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Somos, ao mesmo tempo, parte viva do Planeta Terra e filhos dele. Para nos constituirmos como indivíduos, pegamos, por um pequeno espaço de tempo, átomos e moléculas terrestres, que são trocados interruptamente com a natureza, durante toda a nossa vida até que se finde a nossa curta existência, momento esse, no qual devolvemos definitivamente à Terra o que ela nos dera, mas que nunca deixou de ser seu. Assim, somos somados a todos os outros seres vivos e inanimados. O planeta Terra se releva na totalidade dos seres, e também em cada parte, na individualidade de cada ser. Porém, pela nossa cultura, nosso modo de pensar, nos separamos da natureza da qual fazemos parte e nos tornamos estranhos a ela que, por sua vez, se torna um mistério para nós. Estando separados da Terra, como seus filhos, nós, em um círculo recursivo, moldamos à nossa imagem e semelhança a Terra que nos criou, tornando-a humanizada. Segundo Morin:

Somos originários do cosmos, da natureza, da vida, mas, devido à própria humanidade, à nossa cultura, à nossa mente, à nossa consciência,

tornamo-nos estranhos a este cosmos, que nos parece secretamente íntimo. Nosso pensamento e nossa consciência fazem-nos conhecer o mundo físico e distanciam-nos dele. O próprio fato de considerar racional e cientificamente o universo separa-nos dele. [...] (2000, p. 51).

Conforme vimos no segundo capítulo, nós estabelecemos com a Terra uma relação de dominação e a tornamos nossa serva, da qual tiramos os recursos a fim de obtermos lucros. Os objetivos da ética e política de civilização pretendem que mudemos nossa forma de nos relacionar com ela e, assim, restabelecermos uma relação filial. A Terra, então, deve tornar-se nossa comunidade de destino, porque o destino da espécie humana e o destino de cada indivíduo estão ligados ao destino da Terra. Em outras palavras: Se a vida no planeta morre, a humanidade e o ―eu‖ morrem juntos. De acordo com Morin & Kern:

A ―comunidade de destino‖ terrestre aparece-nos então em toda a sua profundidade, sua amplidão e sua atualidade. Todos os humanos partilham o destino da perdição. Todos os humanos vivem no jardim comum à humanidade. Todos os humanos são arrastados na aventura comum da era planetária. Todos os humanos estão ameaçados pela morte nuclear e a morte ecológica. Todos os humanos sofrem a situação agônica da transição do milênio.

Precisamos fundar a solidariedade humana não mais numa ilusória salvação terrestre, mas na consciência de nossa perdição, na consciência de nossa pertença ao complexo tecido pela era planetária, na consciência de nossos problemas comuns de vida ou de morte, na consciência da situação agônica de nosso fim de milênio (2000, p. 186).

A ontologia humana é constituída de nossa estrutura biológica e de nossa cultura. O pensamento complexo objetiva, para além de um medo apocalíptico oriundo das atuais ameaças, estabelecer uma relação de amor com a Terra e a partir dessa relação, um novo Nomos: a Terra-Pátria. Assim, da mesma forma que os gregos criaram o estado democrático, este, em um movimento dialógico, recriou os cidadãos gregos, que atuaram para implantar a democracia. A Terra-Pátria deve marcar profundamente o sujeito e constituir culturalmente o seu Ser a fim de que este trabalhe para construí-la.

O novo Nomos: A Terra-Pátria se torna uma exigência no mundo complexificado. O Planeta é o que a humanidade inteira tem em comum, nosso jardim comum. E, em um mundo globalizado, nós compartilhamos não mais um pedaço de terra do tamanho da tribo, cidade e estado, mas somos coabitantes de toda a Terra. Os problemas particulares de um canto do Planeta afetam diretamente os problemas globais, que assolam as partes do globo. As buscas por soluções,

portanto, devem ser globais, mas sempre visando a particularidade de cada problema específico.

Não podemos prever quais serão os resultados da união de pessoas de diferentes ideologias trabalhando em prol da Terra-Pátria, simplesmente pelo fato de ser algo novo e, se é novo, nós não podemos conhecer, pois se já o conhecêssemos, ele não seria novo e sim velho. O novo pressupõe a criação e a recriação do velho. Os gregos, por exemplo, criaram leis democráticas, que eram impensadas no período aristotélico, tal como o uso do sorteio para escolher os magistrados.

Ao projetarmos o futuro, fazemos uma aposta, sem certezas de resultados; são caminhos na desesperança, mas com esperança de que é possível a regeneração do tecido social e do ser humano. Nós pensamos e projetamos o futuro a partir do presente. E, ao caminharmos, nós mudamos a realidade e a realidade nos modifica e, ao mesmo tempo, somos modificados, educados, dentro do movimento dialógico. Assim, entendemos a consideração de Marx, na Terceira Tese, em Teses contra Feuerbach:

A doutrina materialista sobre a mudança das contingências e da educação se esquece de que tais contingências são mudadas pelos e que o próprio educador deve ser educado. [...] A coincidência da alteração das contingências com a atividade humana e a mudança de si próprio só pode ser captada e entendida racionalmente como práxis revolucionária. (1998, p. 100).

Apostamos na criação e reestruturação de instâncias planetárias, como a Organização das Nações Unidas (ONU), que devem ser capazes de atuar no contexto global e na particularidade de cada região e de seus problemas. E essas ganharão consistências a partir do florescimento de instâncias locais, que estejam em união com as instâncias planetárias.

A civilização de uma sociedade-mundo requer a construção de novas entidades planetárias. A geopolítica dessas entidades concentrar-se-ia sobre o reforço e desenvolvimento dos imperativos de associação e cooperação. uma geopolítica. Esta geopolítica requer redes associativas que criem e alimentem uma consciência cívica planetária que, por sua vez, alimente a inter-relação e a recursividade entre o contexto local, o indivíduo e o contexto planetário. (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2003, p. 110).

As instâncias planetárias, assim, como as contracorrentes, estão surgindo em nossa realidade. Algumas são pensadas e articuladas, tal como o Fórum Social Mundial (FSM) iniciado em 2001, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul,

Brasil, em contraposição à agenda neoliberal determinada, sobretudo, nas reuniões do G7 (Grupo de países mais ricos do mundo mais a Rússia) realizadas nas montanhas de Davos, na Suíça. E outras articuladas em redes sociais, tais como as manifestações ocorridas na Primavera Árabe, que levaram milhares de pessoas às ruas, a fim de reivindicarem por mais liberdade e pelo fim de ditaduras. A política de civilização visa ao fortalecimento dessas instâncias planetárias e, ao mesmo tempo, suas resoluções e propostas devem marcar o Ethos do sujeito. Os esforços e as conquistas das variadas contracorrentes e instâncias planetárias devem ser transformadas em leis. E essas marcar o cidadão planetário.

O Nomos planetário necessita da religação dos saberes, dispersos pelo pensamento moderno. Uma ação sobre um objeto ou sobre o próprio homem traz várias consequências. Para que haja mudança, é necessário o entendimento das interconexões entre os saberes. O pórtico da Academia de Platão trazia a seguinte advertência: "Não entre aqui quem não souber Geometria". Matemática e Filosofia eram concebidas juntas, como também eram: Medicina, Geografia entre outras. Os conhecimentos, atualmente, estão dispersos e quase incomunicáveis, por exemplo,

a expressão matemática de Werner Heisenberg (1901 – 1976; premio Nobel de

Física, em 1932) sobre o princípio da incerteza: , é praticamente

desconhecida, para a maioria dos estudiosos das áreas humanas.

Os saberes foram fragmentados, como vimos no segundo capítulo, a fim de promover a dominação do ser humano pelo ser humano e desse sobre a natureza. O pensamento complexo visa religar os saberes desconectados a fim de que esses voltem ao sujeito do conhecimento como um novo Nomos, ou seja, os resultados da análise complexa devem exigir que o sujeito e a sociedade deem novas respostas aos problemas existentes. E o ato de respondê-los gera uma nova forma de pensar e agir. Segundo Morin:

[...] o sentido do palavra consciência é intelectual. Trata-se da aptidão auto- reflexiva que é a qualidade-chave da consciência. O pensamento científico é ainda incapaz de se pensar, de pensar sua própria ambivalência e sua própria aventura. A ciência deve reatar com a reflexão filosófica, como a filosofia, cujos moinhos giram vazios por não moer os grãos dos conhecimentos empíricos, deve reatar com as ciências. A ciência deve reatar com a consciência política e ética O que é um conhecimento que não se pode partilhar, que permanece esotérico e fragmentado, que não se sabe vulgarizar a não ser em se degradando, que comanda o futuro das sociedades sem se comandar, que condena os cidadãos à crescente

ignorância dos problemas de seu destino? Como indiquei em meu prefácio de abril de 1982: "Uma ciência empírica privada de reflexão e uma filosofia puramente especulativa são insuficientes, consciência sem ciência e ciência sem consciência são radicalmente mutiladas e mutilantes..." (2005a, p. 11).