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5 DO PODER DAS ORGANIZAÇÕES À GESTÃO COMO DOENÇA

6.2 O ciclo da produção imaterial

Para evidenciar as características do ciclo da produção imaterial, é necessário confrontá-lo com a produção da grande indústria e dos serviços. Identificada a forma como o trabalho imaterial se insere no pós-industrialismo, interessa identificar como aqueles dois últimos setores se organizam neste e são influenciados por ele.

Quanto à grande indústria, como a empresa e a economia pós-industrial são fundadas sobre o tratamento da informação, mais do que assegurar o controle de quanto está contido no produto e dos mercados de matéria prima, inclusive o trabalho, a empresa organiza-se em torno da última etapa do processo produtivo: a venda e a relação com o consumidor. A atenção está centrada na comercialização e financeirização, em detrimento da produção.

Para a maioria das empresas, a sobrevivência está ligada à pesquisa de novas aberturas de mercado, que impulsionam a idealização e produção de novas mercadorias, variadas e diferenciadas. Isto é, a inovação não é mais subordinada unicamente à racionalização do trabalho, mas, sobretudo, aos imperativos comerciais (LAZARATTO E NEGRI, 2001, p. 44). Assim, a mercadoria pós-industrial é o resultado de um processo criativo dialético entre produtor e consumidor.

Com relação ao setor de serviços, as características e os processos já descritos aparecem ainda mais claramente. Na economia pós-industrial, observa-se não o crescimento dos serviços oferecidos, mas das relações de serviço. O produto “serviço” torna-se uma construção social norteada pela busca de concepção e inovação. Há um deslocamento da pesquisa humana para a exterioridade da empresa.

Quanto mais o serviço se caracterizar como imaterial, maior vai sendo o seu afastamento do modelo fordista de produção: se o produto é definido com a intervenção do consumidor, estando em permanente evolução, é sempre mais difícil definir as normas de produção de serviços e estabelecer a objetivação (fordista) da produção e uma medida objetiva de produtividade.

Dentro desse quadro, pode-se entender que o trabalho imaterial é a interface da nova relação de produção e consumo. É ele que organiza e ativa esta relação,

dentro de um processo criativo elaborado pela produção audiovisual, publicidade, moda, produção de software, gestão de territórios, etc. É o trabalho imaterial o responsável pela inovação contínua das formas e condições da comunicação e por dar forma e materialização às necessidades, ao imaginário, aos gostos.

Logo, se a produção hoje se delineia pela produção de relação social, o substrato do trabalho imaterial é a subjetividade e o ambiente ideológico em que esta vive e se reproduz. Nesse ponto, a subjetividade deixa de ser apenas um instrumento de controle social, tornando-se diretamente produtiva, porque na sociedade contemporânea, o objetivo é não apenas construir o consumidor, como também erguer um comunicador ativo.

O trabalho imaterial não se restringe a atender demandas; sua principal função é criá-las. A construção social converte-se em obra econômica. O processo de produção converte-se em processo de valorização do bem oferecido.

Por sua vez, a comunicação, antes organizada por meio da linguagem, e decorrente produção ideológica, literária, artística, investe-se de produção industrial, reproduzida por formas tecnológicas específicas e formas de organização de gerenciamento.

A dimensão individual (subjetividade) se converte em engrenagem de um processo de produção organizado industrialmente. A reprodução do conhecimento se eleva a patamares de massa, organizada segundo o imperativo de rentabilidade. Essa submissão da atividade intelectual à produção econômica gera a mercadoria com essência de produto ideológico.

Com tal alicerce, passa-se à análise de algumas diferenças específicas do ciclo produtivo do trabalho imaterial, com relação à grande indústria e aos serviços.

Primeiro, no trabalho imaterial, há uma convergência de várias fontes de energia criativa, o que o afasta grandemente das estratégias produtivas da administração científica. Diferente deste, aquele tipo de produção não se sujeita a cronogramas organizacionais, e sim depende da conjugação da criatividade com a imaginação, organiza-se em contornos coletivos e só existe sob a forma de rede e fluxo. “A submissão à lógica capitalista da forma de cooperação e do „valor de uso‟ desta atividade não tolhe a autonomia e a independência da sua constituição e do seu sentido” (LAZARATTO E NEGRI, 2001, p. 50). Nesta hipótese, ficam preservados o antagonismo e a contraditória colaboração.

O produto ideológico assume a condição de mercadoria, que não representa um reflexo da realidade, e sim um impulso na criação de novas formas de ver e sentir, que pedem novas tecnologias e vice-versa, em ciclos intermináveis.

O conjunto de produtos ideológicos constitui o ambiente mental do homem – são mercadorias ricas em especificidades, a despeito de sua produção em escala global. Mantêm-se idealmente significativos, sendo o pressuposto e o resultado dos processos de comunicação que o circundam.

O público tende a tornar-se o próprio modelo do consumidor, com dupla função produtiva, de constituir a obra-mercadoria e de consumi-la. A recepção do produto é um ato criativo, parte integrante e inseparável da produção da mercadoria. Por sua vez, o empreendedor tem que alimentar o consumo pelo consumo, e a sua perpétua renovação; para isso, ele tem que representar valores da sociedade: “estes valores pressupõem modos de ser, modos de existir, formas de vida que funcionam como o princípio e o fundamento dos próprios valores” (LAZARATTO E NEGRI, 2001, p. 51).

Portanto, para o trabalho imaterial, a produtividade está no conjunto das interações sociais. Esta cooperação não pode ser predeterminada pelo econômico, exclusivamente, porque se trata da própria vida da sociedade. Todavia, o econômico, sem dúvida, interfere nas formas e produtos da cooperação: a este cabe gerir e regular a atividade do trabalho imaterial e criar dispositivos de controle e de criação do público consumidor, por meio da tecnologia e da informação, além dos próprios processos organizativos.

Em vista de tais elementos, pode-se concluir que, para esta corrente, está superada a noção de criatividade como expressão de individualidade, ou como patrimônio das classes privilegiadas; bem assim, está superada a divisão clássica entre trabalho manual/intelectual e a criatividade é um processo de construção social, não mais subjetiva.