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Como um sistema vivo, a família se desenvolve, ao longo do tempo, exigindo novas adaptações de todos os seus membros. Seu desenvolvimento insere-se no que os autores denominam de crises regulares ou previsíveis por serem estressores do sistema (Minuchin & Fishman, 1990; Sampaio & Gameiro, 1998; Carter & McGoldrick, 2001), pois são intrínsecas ao ciclo vital da família ou ciclo de vida familiar. Para Carter e McGoldrick (2001), o estresse familiar torna-se maior nas transições entre um estágio e seu subseqüente (denominadas transições normativas) e os sintomas tendem a aparecer, podendo culminar em rompimentos, quando a família não consegue adequar-se às transições.

O desenvolvimento familiar é definido dessa forma:

O desenvolvimento da família, de acordo com este modelo, transcorre em etapas que seguem uma progressão de complexidade crescente. Há períodos de equilíbrio e adaptação, caracterizados pelo domínio das tarefas e atitudes pertinentes. Há também períodos de desequilíbrio, que se originam de ambos, individual e contexto. Isto resulta em um salto para um estágio novo e mais complexo, no qual se desenvolvem novas tarefas e habilidades” (Minuchin & Fishman, 1990, p. 32).

Idéias importantes a respeito dos ciclos vitais são desenvolvidas por Rosset (2003), que os coloca como etapas em que ocorrem aprendizagens específicas em cada ciclo, no qual novas conquistas são feitas e velhos padrões são abandonados, bem como considera a família como um espaço especial para as aprendizagens em cada nova etapa do desenvolvimento, pois nela convivem pessoas em fases diferenciadas do ciclo vital.

A autora também faz uma divisão entre o que define como ciclos vitais previsíveis e especiais, sendo os primeiros passíveis de acontecer em todas as famílias e os últimos que podem ocorrer ou não nas famílias, mas que acabam propiciando crises, reformas e reformulações.

Segundo Cerveny e Berthoud (2002, p. 22 e 23), existem várias descrições dessas etapas do ciclo vital de acordo com diferentes marcos, conforme descrição abaixo:

Duvall (1957)

Casal sem filhos

Famílias com filhos até 30 mesesFamílias com crianças em idade pré-

escolar (2 ½ a 6 anos)

Famílias com crianças em idade escolar (6 a 13 anos)

Famílias com filhos adolescentes (até 20 anos)

Famílias com jovens adultos (inclui a saída do 1º ao último filho)

Casal na meia idadeEnvelhecimento

Hill e Rodgers (1964)

Jovem casal sem filhos

Estágio expansivo (nascimento dos filhos)

Estágio estável (período de educação dos filhos até o lançamento do 1º filho)

Estágio de contração (saída dos filhos até a última saída)

Estágio pós-parental (novamente o casal sem filhos)

Minuchin e Fishman (1990)

Formação do casal

Famílias com crianças pequenas

Famílias com crianças em idade escolar ou adolescentes

Famílias com filhos adultos

Carter e McGoldrick (1995)

Saindo de casa: jovens solteirosA união de famílias no casamento: o

novo casal

Famílias com filhos pequenosFamílias com adolescentes

Lançando os filhos e seguindo em frente

Poderíamos acrescentar ainda mais os autores:

Jay Haley (1991)

O período do namoro

O casamento e suas conseqüênciasParto e cuidado com o bebê

Dificuldades no meio do casamentoDesembaraçando pais e filhosAposentadoria e velhice

Obs.: o autor coloca as fases acima no sentido de crises possíveis na família, porém julgamos pertinente menciona-las.

Sampaio e Gameiro (1992)

União de dois elementos para constituir uma nova família

Nascimento dos filhos

Educação e crescimento dos filhosAdolescência e saída de casa dos

filhos

O casal está de novo sóVelhice e morte

As etapas dos ciclos acima descritos são equivalentes, no entanto optamos por apresentar uma breve descrição dos estágios descritos por Carter e McGoldrick (2001), por ser um marco na teoria familiar sistêmica, na medida em que introduzem a noção intergeracional em sua classificação. Outra descrição que escolhemos expor é a de Cerveny e Berthoud (2002), por não somente se tratar de autoras brasileiras, mas também por sua relevância.

Mesmo sofrendo críticas, por se tratar de um estudo que se refere à classe média americana, a classificação do ciclo de vida familiar descrito por Carter e McGoldrick (2001) serve como bússola que norteia os estudos sobre o tema. Este é assim subdividido:

- Saindo de casa: jovens solteiros – caracterizado pela busca de diferenciação do eu, permitindo um posicionamento hierárquico igualitário com a família de origem, definição de objetivos pessoais, estabelecimento de relações de trabalho e independência financeira, bem como o desenvolvimento de relações íntimas com adultos iguais.

- A união de famílias no casamento: o novo casal – estágio em que acontece o comprometimento com um novo sistema em formação, ou seja, o sistema marital. É o estágio no qual ocorre a união de dois sistemas sobrepostos, formando um terceiro. Irá exigir um reposicionamento individual nas famílias de origem, realinhamento dos relacionamentos com as famílias ampliadas e os amigos para a inclusão dos cônjuges.

- Famílias com filhos pequenos – ocorre um avanço dos adultos em uma geração, exigindo que se tornem cuidadores de uma geração mais nova, requerendo

flexibilidade do sistema marital para a inclusão de novos membros, necessidade de união para desempenharem a tarefa de educar, prover financeiramente e cooperar nas tarefas domésticas. Exige também um reposicionamento dos sistemas envolvidos com a introdução de novos papéis, o de pais e de avós.

- Famílias com adolescentes – a flexibilidade do sistema deverá ser ampliada mais uma vez para permitir a independência dos filhos, em que deve ocorrer uma flexibilização das fronteiras, permitindo ao adolescente circular entre dependência e independência e a aceitação da fragilidade dos pais, iniciando os cuidados da geração mais velha. Pode ocorrer também uma reavaliação da vida pessoal, conjugal e profissional, em que são avaliadas suas satisfações e insatisfações.

- Lançando os filhos e seguindo em frente – nesse estágio as famílias estarão, segundo as autoras, no meio da vida. O sistema é marcado por várias saídas, daí a denominação de “ninho vazio” (p. 248), e entradas. A partida dos filhos e a ampliação com os novos cônjuges (parentes por afinidade) e netos exigem nova estruturação do sistema conjugal e inclusão de novos papéis.

- Famílias no estágio tardio da vida – esse é o estágio da aceitação da mudança dos papéis geracionais, através da aceitação do declínio fisiológico, procurando manter o funcionamento e os interesses individuais ou do casal, aceitando o papel protagonista da geração mediana (os filhos), abrindo espaço para o conhecimento e a sabedoria das gerações mais velhas (os pais) e lidar com as perdas, preparando-se para a própria morte. Ocorre também uma revisão e a integração da vida, atualmente muito mais visível pelo aumento da expectativa de vida dos idosos.

Através de uma pesquisa realizada com 1500 famílias de classe média em 69 cidades do Estado de São Paulo entre os anos de 1996 e 1997, Cerveny e Berthoud (2003), propõe a compreensão do ciclo vital em quatro fases:

-Fase de aquisição – inicia-se pelo nascimento da família, através de união formal ou informal, até a pré-adolescência dos filhos. É a fase caracterizada pelas aquisições de um modo geral, desde a de bens materiais, de novas formas de relacionamento e de reorganização do sistema, em virtude dos membros definirem e assumirem novos papéis. Essa fase engloba desde a união do casal, passando pela vinda dos filhos até a vida com filhos pequenos. A mudança para a outra fase do ciclo vital ocorrerá quando houver a transição dos filhos para a adolescência ou, no caso de casais sem filhos, os pais transitarem para a próxima fase do ciclo. Nessa fase, serão estabelecidos o estilo de vida e os padrões das interações entre seus membros, a qual

apresenta três categorias que, por sua vez, são divididas em subcategorias: unindo-se (conquistando, vivendo o processo inicial da união, preparando novos papéis, adaptando-se e vivendo um recasamento), vida a dois (vivendo um tempo de adaptação, iniciando a família, relacionando-se com as famílias de origem, relacionando-se socialmente e vivendo sem filhos) e, por fim, vivendo a parentalidade (decisão e preparação para ter filhos, vinda do filho, vivendo com filhos pequenos).

- Fase adolescente – fase marcada por “forte necessidade de mudanças e readaptações familiares” em virtude de toda a família estar passando por transições, as crianças passando para a adolescência e os pais transitando de adultos jovens para adultos maduros, em que vivenciam “processos psicológicos correlatos”. Essa fase se caracteriza pela “busca de novos significados existenciais e novos papéis a serem assumidos na vida e na dinâmica familiar” (p. 61). As autoras também dividem a fase em duas categorias e subcategorias: reajustando as lentes: reconfigurando as relações pais/filhos (construindo a família adolescente, ainda cuidando, sentindo-se decepcionado, adotando estratégias, relacionando-se com os filhos, vivendo a transição, ‘não mais cuidador’ e recasamento) e vivendo novo ritmo na vida em família (conciliando a vida profissional, filhos crescendo, voltando-se para os filhos, papel da mulher e relacionamento de casal).

- Fase madura – considerada a mais longa e talvez a mais difícil, segundo as autoras. Acontecem várias transformações na dinâmica e na estrutura da família, exigindo a adaptação de seus membros. Em contrapartida, a família aprende novas formas de funcionar, novos significados, a enfrentar novos desafios e expectativas. Os quatro fenômenos (categorias) e suas subcategorias são: remodelando as relações (remodelando a relação pais e filhos: construindo uma parceria e ressignificando a relação conjugal), adaptando-se às mudanças: acomodando a estrutura e funcionamento da família (despedindo-se e dando boas-vindas, repensando papéis e relações hierárquicas, consolidando valores da família e preservando e mudando costumes), enfrentando desafios (assumindo e transpondo obstáculos) e olhando para o futuro (buscando qualidade de vida, buscando expansão e esperando colher frutos).

- Fase última – é a fase que apresenta características de fechamento de ciclo, na qual as retrospectivas sobre a parentalidade, a conjugalidade e a realização profissional acontecem e, a partir daí, lançam expectativas no presente. O primeiro fenômeno apresentado é o fazendo retrospectiva, em que são analisadas as relações conjugais, o acompanhamento dos filhos e a vida profissional. O segundo fenômeno é o vivendo o

presente, no qual a parentalidade é exercida através da consolidação dos papéis, da convivência com novos valores e novos modelos de arranjo familiar, das mudanças na relação com os filhos, e na função conjugal, através da relação com o cônjuge. Por último, fechando o ciclo é o fenômeno que permite a avaliação de si mesmo e da história pessoal (ficando por perto), da perda e ressignificação de papéis, da inversão da parentalidade e da espera do futuro.

Apesar das variações que os autores apresentam eles são unânimes em afirmar a rapidez com que as mudanças vêm acontecendo na família atualmente, exigindo maior plasticidade de suas fronteiras, maior capacidade de adaptação de seus membros e um exercício constante de reavaliação de crenças, valores e papéis. Outro ponto em comum é a necessidade de contextualização da família em estudo, no que se refere a seus aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos.

A compreensão do desenvolvimento da família ao longo do ciclo vital nos permite visualizar os estressores característicos de cada fase, além de nos dar a noção exata do que pode ser esperado dos membros desse sistema em cada fase.