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Cidadania Européia e o Sistema Eleitoral Comum da União

5. A UNIÃO EUROPÉIA E SEUS PRINCÍPIOS

8.2 Cidadania Européia e o Sistema Eleitoral Comum da União

A população dos 15 países membros da União Européia já desfruta da mesma cidadania: a cidadania européia. O Tratado de Maastricht280 foi o instrumento que instituiu a cidadania comum, tendo sido, em seguida, revisado pelo Tratado de Amsterdã. É, pois, considerado cidadão da União Européia, qualquer pessoa que possua a nacionalidade de um de seus 15 países membros.

Constitui, assim, o “marco político da construção da União européia e representa a evolução de um processo específico de integração econômica”.281 Além disso, criou-se uma identidade coletiva ao se buscar o estabelecimento de um vínculo direto entre cidadãos dos Estados-membros e da União Européia.

A cidadania européia traz, em si, duas implicações: a primeira, referente à ampliação da liberdade de circulação de pessoas, e a segunda, sobre a atribuição de um conjunto de direitos políticos.282

Os direitos atribuídos por esse instituto, sem restringir-se aos políticos, não poderão prejudicar nem impedir a titularidade e o exercício daqueles definidos por cada Estado, nem mesmo a vinculação aos deveres concernentes. Da mesma forma, ante o

280 VILAÇA, José Luís; GORJÃO-HENRIQUES, Miguel. Tratado de Amesterdão. 2 ed. Coimbra: Almedina, 1998, p.

2-3. Artigo 2.º (...) “o reforço da defesa dos direitos e dos interessados dos nacionais dos seus Estados-membros, mediante a instituição de uma cidadania da União”.

281

STELGES, Isabela Kathrin. A cidadania da União Européia: uma sugestão para o Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 22. No mesmo sentido: RAMOS, Rui Manuel Gens de Moura. Das comunidades à União Européia: estudos de

Direito Comunitário. 2 ed. Coimbra: Coimbra, 1999, p. 357. O Tratado de Maastricht assenta “o centro de

gravidade de certos direitos de carácter público no homem europeu, e não já no operador económico, elevando- o assim ao status de verdadeiro cidadão europeu”.

princípio da primazia do Direito Comunitário, os Estados não poderão restringir ou dificultar direitos nem privilégios que os Tratados conferem aos cidadãos europeus.283

Como ainda falta à União o caráter político soberano, não seria possível estabelecer critérios próprios para a determinação de vínculo de cidadania. Permanece, pois, nesse sentido, a vinculação direta do cidadão com seu respectivo Estado. Trata-se, portanto, de um estatuto de sobreposição e não um estatuto de substituição.284 Para Stelges,285 é uma cidadania supranacional, sustentáculo da União, de caráter complementar à nacional, mas que não a sucede.

No aspecto jurídico, define-se a cidadania européia como “um conjunto de direitos e liberdades directamente relacionados com a formação de um espaço político europeu.” Embora alguns deles já se encontre disciplinados e façam parte do “adquirido comunitário”, o Tratado da União Européia atribuiu-lhes um fundamento autônomo e politicamente determinado.286 Seu estatuto abrange elementos políticos, jurídicos, econômicos e sociais.287

Há entendimento diferenciado. Stephanou,288 por exemplo, defende que a cidadania comum é inútil, visto que os direitos concedidos poderiam igualmente ser exercidos no âmbito da cidadania privativa do Estado-membro, em congregação com a regulamentação comunitária na matéria. Ocorre, porém, que o pensamento de Stephanou não é majoritário. Stelges, por outro lado, afirma que “a cidadania é a base sustentadora da União e busca consolidar seu fundamento de legitimidade democrática”.289

282

BASTOS, Fernando Loureiro. A União Européia: fins, objetivos e estrutura orgânica. Lisboa: SPB, 1993, p. 45. 283

DUARTE, Maria Luísa. A cidadania da União e a responsabilidade dos Estados por violação do Direito Comunitário. Lisboa: Lex, 1994, p. 33.

284

Idem, p. 32-33.

285 STELGES, Isabela Kathrin. A cidadania da União Européia: uma sugestão para o Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 3-4. A nacionalidade, vale lembrar, é deliberada pelo ordenamento nacional de cada Estado-membro. 286

DUARTE, Maria Luísa. A cidadania da União e a responsabilidade dos Estados por violação do Direito Comunitário. Lisboa: Lex, 1994, p. 50-51.

287 STELGES, Isabela Kathrin. A cidadania da União Européia: uma sugestão para o Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 22.

288 STEPHANOU, Constantin. Identité et citoyenneté européenes. Revue du Marché Commun et de l’ Union Européene. n.º 343, p. 36, jan. 1991.

289

STELGES, Isabela Kathrin. A cidadania da União Européia: uma sugestão para o Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 28.

Soares, complementando o pensamento de Stelges,290 considera que a cidadania européia busca corresponder ao espaço democrático e de desenvolvimento econômico, em princípios densificadores dos direitos fundamentais da pessoa humana, de segurança, de pluralismo ideológico e multiplicidade de oportunidades.

São reconhecidos aos cidadãos da União Européia os seguintes direitos:291 a) de eleger e de ser eleito nas eleições municipais do Estado-membro de residência, caso seja nacional de qualquer Estado-membro; b) de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado-membro de residência, caso seja nacional de qualquer Estado-membro; c) proteção diplomática e consular no território de Estados terceiros, por parte das autoridades diplomáticas de qualquer Estado-membro; d) de petição perante o Parlamento Europeu; e) de queixa perante o Provedor de Justiça.

290

SOARES, Mário Lúcio Quintão. Mercosul: direitos humanos, globalização e soberania. 2.ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 66.

291 VILAÇA, José Luís; GORJÃO-HENRIQUES, Miguel. Tratado de Amesterdão. 2 ed. Coimbra: Almedina, 1998, p.

43-45. O Tratado de Amsterdã deu nova redação e reforçou os artigos 8.ºA ao 8.º E do Tratado de Maastricht, sobre a cidadania e dispõe o seguinte: Artigo 17.º “1. É instituída a cidadania da União. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-membro. A cidadania da União é complementar da cidadania nacional e não a substitui. 2. Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos no presente Tratado.” Artigo 18.º “1. Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas o presente Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação. 2. O Conselho pode adoptar disposições destinadas a facilitar o exercício dos direitos a que se refere o número anterior; salvo disposição em contrário do presente Tratado, o Conselho delibera nos termos do artigo 251.º. O Conselho delibera por unanimidade em todo o processo previsto neste artigo.” Artigo 19.º “1. Qualquer cidadão da União residente num Estado- membro que não seja o da sua nacionalidade goza do direito de se eleger e de ser eleito nas eleições municipais do Estado-membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. Esse direito será exercido sem prejuízo das modalidades adoptadas, pelo Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu; essas regras podem prever disposições derrogatórias sempre que problemas específicos de um Estado-membro o justifiquem. 2. Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 190.º e das disposições adoptadas em sua aplicação, qualquer cidadão da União residente num Estado- membro que não seja o da sua nacionalidade, goza do direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado-membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. Esse direito será exercido sem prejuízo das modalidades adoptadas pelo Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu; essas regras podem prever disposições derrogatórias, sempre que problemas específicos de um Estado-membro o justifiquem. Artigo 20.º “Qualquer cidadão da União beneficia, no território de países terceiros em que o Estado-membro de que é nacional não se encontre representado, de protecção por parte das autoridades diplomáticas e consulares de qualquer Estado- membro, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. Os Estados-membros estabelecem entre si as regras necessárias e encetam as negociações internacionais requeridas para garantir essa protecção.” Artigo 21.º “Qualquer cidadão da União goza do direito de petição ao Parlamento Europeu, nos termos do disposto no artigo 194.º. Qualquer cidadão da União se pode dirigir ao Provedor de Justiça instituído nos termos do disposto no artigo 195.º. Qualquer cidadão da União pode dirigir-se por escrito a qualquer das Instituições ou órgãos a que se refere o presente artigo ou o artigo 7.º numa das línguas previstas no artigo 314.º e obter uma resposta redigida na mesma língua. Artigo 22.º “A Comissão apresentará ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social, de três em três anos, um relatório sobre a aplicação das disposições da presente Parte. Esse relatório terá em conta o desenvolvimento da União. Com base nesses relatórios, e sem prejuízo das demais disposições do presente Tratado, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu, pode aprovar disposições destinadas a aprofundar os direitos previstos

Finalmente, Fontoura292 assinala a cidadania comum como determinante para o

avanço político da Europa e de suas instituições. O autor destaca, ainda, a capacidade dos cidadãos europeus para proporem ações atribuídas a todos os jurisdicionáveis indistintamente, ou seja, um súdito poderá acionar o seu Estado natal, ocupando este o pólo passivo da relação processual, em nível internacional. Como o próprio autor assinala, algo nunca antes imaginado.