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Cidadania: Aspectos Gerais

5. A UNIÃO EUROPÉIA E SEUS PRINCÍPIOS

8.1 Cidadania: Aspectos Gerais

O conceito de cidadania prescinde de dois elementos intrinsecamente ligados à estrutura do Estado: a população, sem a qual não existe sociedade e, por conseguinte, Estado, e a soberania, que é expressão da vontade do povo.262 A primeira já foi abordada. Para a compreensão da segunda, Kelsen263 se reporta ao princípio da cidadania, como um sinônimo264-265 de nacionalidade. Para esse autor, a cidadania é um status pessoal, condição de determinados direitos e deveres, cuja aquisição e perda são reguladas pelos Direitos nacional e internacional; é comum a todas as ordens jurídicas nacionais modernas. Além disso, goza de proteção diplomática pelo Estado, contra a violação de seus direitos por parte de outros Estados.266 Sobre sua importância, Sande267 assinala que “a cidadania é condição necessária de uma república jurídica e esta a condição primeira da liberdade dos indivíduos.”

Amorim268 esclarece, no entanto, que nacionalidade não é sinônimo de cidadania.

Enquanto a primeira “é o vínculo jurídico-político que une a pessoa ao Estado”, a segunda é

261

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3 ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 364-365.

262 O’LEARY, Siofra. The evolving concept of community citizenship: from the free movement of persons to Union citizenship. Haia: Kluwer, 1996, p. 10-ss.

263

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3 ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 336.

264

De acordo com Plender, aproximadamente ao fim do século XVIII, os termos “súdito”, “cidadão” e “nacional” eram indiscriminadamente usados. PLENDER, R. International migration law. Dordrecht: Martinus Nijhoff, 1988, p. 8.

265 No mesmo sentido: KOSLOWSKI, Rey. Categories that traditionally coincide in the context of nation-states. EU Citizenship. In: BANCHOFF, Thomas e P. SMITH, Mitchell. Legitimacy and the European Union. Londres: Routledge, 1999, p. 155.

266 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3 ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 345.

267

SANDE, Paulo de Almeida. O sistema político da União Européia: entre hesperus e phosphorus.Cascais: Principia, 2000, p. 166.

(...) o conjunto de direitos civis e políticos de que dispõe essa mesma pessoa física, podendo, em conseqüência, desempenhar funções públicas, atividade profissional, comercial, empresarial, votar, ser votado para qualquer cargo da trindade estatal, pertencer a partidos políticos, enfim, exercer os atos da vida civil em toda a plenitude.

Para Granrut, 269 a cidadania está na origem da cidadania nacional, que é vestígio de sua manifestação mais completa e da respectiva mostra. Da mesma forma, para Lapeyronnie,270 o pertencer à nação e à comunidade nacional é uma circunstância plenamente moderna, fundida no individualismo e a legalidade democrática, condições de uma verdadeira cidadania. Segundo Mauss,271 os cidadãos que compõem uma nação participam das mesmas idéias que a conduzem.

Essa fusão das terminologias pode ser observada não só em doutrinas, como também em legislações e, até mesmo, através do Direito dos países. Exemplo disso é a 14.ª Emenda da Constituição americana, segundo a qual todo indivíduo nascido ou naturalizado nos Estados Unidos da América e submetido à sua jurisdição é cidadão do Estados Unidos e do Estado no qual reside.272

Contudo, outros fazem plena distinção dos termos. Apesar de haver uma certa proximidade histórica entre eles, há direitos que não resultam ou dependem impreterivelmente da cidadania.273 Conforme Borella,274 a nacionalidade é o liame jurídico que liga a pessoa humana à sua sociedade política, ou seja, ao Estado; já a cidadania é o estatuto jurídico que determina o povoamento soberano no Estado e fixa os direitos e liberdades de participação à formação e ao exercício da vontade coletiva.

Explicitando a diferença, Moreira275 mostra que a cidadania está relacionada ao fato de o Estado conferir a todos, sob sua jurisdição, uma justa igualdade de direitos

269 GRANRUT, Claude de. La citoyenneté européenne: une aplication du principe de subsidiarité. Paris: LGDG, 1997, p. 150. Tradução livre.

270

LAPEYRONNIE, Didier. Nations, démocratie, et identités en Europe. In: KASTORYANO, Riva. Quelle identité

pour l’Europe? Paris: Presses de Science Politique, 1998, p. 222. Tradução livre.

271 MAUSS, Marcel. La Nation. In: COLAS, Dominique. La pensée politique. Paris: Larousse, 1992, p. 677. 272

CONSTITUIÇÃO AMERICANA (Trad. e Pesquisa José Luiz Tuffani Carvalho). Rio de Janeiro: Espaço jurídico, 2000, p. 41. Tradução livre.

273

SANDE, Paulo de Almeida. O sistema político da União Européia: entre hesperus e phosphorus.Cascais: Principia, 2000, p. 143-144.

274 BORELLA, F. Nationalité et citoyenneté en Droit Français. In: L’État de Droit. Paris: Puf, 1987, p. 29. Tradução livre.

275

MOREIRA.. Apud SANDE, Paulo de Almeida. O sistema político da União Européia: entre hesperus e

políticos e civis, sem discriminação. A nacionalidade, por sua vez, refere-se à superioridade do interesse nacional. Complementando esse raciocínio, Pires276 assinala que restringir a cidadania à nacionalidade implicaria a amputação de dimensões fundamentais da pessoa.

Por sua vez, Bastos277 distingue o nacional do cidadão. Para ele, a condição de nacional é um pressuposto à cidadania; portanto, todo cidadão é um nacional, mas a recíproca não é verdadeira. O que qualifica o cidadão é o gozo de direitos políticos.

Stelges278 define a cidadania como qualidade de cidadão, ou seja, daquele que se encontra em pleno gozo de seus direitos políticos, sociais, civis e econômicos. Como membro de um Estado, o indivíduo é, assim, portador de direitos e deveres. Sobre a nacionalidade, afirma a autora ser a qualidade ou condição de nacional, vinculada à nação ou Estado ao qual pertence ou de onde se originou.

Na órbita da União Européia, verifica-se uma grande proximidade das terminologias, já que é considerado cidadão todo aquele que for nacional de um país membro.

A aquisição e a perda da cidadania são, em princípio, disciplinadas pelas ordens jurídicas nacionais, cujas estipulações e incidências são as mais diversas. Há, por exemplo, critérios em função da idade e cometimento de certos crimes.

Entre os direitos que a ordem jurídica costuma conceder aos cidadãos, estão os chamados direitos políticos, cuja importância é singular, já que contribuem para a formação da vontade estatal. Nesse sentido, estando eles presentes, confirma-se a democracia. Têm-se como principais, o direito ao voto e o direito de ser votado.

Como exemplo da singularidade dos direitos para cada país, pode-se citar os Estados Unidos, onde os direitos dos cidadãos assumem contornos interessantes, conforme assinala Zimmermann:279

Os cidadãos de um determinado Estado-membro, acaso venham a residir em outra unidade federativa, têm garantidos todos os privilégios e imunidades que esta concede a seus próprios membros. Por outro lado, a pessoa que se transfere de um Estado

276 PIRES, Lucas. Os novos direitos dos portugueses. Lisboa: Difusão Cultural, 1994, p. 14 e ss. 277

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 237.

278 STELGES, Isabela Kathrin. A cidadania da União Européia: uma sugestão para o Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 24 e 26.

279

para outro não precisa necessariamente se tornar eleitora deste. (...) Poderá ainda, participar das eleições do Estado pelo qual é proveniente, utilizando-se para isso da possibilidade de votar pelo correio. É o que os americanos denominam absentee ballot. O indivíduo acusado em qualquer Estado por crime de traição ou qualquer outro delito, que se evadir à justiça e for encontrado em outro Estado, pode ser, a pedido da autoridade executiva do Estado de onde tiver fugido, preso e entregue ao Estado que tenha jurisdição sobre o crime. Contudo, o governador do Estado para o qual este foragido escapou não possui nenhuma obrigação constitucional de entregá-lo ao requerente, embora ele em geral opte em proceder desta forma. A entrega de um fugitivo por um Estado a outro é chamada de extradição.