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4.3 O Neoliberalismo e Os Parâmetros Curriculares Nacionais

4.3.1 Do Estado à Confederação das Nações

O pensamento complexo é favorável à existência de um Estado forte, que possa intervir e regular as relações econômicas e sociais. Mas é contra um Estado absoluto que elimine a liberdade e os direitos adquiridos pelos cidadãos. Essa

intenções. Aliás, nem sempre é pior para a sociedade que esse objetivo não faça parte das intenções do indivíduo. Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê-lo. Nunca ouvi dizer que tenham realizado grandes coisas para o país aqueles que simulam exercer o comércio visando ao bem público. Efetivamente, é um artifício não muito comum entre os comerciantes, e não são necessárias muitas palavras para dissuadi-los disso.

É evidente que cada indivíduo, na situação local em que se encontra, tem muito melhores condições do que qualquer estadista ou legislador de julgar por si mesmo qual o tipo de atividade nacional no qual pode empregar seu capital, e cujo produto tenha probabilidade de alcançar o valor máximo. O estadista que tentasse orientar pessoas particulares sobre como devem empregar seu capital não somente se sobrecarregaria com uma preocupação altamente desnecessária, mas também assumiria uma autoridade que seguramente não pode ser confiada nem a uma pessoa individual nem mesmo a alguma assembleia ou conselho, e que em lugar algum seria tão perigosa como nas mãos de uma pessoa com insensatez e presunção suficientes para imaginar-se capaz de exercer tal autoridade‖ (1996, p. 429-30).

concepção de Estado com respeito à liberdade é semelhante à trazida pelos Parâmetros.

O pensamento complexo, porém, não estaciona na noção de Estado; ele objetiva a criação da Terra-Pátria e essa prevê, dentre outras, a criação de uma confederação de nações, com poder decisório e forças para agir em defesa do ser humano, do meio ambiente, para mediar conflitos etc. Segundo Morin:

Como organizar o planeta? Trata-se não de sonhar com um governo mundial ou com a abolição dos Estados, mas pensar numa confederação de confederações das nações associadas, dispondo cada uma delas de um estado autônomo. Evidentemente dotado de instâncias planetárias para os problemas vitais que são, obviamente, problemas mortais. Daí a necessidade da dupla ordem: autonomia/associação (1997, p. 127).

As instituições planetárias existentes hoje ou não possuem forças suficientes para solucionar os problemas globais ou o seu poder está associado aos interesses das grandes potências e do mercado econômico. A necessidade de buscar soluções em conjunto para os problemas existentes, aliás gigantescos, pode motivar a participação das nações nessa confederação, bem como uma refundação das instituições existentes. De acordo com Morin, Ciurana e Motta:

É necessário, porém, levar em consideração duas carências. Em primeiro lugar, faltam instâncias mundiais que assumam os problemas fundamentais de dimensão planetária [...] Para a guerra e a paz temos as Nações Unidas, mas a Organização das Nações Unidas (ONU) carece de verdadeiros poderes e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é uma aliança parcial para a defesa e a guerra, não para a paz planetária. Falta também uma instância ecológica, porque é muito possível que decisões como as tomadas em Kyoto não sejam levadas a termo. Falta igualmente uma instância econômica capaz de regular a economia de forma alternativa à realizada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O mesmo ocorre com a ausência de uma instância que proteja as culturas. Falta uma instância capaz de decidir sobre problemas de vida ou morte para o planeta, (2003, p. 92-3).

Política de civilização reconhece, dentre as suas estratégias, o fortalecimento das partes em vista do todo e, simultaneamente, o fortalecimento do todo em vista das partes. Assim, as nações são as partes do todo e a conferência das nações é o todo das partes. Logo, os Estados-Nação devem ter poder suficiente a fim de aplicarem as decisões da Conferência das Nações, o que descarta a hipótese de Estado Mínimo. As nações devem também ter isonomia, em especial, os países pobres e pequenos, não só de voto, mas do direito de expressarem suas reivindicações e opiniões.

As diversas etnias que são engolidas por nações, que não as consideram como membros, também devem ter voz ativa, fazendo-se respeitar dentro da Confederação. Esse é um dos problemas decorrentes de um Estado forte, que pode fazer valer a sua força militar e ideológica para calar as minorias. Por isso, a Confederação deve não só ter propostas de ordem política, mas também trabalhar em prol da construção de uma nova cultura, como dissemos no capítulo anterior, um novo Nomos, que respeite as individualidades locais, e que pense essas particularidades em vista do todo.

A civilização planetária escapa aos anseios dos Parâmetros; o documento entende que o mundo está globalizado e as relações pessoais, políticas e econômicas se dão dentro dessa aldeia global e, assim, as pessoas precisam se compreender tanto como cidadãos nacionais como cidadãos do mundo. Porém o texto não preza uma identidade planetária, pretende que o reconhecimento de cidadãos do mundo leve os educando a assumirem a identidade nacional frente ao mundo globalizado. De acordo com os Parâmetros:

Frente às imposições de uma economia e de uma rede de informações cada vez mais globalizadas, urge assegurar a preservação das identidades territoriais e culturais, não como sobrevivências anacrônicas, mas como realidades sociais constitutivas de sentido vivencial para os diversos grupos humanos. Nesse sentido, a Geografia, a Antropologia e também a História têm um significativo papel a desempenhar na formação dos futuros cidadãos, entendendo-se estes quer como cidadãos de uma nação, quer como cidadãos do mundo.

Em um mundo globalizado, em que culturas e processos políticos e econômicos parecem fugir ao controle e ao alcance, a construção de identidades solidamente alicerçadas em conhecimentos originados nas Ciências Humanas e na Filosofia constitui condição imprescindível ao prosseguimento da vida social, evitando-se os riscos da fragmentação ou da perda de referências existenciais, responsável por variadas formas de reação violentas e destrutivas (BRASIL, 2000b, p.13; grifo nosso).

Os Parâmetros têm, sim, uma preocupação positiva, pois objetivam gerar competências e habilidades para que os alunos não deixem que as políticas globalizadas, que atualmente tendem ao neoliberalismo, continuem gerando pobreza e exploração no país. E que o país, por meio da ação política de seus cidadãos, saiba se impor dentro das relações econômicas da aldeia global e defender os interesses nacionais. Tomemos emprestada uma citação dos Conhecimentos de Geografia:

[...] um importante conjunto de conceitos refere-se à globalização, técnica e redes. É necessário ter clareza que a globalização é um fenômeno

decorrente da implementação de novas tecnologias de comunicação e informação, isto é, de novas redes técnicas, que permitem a circulação de idéias, mensagens, pessoas e mercadorias num ritmo acelerado, e que acabaram por criar a interconexão entre os lugares em tempo simultâneo. Neste processo, tiveram papel destacado a instalação de redes técnicas, incluindo-se a indústria cultural, a ação de empresas multinacionais e a circulação do capital, que intensificaram as relações sociais em escala mundial, interligando localidades distantes, de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorridos a milhares de quilômetros de distância (Ibidem, p. 32-3).

A globalização, na visão do documento, se dá em virtude da técnica e das redes de comunicações, econômicas e políticas entre as nações, modificando a estrutura produtiva em esfera global e afetando a particularidade dos países. A compreensão dos mecanismos de funcionamento da aldeia global é uma necessidade para que haja o crescimento nacional.

Essa concepção dos Parâmetros está em acordo com as propostas nacionalistas, colocadas pelos intelectuais da esquerda brasileira, tais como:

Florestan Fernandes73 e Darcy Ribeiro74, que objetivavam a construção de políticas

de independência e desenvolvimento econômico dos países latino-americanos. A Escola, para esses educadores, deve preparar as pessoas para a cidadania, por meio de estratégias culturais, identificação nacional e emancipação da classe trabalhadora.

Os Parâmetros, ao pretenderem criar um projeto nacionalista para o desenvolvimento econômico e social para o povo brasileiro, objetiva reverter às mazelas oriundas da exploração estrangeira. Haja vista que a história do povo brasileiro, nos últimos 500 anos, foi marcada pela exploração colonial ou neocolonial. Iniciou-se no século XVI, com a colonização portuguesa, passando pelo domínio inglês, a partir do Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas, que abriu os portos brasileiros à Inglaterra, em 1808; e por fim, houve a dependência aos

73 Segundo Fernandes: ―Dessa perspectiva, a Independência pressupunha, lado a lado, um elemento

puramente revolucionário e outro elemento especificamente conservador. O elemento revolucionário aparecia nos propósitos de despojar a ordem social, herdada da sociedade colonial, dos caracteres heteronômicos aos quais fora moldada, requisito para que ela adquirisse a elasticidade e a autonomia exigidas por uma sociedade nacional. O elemento conservador evidenciava-se nos propósitos de preservar e fortalecer, a todo custo, uma ordem social que não possuía condições materiais e morais suficientes para engendrar o padrão de autonomia necessário à construção e florescimento de uma nação [...]‖ (1976, p. 32-3; grifo nosso).

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Darcy Ribeiro, no Prefácio de O Povo Brasileiro, adverte o leitor sobre suas pretensões, com aquela obra; segundo o antropólogo: ―Portanto, não se iluda comigo, leitor. Além de antropólogo, sou homem de fé e de partido. Faço política e faço ciência movido por razões éticas e por um fundo de patriotismo. Não procure, aqui, análises isentas. Este é um livro que quer ser participante, que aspira a influir sobre as pessoas, que aspira a ajudar o Brasil a encontrar‐se a si mesmo‖ (1995, 11).

Estados Unidos da América, em especial, a partir da Primeira Guerra Mundial (1914- 1918).

O nacionalismo, porém, se for exacerbado, pode atrapalhar a construção e a efetivação das propostas planetárias. O pensamento complexo não é contra a nação, ao contrário, pretende que essas sejam fortes o suficiente para poderem agir em defesa dos interesses dos cidadãos. Porém, os interesses econômicos podem ser postos em primeiro lugar e deixar para segundo plano a adesão das propostas planetárias. Segundo Morin; Ciurana; Motta: ―[...] O perigo não são as nações, mas o nacionalismo, que se recusa em aceitar a construção de instâncias coletivas em superior à da nação, encarregadas de assumir e solucionar problemas supranacionais‖ (2003, p. 89).