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O primeiro tocou a trombeta: granizo e fogo, em mistura com sangue, caíram sobre a terra; a terça parte da terra ardeu, um terço das árvores ardeu e toda erva verde ardeu. (BÍBLIA, 1995, p. 1522).

Edgar Morin, ao analisar a conjuntura atual, afirma que nós estamos vivendo um momento decisivo da história da humanidade, que é, segundo o filósofo: ―última oportunidade ou desgraça última para a humanidade‖ (1997, p. 117). A chamada do autor nos convida a refletir sobre os atuais problemas que assolam a humanidade, neste início do terceiro milênio. Os problemas são de ordem global, ou seja, eles não

são oriundos de um local particular e isolado, mas brotam de todos os cantos do

planeta11, e suas consequências atingem toda a humanidade, sem exceção,

incluindo não só os que são responsáveis diretos por eles, mas também os que não são culpabilizados. Destacamos, a seguir, alguns desses problemas, que ameaçam a continuidade da vida humana.

A utilização da energia nuclear revela a sua periculosidade, na ação bélica, como o ocorrido nos bombardeios das cidades de Hiroshima e Nagasaki, em 1945; nas ameaças de que países como Coréia do Norte, Índia, Irã, Paquistão repitam a barbárie da Segunda Guerra Mundial; no perigo de que grupos extremistas e terroristas tenham acesso a esse tipo de armamento. E, além da ameaça da utilização militar dessa energia, ela também se mostra perigosa nos acidentes ocorridos em usinas de energia nuclear, tais como o de Chernobyl, em 1986, e o de Fukushima, em 2011, entre outros. Esses acidentes nos revelam que não há formas seguras na utilização desse tipo de energia.

Encontramos também problemas oriundos de outras formas de geração de energia. O petróleo, além de ser um dos grandes responsáveis pelas atuais guerras, também apresenta acidentes de grande impacto ambiental. Destacamos o naufrágio do superpetroleiro Exxon Valdez, em 1989, que liberou cerca de 41 milhões de litros de petróleo no oceano. E o vazamento de petróleo, por mais de três meses, ocorrido após a explosão de uma plataforma norte-americana, que estava sob concessão da empresa petroleira British Petróleo (BP), no Golfo do México, em 2010. Esse

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O Capitalismo atinge praticamente todos os cantos do planeta e estabelece o seu modelo de produção, exploração e destruição. Assim, por exemplo, uma hidrelétrica é construída em terras indígenas ou de pequenos camponeses, expulsando-os de suas moradas. Uma indústria, atrás de mão de obra barata, se estabelece em um país pobre, de cultura agrícola, e suga dos trabalhadores e do meio natural a força de produção e matérias-primas necessárias para a industrialização, desrespeitando os direitos humanos e degradando a natureza.

Marx e Engels, a esse respeito, dizem: ―Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para desespero dos reacionários, ela retirou à indústria sua base nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a sê-lo diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, indústrias que não empregam mais matérias-primas autóctones, mas sim matérias-primas vindas das regiões mais distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio país, mas em todas as partes do globo. Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades, que reclamam para sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias, desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isto se refere tanto à produção material como à produção intelectual‖ (2009, p. 58).

acidente superou o ocorrido com o Exxon Valdez em até 112 vezes, em relação ao nível de petróleo despejado na natureza.

A energia hidrelétrica não fica atrás em relação ao impacto ambiental. A construção de uma usina hidrelétrica demanda a extinção de várias espécies da fauna e flora, a expulsão de moradores, atingidos por conta da construção de barragens. Um exemplo desse fato se relaciona com as polêmicas em torno do projeto de construção da usina de Belo Monte, às margens do rio Xingu. O governo brasileiro se mostrou irredutível no desejo de construção da usina, mesmo diante dos pedidos oficiais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 05 de abril de 2011, e do Ministério Publico Federal do Pará, em 27 de janeiro de 2011, como também de grupos indígenas, organizações ambientalistas e de proteção aos direitos humanos.

A corrida frenética para a produção enérgica se dá em virtude da necessidade de produzir energia para o processo de transformação da natureza, nos moldes do pensamento moderno, que a humanidade realiza desde a Revolução Industrial, em meados do século XVIII.

O pensamento moderno dessacralizou a natureza, que deixou de ser nossa terra-mátria, nossa Pacha Mama para se tornar a nossa serva, de onde retiramos o lucro desejado. Nas palavras de Francis Bacon (1561 – 1626), filósofo precursor do pensamento moderno: ―a natureza tem que ser acossada em seus descaminhos, obrigada a servir e escravizada, deve ser reduzida à obediência e o objetivo do cientista é extrair da natureza, sob tortura, todos os seus segredos‖ (apud CAPRA, 1982, p. 52).

Essa ideia de Bacon se tornou dogma nos anos subsequentes. O ser humano torturou e escravizou a natureza; visando o lucro, ele produziu a ciência moderna, que desenvolveu técnicas de extração e domínio dos recursos naturais. A ciência moderna, segundo Morin: ―[...] exclui todo juízo de valor e todo retorno à consciência do cientista; a técnica é puramente instrumental; o lucro invade todos os campos, inclusive os seres humanos e os seus genes‖ (2007, p.165).

A humanidade sofre, hoje, os efeitos do processo de transformação da natureza, nos moldes industriais. Nós assistimos a uma verdadeira ―rebelião‖ da

natureza contra a forma como tem sido tratada nos últimos séculos, que se manifesta no aquecimento global e suas consequências catastróficas; no aumento no nível de precipitação (chuvas e nevascas); no avanço do nível da água dos oceanos, o que, em breve, poderá fazer com que países inteiros desapareçam como, por exemplo, os Países-Baixos europeus e as ilhas Maldivas; na desertificação de regiões, antes tropicais; no crescimento da ocorrência de furacões, tufões e ciclones etc.

O processo de industrialização, além das consequências advindas do aquecimento global, polui os rios, os mares, a atmosfera, as paisagens naturais. Animais e plantas estão morrendo e algumas espécies são extintas. O lixo industrial é cada vez mais difícil de ser eliminado e tem aumentado cotidianamente. Segundo Morin:

Assim, fomos levados a ignorar os nevoeiros do desenvolvimento industrial. Ignoramos, por exemplo, que os dejetos dos principais produtos do progresso poderiam multiplicar-se e transformar-se em seus principais produtos, sempre mais dificilmente elimináveis, ao passo que seus principais e benéficos produtos poderiam reduzir-se, transformando-se em subprodutos; e, tudo isso, não somente na esfera dos efeitos exteriores do desenvolvimento industrial (poluição, sujeiras, degradações ecológicas), mas no interior das vidas cotidianas (vantagens libertadoras da vida urbana e dos bens disponíveis, sempre mais compensados pelas mutilações da existência especializada, pela perda das solidariedades, pela automação dos indivíduos, pela submissão de corpos e espíritos aos ritmos cronometrados pelas máquinas) (2010, p. 30).

O processo de industrialização não atinge apenas a natureza, como também o próprio ser humano, que faz parte da natureza pela sua constituição biogenética, mas separado dela por meio de sua cultura. A industrialização, produto da ação humana em um processo recursivo, forma o nomos cultural de um novo humano. A cultura fabril condiciona o humano, sua vida passa a ser ditada pela lógica inerente à máquina. O ser humano passa a ser visto como mera peça viva de produção. E ele, assim, se define; ele reduz a totalidade de seu ser e sua identidade é dada pela sua profissão, ou seja, pelo que ele produz.

Os grandes centros industriais se tornaram cidades-dormitórios, onde as pessoas vivem isoladas umas das outras; os antigos laços de solidariedade se tornam raridade; a violência está espalhada na sociedade. Ela se manifesta no seio familiar, nas escolas, nas ruas, no trânsito, nas guerrilhas urbanas entre facções, entre policiais e criminosos.

O processo de morte e destruição, que a humanidade vem realizando, nos últimos séculos, reflete diretamente na vida particular das pessoas. Muitas estão vivendo uma vida sem sentido, entregando-se às drogas ilícitas ou precisando de drogas lícitas para dormir, para ficar acordadas, para se relacionar com os outros, para fazer sexo. Segundo Morin:

Enfim, a morte ganhou espaço em nossas almas. As forças autodestrutivas, latentes em cada um de nós, foram particularmente ativadas, sob o efeito de drogas pesadas como a heroína, por toda parte onde se multiplica e cresce a solidão e a angústia. (2000, p. 71).

Podemos perceber esse desespero e vazio que as pessoas estão vivendo no aumento do número de suicídio e de hospitais psiquiátricos. Segundo Morin: ―De 1962 a 1997 multiplicou por três o número de suicídios e hospitais psiquiátricos‖ (1997, p. 140). A atual forma de organização da sociedade impede ou, ao menos, dificulta a realização das pessoas. As pessoas, vivendo sozinhas, sem um sentido para a sua vida, vivem desesperadas, estressadas, buscando a todo o custo encontrar a felicidade. Talvez os locais, onde elas a procuram não sejam os locais corretos e talvez aquilo que elas acreditam ser a felicidade também não o seja.

As pessoas são movidas pela cultura moderna na qual estão inseridas; ao buscar as benesses ofertadas por ela, já que essas benesses se tornam sinônimo de felicidade, a cultura é, então, reforçada pelo desejo de felicidade das pessoas, que por sua vez, exigem mais esforço das pessoas. Para Morin:

A cultura de massa delineia uma figura particular e complexa da felicidade: projetiva e identificativa simultaneamente. A felicidade é mito, isto é, projeção imaginária de arquétipos de felicidade, mas ao mesmo tempo idéia-força, busca vivida por milhões de adeptos. Esses dois aspectos estão, em parte, radicalmente dissociados, em parte, radicalmente associados. (1975, p. 110).

A cultura moderna, a sociedade e o sujeito são movidos por uma ideia-força de felicidade. Para compreendermos a forma como se dá esse movimento, se faz necessário compreender o impacto que têm as ideias para o ser humano e para a sociedade e o que são para o ser humano essas ideias que atuam dentro da ecologia das ideias.