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Delimitados os sérios problemas causados pela fragmentação do trabalho, a automação aparece como contexto no qual parte dessas dificuldades pode ser superada. Isso porque a sofisticação tecnológica das máquinas afastaria as pessoas das funções meramente braçais, agora desempenhadas com precisão, celeridade e

segurança pelas máquinas, possibilitando seu reposicionamento em funções demandantes de reflexão e criatividade.

A automação conduziria a uma ampliação das tarefas (job enlargement). Entretanto, como antes mencionado, essa ampliação se efetivou somente para uma minoria de trabalhadores.

Assim, pode-se entender por ilusória a relação direta entre aquela e a maior capacitação dos trabalhadores, em geral. Para a maioria dos empregados, a sofisticação tecnológica das máquinas subtraiu aptidões e postos de trabalho. Tais equipamentos criaram novos postos de emprego, mais qualificados, mas bem menos numerosos. Ademais, mesmo para os trabalhadores reposicionados em funções mais complexas não se sentem estimulados a dar o melhor de si para o labor do qual muito pouco proveito auferirão.

Por tais razões, conclui Friedman (1972, p. 181):

Não é a visão dos desenvolvimentos da „automação‟, que constitui, em si, uma utopia: eles serão, com efeito, de importância revolucionária para o futuro do homem na civilização industrial. O que é utópico é imaginar que a realização deste belo programa dependa exclusivamente de condições técnicas e desconhecer a importância do contexto social e humano em que deve inserir-se. Só este esquematismo permite crer que a ampliação das tarefas e a „automação suprimirão, num futuro muito próximo, todas as formas do „trabalho em migalhas‟

A especialização não pôs fim ao homem polivalente, nos trabalhos intelectuais e manuais, mas, certamente, a atividade polivalente atravessa hoje uma crise advinda do tecnicismo e dos progressos do maquinismo.

Esses fatores estimularam reagrupamentos de atividades segundo uma complexa ordenação: o ajuntamento de operações parceladas com o auxílio de aparelhos sofisticados, os reagrupamentos espontâneos, suscitados pela evolução da técnica nas atividades de supervisão e manutenção; a ampliação das tarefas.

Mas esse panorama não pode ser indicado como solução universal aos problemas da especialização. O mais provável é que durante muitas gerações ainda subsistam massas consideráveis de trabalhadores adstritos a tarefas nas quais não possam manifestar suas opiniões, seus gostos, sua individualidade.

Mesmo as transformações radicais, como a coletivização dos meios de produção e a integração do operário como membro opinante da empresa são insuficientes para fornir o trabalho subordinado de substância e interesse suficientes

a permitir, a quem o executa, torná-lo centro de sua existência e razão de realização.

Esse espaço, desde há muito, hoje, e no porvir, é, de fato, ocupado pelas atividades escolhidas pelas pessoas para serem realizadas fora do tempo disponível para o trabalho, em seu tempo livre. É nesse tempo que se humaniza a civilização técnica.

Entretanto, a extraordinária importância do trabalho na vida das pessoas pode ser constatada empiricamente mediante a observação dos efeitos sobre os indivíduos privados dele.

O desemprego, quando forma involuntária de privação do trabalho, inicialmente, causa nas pessoas estado de choque, no qual a personalidade permanece quase íntegra. Na sequência, os relatos obtidos por Friedman referem- se a sensações de acuidade diminuída, embotamento da percepção do passar do tempo, complexo de inferioridade. A extensão do problema atinge os laços familiares, degradando-os.

Diz aquele autor (1972, p. 194) que a privação do trabalho impondo a exclusão social do empregado, “engendra, ao término de certo tempo, „uma espécie de intoxicação‟, que exige completa readaptação. A privação prolongada é verdadeira ameaça para a saúde mental do indivíduo”.

Quanto à aposentadoria, os estudos não são tão conclusivos no sentido de apontar os efeitos sobre a personalidade, uma vez que são múltiplas as contingências que se conjugam na transformação da vida das pessoas nessa etapa. Ainda assim, é possível constatar que a solução de continuidade entre dois ritmos de vida diferentes, a tomada de consciência de certa “inutilidade social” (no contexto da sociedade técnica) são funestas para a saúde mental e psicossocial das pessoas.

Não há dúvidas sobre o impacto do trabalho na saúde das pessoas, como estudado, múltiplas são as experiências comprovando o papel determinante para o equilíbrio psicológico da personalidade.

A cada dia se evidencia com mais clareza que o número de doenças mentais não pode ser explicado senão como consequência das características da sociedade industrial e do meio técnico por ela instaurado.

Esse meio técnico se caracteriza pelas múltiplas solicitações a que sujeitam os indivíduos, todas urgentes e imperiosas. Em tais circunstâncias, o progresso material finda por trazer consigo o crescente adoecimento psicossocial.

Assim, o trabalho assume importância capital para o equilíbrio, o reequilíbrio e o desequilíbrio da personalidade humana. As formas nocivas do trabalho, no meio técnico, contribuem para abalar gravemente o psiquismo de milhões de pessoas. Porém, paradoxalmente, o auxílio do trabalho regenerador é de fundamental importância para a recomposição da personalidade.

Mas a nocividade do trabalho subordinado, nas mais diversas formas de subordinação, prevalece.

Em regra, o labor é despersonalizado, ou seja, desatrelado das características de subjetividade de cada trabalhador; e não há perspectivas de uma reconexão entre aquele e a personalidade dos que o desempenham. Nas funções mais qualificadas, mas ainda sob a força da subordinação, os trabalhadores identificam a possibilidade de imprimir algumas nuances de personalidade nas tarefas realizadas, mas são tão sutis as diferenças que vêm a se tornar irrelevantes. Daí o desestímulo.

Para a maioria dos trabalhadores, com base nos testemunhos relatados por Friedman (1972), a realização de tarefas muito parceladas e repetidas é desagradável, sem interesse e significação. A falta de pertencimento iguala empregados e desempregados. Aqueles se posicionando em melhor local na escala social apenas pelo fato de receberem, em geral, parca remuneração.

Frise-se que esta percepção não se restringe àqueles que se ocupam das funções mecânicas e não criativas. Estende-se aos trabalhadores criativos sujeitos às regras da fragmentação e da subordinação.