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Princípio da Primazia do Direito Comunitário

5. A UNIÃO EUROPÉIA E SEUS PRINCÍPIOS

5.2 Princípio da Primazia do Direito Comunitário

Em síntese, tomando-se por base os modos de formulação e revelação do Direito, as fontes do Direito Comunitário são divididas em primárias e secundárias. As

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STELGES, Isabela Kathrin. A cidadania da União Européia: uma sugestão para o Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 28.

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Idem, ibidem. 136

primárias são aquelas criadas diretamente pelos Estados-membros. Os três Tratados originários – CEE, CECA e CEEA –, incluindo os respectivos anexos e protocolos, aditamentos e alterações posteriores são exemplos de fontes primárias. As fontes secundárias são representadas pelo Direito criado pelas instituições e órgãos comunitários, no exercício de suas competências; são elas: regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres. Nos termos do art. 189º do Tratado da CEE, o regulamento tem caráter geral e obrigatório. A diretiva vincula o Estado-membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar. As recomendações e os pareceres não são vinculativos. Contudo, esse rol não é exaustivo, o que possibilita a criação de outros atos jurídicos pelas instituições comunitárias.

Além dessas, têm-se outras fontes de Direito Comunitário: internas e externas e as não escritas. As internas se referem aos acordos celebrados entre os Estados-membros, com relação às questões voltadas para a atividade da União, desde que não sejam da competência das instituições comunitárias; as externas são as que se destinam ao desenvolvimento das relações econômicas, sociais e políticas entre a União e países não- membros e entre aquela e as organizações internacionais. Por fim, as fontes não escritas visam a preencher as lacunas do Direito Comunitário escrito, integrando-o. Os princípios gerais do direito e o direito consuetudinário, são exemplos de fontes não escritas do Direito Comunitário.137-138

Consagrado pelo Tratado da União Européia e considerado, a partir de 1960, como princípio fundamental pelo TJCE, o princípio da primazia absoluta do Direito

Comunitário sobre o Direito nacional assegura a autonomia da ordem jurídica comunitária, reconhecendo sua aplicação imediata e não-subordinação às leis constitucionais ou ordinárias dos Estados-membros.

De acordo com a lição de Pereira,139 o sistema incluído nos Tratados não é,

somente, fruto de uma criação jurídica. A coesão das normas que daí advêm permite o alcance de seus fins por meio do exclusivo uso de um Direito específico, novo e complexo, chamado Direito Comunitário. Esse Direito tem como característica marcante a sua inteira autonomia, aliada à respectiva aplicação uniforme em todos os Estados- membros da União Européia. Ele não se confunde nem com o Direito Internacional nem com o Direito Interno dos Estados-participantes, sendo superior a esse último, já que, em caso de conflito entre as normas nacionais e as normas comunitárias, essas prevalecem. Ademais, parte significativa de suas normas é aplicada diretamente aos ordenamentos jurídicos nacionais.

Desse princípio decorre, ainda de acordo com decisão do TJCE, que as normas comunitárias devem ser aplicadas imediatamente pelos juízes dos Estados-membros competentes, a fim de se conhecer sobre cada caso, não apenas pelos Tribunais ou Cortes Constitucionais. Com isso, sempre que houver conflito entre o direito comunitário e o direito interno, esse deverá ser considerado inaplicável ao caso sub judice.

Essa lição jurisprudencial do TJCE, apesar das resistências esporádicas e de alguns sinais de rebelião, terminou por ser acolhida e respeitada por todos os Estados que compõem a União Européia, e o direito comunitário passou a ser aceito como hierarquicamente superior ao direito interno.

Em acórdão de 15 de julho de 1960, o TJCE, na época chamado Tribunal das Comunidades, examinou, pela primeira vez, o princípio da primazia do direito comunitário sobre o direito interno, e concluiu que esse direito não poderia ser invalidado pelo direito interno, ainda que de nível constitucional, em vigor nesse ou naquele Estado- membro.140_141Em outro acórdão, ao julgar o caso Costa v. Enel, em 15 de julho de 1964, o

TJCE proclamou que a autonomia do direito comunitário, em relação ao ordenamento

138 BORCHARDT, Klaus-Dieter. O ABC Comunitário. Luxemburgo, Serviços das Publicações Oficiais das Comunidades

Européias, 2000, p. 58-73. 139

PEREIRA, António Pinto. O Tribunal de Justiça das Comunidades Européias. Lisboa: Rei dos Livros, 2000, p. 12. 140

Processo n.º 36 a 38 e 40/59, caso Comptoirs de vente du Chardon de la Rhur, Col. 1960, p. 857. 141

jurídico dos Estados-membros, resulta do fato de que a Comunidade Européia representa uma ordem jurídica própria, em favor da qual os Estados-membros limitaram os seus direitos soberanos, criando um corpo de direito aplicável a seus súditos e a si próprios. Contra essa limitação, não poderá prevalecer a invocação de disposições de direito interno, independente da natureza.142

Buscando reafirmar sua orientação jurisprudencial, o TJCE voltou, em fevereiro de 1969, a reexaminar essa matéria e decidiu que o Tratado CEE instituiu uma ordem jurídica própria, integrada aos sistemas jurídicos dos Estados-membros e sobrepostos às suas jurisdições. Isso, porque seria contrário à natureza de um sistema admitir que os Estados-membros pudessem adotar e manter em vigor medidas que pudessem comprometer o efeito do Tratado. A força imperativa do Tratado e das respectivas ações não poderia variar de um Estado para outro em função de atos internos, sob pena de travar o funcionamento do sistema comunitário, pondo em perigo a realização dos fins do Tratado. Desse modo, os conflitos entre as regras comunitárias e as regras nacionais devem ser resolvidos por meio da aplicação do princípio da “primazia da regra comunitária.”143-144

Um tema de fundamental importância relacionado com o princípio da primazia absoluta do Direito Comunitário sobre o Direito dos Estados-membros é aquele que pretende saber que normas comunitárias podem ser invocadas perante os tribunais ou juízes nacionais.

A isso, Campos145 responde dizendo que elas são, acima de tudo, normas com

capacidade de criar direitos ou de impor obrigações aos particulares; direitos e obrigações esses que os tribunais podem proteger ou impor, sempre que houver oposição de interesse (litígio) entre particulares (efeito direto horizontal) ou entre esses e o Estado (efeito direto vertical). São, também, normas invocadas pelos particulares com capacidade de criar, para si, direitos em relação aos Estados. Devem ser consideradas, ainda, quaisquer normas comunitárias que, apesar de não produzirem por si próprias qualquer efeito imediato (horizontal ou vertical) – já que não são criadores de direitos e obrigações – poderão, no entanto, ser invocadas pelas partes em juízo, para sustentar o princípio da

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CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, v. II, 1997, p. 322. 143 Processo n.º 14/68, Col. p. 1 e segs.

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primazia do Direito Comunitário. A título de exemplo, é válido mencionar a diretiva comunitária que, em regra, não cria direitos ou obrigações, porém, nada impede que seja invocada perante os tribunais dos Estados-membros, para impugnar as medidas nacionais de aplicação desse ato comunitário.