentação presente nos estudos de viés positivista. Houve uma tentativa de interdisciplinaridade, surgindo novas disciplinas: antropohistória, geohistória, sociolinguística, história e geografia econômicas entre outras.

Em nosso país, após o golpe militar de 1964, as Ciências Humanas, agora representando um perigo à estabilidade política, foram cerceadas e algumas

excluídas do currículo. No ensino fundamental, antigo Ensino de Primeiro Grau, as disciplinas de História e Geografia foram excluídas e substituídas por Estudos Sociais, que incluíam a Educação Moral e Cívica, com caráter moralizante. A Filosofia foi substituída pela: Organização Social e Política do Brasil, que podia ou não conter elementos da Filosofia, Sociologia e Psicologia, sem obrigatoriedade, e, se estivessem presentes, não era permitido o caráter questionador.

A alegação dos militares era que essas disciplinas roubavam o tempo do estudo de disciplinas de maior importância, tais como: Língua Portuguesa e Ciências Exatas. O ensino, então, seguiu a lógica tecnoburocrática, aos moldes do positivismo, e as Ciências Humanas perderam o seu prestígio, tanto no ensino como na sociedade, em geral.

O fim dos ―anos de chumbo‖ e as necessidades estruturais apresentadas no item 1.3 deste trabalho exigiram uma mudança na perspectiva do Ensino das Ciências Humanas. Os Parâmetros procuraram sintetizar as humanidades e as ciências, de forma complementar e não excludente, a fim de superar a visão positivista e fragmentada do ensino. Nessa perspectiva de síntese, o documento se volta à crítica do avanço das tecnologias, reconhece suas conquistas, mas reflete sobre o vazio deixado pelo mundo tecnológico.

Nesta passagem de século e de milênio, em meio aos enormes avanços trazidos pela ciência e pela tecnologia, mas também em meio às angústias e incertezas, a sociedade brasileira, representada por seus educadores, dos mais variados níveis escolares, em diálogo com o poder público, constrói a oportunidade de atualizar sua educação escolar, dotando-a de recursos para lidar com os imperativos da sociedade tecnológica, sem descuidar do necessário resgate da tradição humanista (Ibidem, p. 08).

O objetivo não é descartar a tecnologia, o que de antemão é impossível, mas refletir sobre a tecnologia e colocá-la a serviço da humanidade. Esse objetivo dos Parâmetros atende às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDBEN de 1996: ―o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho‖ (Art. 2º). E às finalidades que essa lei determina para o Ensino Médio em seu artigo 35º:

O Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidade:

I - a consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

III - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

A perspectiva da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é que o aluno tenha conhecimentos que lhe deem bases cognitivas para sua futura vida profissional, em especial que ele tenha conhecimentos das novas linguagens tecnológicas e, ao mesmo tempo, que ele seja capaz de refletir sobre o uso dessas tecnologias, que perceba o seu impacto no planeta e na vida cotidiana e as use para o bem comum. Para tal, os Parâmetros fazem menção aos Quatro Pilares da Educação para o Século XXI, propostos, sob a coordenação de Jacques Delors,

pela Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, da UNESCO7.

O pilar ―Aprender a Conhecer‖ propõe que o ensino deve despertar no

estudante o desejo de saber, de conhecer cada vez mais e com mais profundidade, de pesquisar a fim de buscar o novo e de recriar o velho. Esse pilar não nega o estudo de conteúdos, mas esses não se findam em si mesmo, ao contrário, eles devem abrir à curiosidade dos estudantes e possibilitar aos alunos que formem suas próprias opiniões acerca dos conteúdos propostos em sala de aula. O pilar ―Aprender a Fazer‖ propõe que os estudantes saibam aplicar os conhecimentos estudados em seus afazeres profissionais, ou seja, aplicar a teoria à prática, tendo em vista que o mundo, no século XXI, está em constante evolução. O pilar ―Aprender a Conviver‖ propõe que saibamos conviver uns com os outros, com os que são diferentes de nós, pois, dentro da diferença, é possível encontrar as semelhanças e os objetivos comuns a fim de que construamos juntos novos caminhos, que se constituiriam a partir da convivência com a diferença. O pilar ―Aprender a Ser‖ propõe que o ensino se volte para o humano, que passa a ser o centro da reflexão. O ser humano não se forma isolado, mas na convivência com os demais, família, cidade, estado, planeta. Esse pilar depende dos outros três, e, ao mesmo tempo, completa o sentido de todos eles, pois o ser humano é formado a partir da convivência com o semelhante, em uma ação ética, com seus conhecimentos profissionais e acadêmicos. Esses pilares são a base para a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias, segundo os Parâmetros:

7

No Brasil, o Relatório foi publicado em forma de livro, na obra: DELORS, Jacques (org.) Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/UNESCO, 1998.

Tais princípios são a base que dá sentido à área de Ciências Humanas e suas Tecnologias. O trabalho e a produção, a organização e o convívio sociais, a construção do ―eu‖ e do ―outro‖ são temas clássicos e permanentes das Ciências Humanas e da Filosofia. Constituem objetos de conhecimentos de caráter histórico, geográfico, econômico, político, jurídico, sociológico, antropológico, psicológico e, sobretudo, filosófico. Já apontam, por sua própria natureza, uma organização interdisciplinar. Agrupados e reagrupados, a critério da escola, em disciplinas específicas ou em projetos, programas e atividades que superem a fragmentação disciplinar, tais temas e objetos, ao invés de uma lista infindável de conteúdos a serem transmitidos e memorizados, constituem a razão de ser do estudo das Ciências Humanas no Ensino Médio (Ibidem, p.09).

O objetivo de resgatar ―as humanidades‖ se deve à necessidade de enfrentar a fragmentação no ensino, pretende-se que as disciplinas se comuniquem entre si, em um movimento interdisciplinar. E que se volte à concretização dos quatros pilares, propostos pela UNESCO.