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5 DO PODER DAS ORGANIZAÇÕES À GESTÃO COMO DOENÇA

6.1 Trabalho imaterial e subjetividade

Para que se possa compreender a definição de trabalho imaterial, é preciso contextualizá-lo historicamente. Assim, depois de um processo de reestruturação das grandes fábricas fordistas, com duração de cerca de vinte anos, deu-se a superação do modelo de operário fordista, gradativamente substituído em apreço e demanda pelo operário apto a ao desenvolvimento de um trabalho mais autônomo e criativo (LAZARATTO E NEGRI, 2001, p. 25). A nova empresa exige multifuncionalidade, criatividade e iniciativa dos seus poucos operários.

Como receitam as teorias gerencialistas contemporâneas, antes analisadas, a alma do operário deve estar presente nas fábricas, e não somente a sua habilidade para desenvolver e incrementar a capacidade mecânica de executar tarefas repetitivas; ao novo operário é solicitada a também competência para compreender e manejar as “interfaces” entre diferentes funções. Para tanto, é a sua personalidade, a sua subjetividade que deve ser organizada e comandada.

Nesse contexto, qualidade e quantidade de trabalho são reestruturadas em torno da subjetividade – imaterialidade – dos operários. É superado, de forma irreversível, o controle hierarquizado, externo, militarizado. O comando contemporâneo é sutil, desenvolvido pelo domínio e limitação da informação.

Estrutura-se a formação de um novo modelo de operário, desenvolvido antes mesmo do respectivo ingresso no mundo do trabalho. A atenção se estende às potencialidades, aos jovens ainda desocupados, com capacidade ainda

4 Para Sérgio Lessa (2005, p. 35), “a tese do trabalho imaterial cumpre uma função ideológica muito

precisa: justifica a crise em que vivemos, afirmando ser ela não a crise da ordem do capital, mas sim as dores inevitáveis à transição em curso ao comunismo. Ao fazê-lo, nega a necessidade da revolução, da ruptura material com a ordem do capital; nega a necessidade da organização dos trabalhadores, centralizados pelos operários, para a emancipação humana. Como ciência, não tem qualquer mérito; contudo, tem lá seu papel na luta ideológica na qual estamos imersos”.

Em que pesem a profundidade e a coerência das críticas expostas por Lessa (2005) e outros autores, a autora desse estudo entende que a teoria do trabalho imaterial, pela perspectiva do corte epistemológico feito para a necessária costura com os caminhos do trabalho, afigura-se pertinente e bastante condizente com a realidade do mundo do trabalho contemporâneo.

Ainda que não se dissociem as implicações políticas das narrativas sociológicas, necessariamente relacionadas com o Direito, a apresentação da história do trabalho segundo Lanzarotti e Negri condiz de forma muito precisa e simétrica com a realidade noticiada pela imprensa e vivenciada nos tribunais. Daí a opção pela adoção de tal visão no desenvolvimento da pesquisa.

indeterminada, mas que já contém todas as características da “subjetividade produtiva pós-industrial” (LAZARATTO E NEGRI, 2001, p. 26).

Essa subjetividade não se distancia da história, mas é o desenvolvimento das lutas contra o trabalho fordista e a consequência dos processos contemporâneos de socialização e autovalorização cultural. Correlata a ela é a transformação do trabalho, evidente quando se estuda o ciclo social da produção atual: organização do trabalho descentralizada, diferentes formas de terceirização.

Em tal esquema produtivo, o trabalho intelectual – imaterial – ocupa papel estratégico na organização global da produção.

As atividades de pesquisa, de concessão, de gestão das possibilidades humanas, como de todas as atividades terciárias, se redefinem e se colocam em jogo, no interior das redes informáticas e telemáticas, e só estas últimas podem explicar o ciclo da produção e da organização do trabalho (LAZARATTO E NEGRI, 2001, p. 26).

Ou seja, o ciclo do trabalho imaterial é pré-constituído por uma força de trabalho social e autônoma, capaz de organizar o próprio trabalho, e interessada nisto. Nenhuma organização científica (taylorista) conseguiu predeterminar esta capacidade produtiva.

Tal transformação social evidencia-se na década de 1970, ou seja, na primeira fase da reestruturação do capitalismo, como fruto das lutas operárias e sociais, que, opondo-se à retomada da iniciativa capitalista, consolidaram os espaços de autonomia conquistados na década precedente. A subordinação do trabalho imaterial ao grande capital não muda, mas este reconhece e valoriza a nova qualidade de trabalho.

Refere-se Andrade (2014, p. 112) a verdadeiro “modismo” da teoria organizacional conservadora na referência à “economia do talento”, ou à “economia criativa”, para igualmente designar o trabalho intelectual, ou imaterial. Para ele, trata- se de um discurso destinado, inicialmente, a dar ênfase ao esgotamento do modelo industrial e às mutações sofridas verificadas no capitalismo contemporâneo.

Segundo Maria PTQK

estos cambios profundos en la forma de producir riqueza, aunque son reales, se han acompañado también de un proceso paralelo, de orden discursivo. Para hacerse efectiva, la nueva economía de lo inmaterial ha necesitado explicarse a sí misma. Buscarse un nombre -y aún está en ello: economía del talento, capitalismo cultural, semiótico o informacional, la terminología es amplia y sugerente- y rodearse de un entramado de narraciones. Relatos más o menos mitificadores que hablan de causas, ciclos, oportunidades y

protagonistas, que cohesionan en un proyecto aparentemente compartido y proporcionan una hoja de ruta para hacer frente a la incertidumbre. La creatividad, en todas sus declinaciones, funciona como uno de estos mitos5.

Segundo aquela autora, para compreender-se a mudança de paradigma, é realmente preciso entender a nova forma produtiva e teorizar sobre ela, de modo a se promover ampla cultura de criatividade, que permeia todos os níveis de atividade econômica e é socialmente internalizada como a nova cultura de trabalho contemporâneo.

Para se dimensionar a centralidade do trabalho imaterial, é necessário que se entendam algumas condições que estão na base da sociedade pós-fordista: o trabalho se transforma integralmente em trabalho imaterial, e a força do trabalho, em “intelectualidade de massa”; essa intelectualidade pode transformar-se em um sujeito social politicamente hegemônico.

Na medida em que se desenvolve a grande indústria, a criação da riqueza real vem a depender menos do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho empregado e mais da potência dos agentes em ação durante o tempo de trabalho. Essa potência não se desenvolve no ambiente imediato da realização do trabalho, mas a partir do convívio no corpo social, pilar da reprodução e sustentação da riqueza.

Para alguns autores da teoria do trabalho imaterial, logo que o trabalho imediato deixa de ser a fonte de riqueza, o tempo nele despendido deixa de ser a medida do respectivo valor. A mais-valia da massa cessa de ser a condição do desenvolvimento da riqueza geral, assim como o não-trabalho de poucos deixa de ser condição para o desenvolvimento das forças gerais da mente humana. O avanço do capital apresenta um modelo em que o tempo de trabalho na forma de trabalho necessário é diminuído, para ganho de tempo de trabalho supérfluo. De um lado, reduz-se a força de trabalho produtora de capital fixo, e centra o foco no chamado saber social geral, perseguindo uma possível subordinação total. Eis aqui onde reside o embate desses autores com os marxistas ortodoxos.

De tal modo, não se pensa mais somente na relação simples de subordinação do trabalho ao capital. Mais complexa, a relação principia com a autonomia da produção em relação ao tempo de trabalho, e segue com a capacidade individual e

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Disponível em: <http://www.mariaptqk.net/wpcontent/uploads/2013/07/be_creative_underclass_maria _ ptqk.pdf>. Consultado em 30/06/2015.

coletiva de fruição do tempo. Dentro desse novo padrão de atividade, é sempre mais difícil distinguir o tempo do trabalho do tempo da produção, ou do tempo livre.

Em outras palavras, quanto o trabalho se transforma em imaterial, e este é reconhecido como base fundamental da produção, este processo não investe somente na produção, mas na forma inteira do ciclo “reprodução-consumo” (LAZARATTO E NEGRI, 2001, p. 30): o trabalho imaterial não produz subordinação verticalizada, no modelo industrial, mas cria modelos de produção de subjetividade.

O empreendedor, hoje, tem de ocupar-se mais com a reunião dos elementos políticos necessários para a exploração da empresa do que com as condições do processo produtivo. A subjetividade, como elemento de indeterminação absoluta, torna-se elemento de potencialidade absoluta, tornando desnecessária a intervenção dominante e vertical do empreendedor capitalista, que se torna cada vez mais externo ao processo de produção de subjetividade (LAZARATTO E NEGRI, 2001, p. 35).

O intelectual, por sua vez, produzindo trabalho imaterial, quer na formação ou na comunicação, nos projetos industriais ou nas análises políticas, não pode ser separado da engrenagem produtiva. Sua atuação não é setorial, tampouco pode ser reduzida a uma atuação epistemológica: é no nível do próprio agenciamento coletivo que ele intervém.

A subjetividade reproduz-se por si só, fora da relação de capital, ainda que se converta em “intelectualidade de massa”, a serviço da produção e reprodução do capital. Trata-se de uma transformação constitutiva dos novos sujeitos sociais, independentes e autônomos, porém contraditoriamente sujeitos ao capitalismo.

Os conceitos de “intelectualidade de massa” e de trabalho imaterial definem, por conseguinte, não somente uma nova qualidade do trabalho e do prazer, como também novas relações de poder, e, consequentemente, novos processos de subjetivação.

A intelectualidade de massa possui participação ativa no processo produtivo: é capital fixo sujeito à produção e extensivo à sociedade inteira e sua ordem, determinando profunda modificação na forma do poder.

Nesse ambiente, se a revolta e a reapropriação não se encarnarem em um processo de liberação da subjetividade que se forma no interior das máquinas de comunicação, elas serão tão-somente a reapresentação, sob novas vestes, da velha

forma de Estado liberal. Na nova apresentação, tem-se uma unidade do político, do social e do econômico, determinada pela comunicação.