5. A UNIÃO EUROPÉIA E SEUS PRINCÍPIOS
8.3 Soberania
Para Jellinek, o Poder soberano de um Estado é aquele que não reconhece nenhum outro poder superior a si. É, por conseguinte, o poder supremo e independente, o que se manifesta predominantemente em sua vida exterior, isto é, nas relações do Estado soberano com outros poderes.293
Nesse contexto, porém, Jellinek294 considera que a soberania não é algo essencial
do Estado; trata-se tão-somente de uma categoria histórica necessária à compreensão do atual mundo estatal, mas não do Estado em si.
De acordo com Despagnet, citado por Tavares,295 “a soberania representa para os
Estados o que a liberdade para os indivíduos”. Para a generalidade da doutrina, enquanto na ordem interna a soberania é o poder político, que torna o ordenamento jurídico interno eficaz, na ordem externa ela é o poder independente.
Segundo Krasner,296
O termo soberania tem sido usado com quatro acepções distintas — soberania internacional legal, soberania de Vestefália, soberania interna e soberania interdependente. A soberana legal internacional refere-se às práticas associadas ao reconhecimento mútuo entre entidades territoriais que têm uma independência jurídica formal. A soberania de Vestefália refere-se à organização política baseada na presente Parte, cuja adopção recomendará aos Estados-membros, nos termos das respectivas normas constitucionais.”
292
FONTOURA, Jorge. Múltiplos de cidadania: o modelo de neojurisdição comunitário-européia. Revista de
Informação Legislativa. Brasília: Subsecretária de edições técnicas do Senado Federal, ano 36, n.° 143, p. 260,
jul./set. 1999.
293 JELLINEK, Georg. Teoría general del Estado. Granada: Comares, 2000, p. 467. Tradução livre.
294
JELLINEK, Georg. Fragmentos de Estado. Madrid: Civitas, 1981, p. 58.
295 TAVARES, José. Estudos jurídico-políticos: federalismo e União Europeia, eleições, partidos políticos e cidadãos eleitores. Lisboa: UAL, 1996.
296 KRASNER, Stephen. Soberania: concepções alternativas e normas contestadas. Political Internacional. Lisboa, v. 3,
na exclusão de actores externos das estruturas de autoridade dentro de um dado território. A soberania interna refere-se à organização formal da autoridade política no interior do Estado — monarquia versus república, ou unitário versus federal, por exemplo — e à capacidade das autoridades públicas exercerem um controlo efectivo dentro das fronteiras dessa entidade política. Finalmente, a soberania interdependente refere-se à capacidade das autoridades públicas de regularem o fluxo de informação, idéias, bens, pessoas, poluentes, ou capital, através das fronteiras do seu Estado.
O processo de globalização trouxe consigo novas reformulações dos conceitos de nação, Estado e soberania, cuja maior evidência dá-se no plano comunitário. O Tratado de Maastricht, de acordo com Bastos Júnior, consolidou “a transferência de poderes e competências aos órgãos comunitários antes considerados parcelas inalienáveis de soberania estatal”.297
Em que pese essa transferência de soberania, tanto para Bastos Júnior298 quanto
para Maulaz,299 a União Européia ainda não se enquadra na concepção de Estado
moderno, pois faltam-lhe dois componentes primordiais: auto-organização e autodeterminação. Segundo esses autores, a UE configura-se em uma pessoa jurídica de Direito Internacional, que goza da “prerrogativa de intervir diretamente na ordem político-jurídico interna” de seus membros. Extrapola, pois, aquelas atribuições tradicionais inerentes às organizações internacionais, proporcionando uma nova feição a seus integrantes.
Na Europa, a questão sobre a soberania suscita discussões intermináveis; de um lado, afirma-se que sim, há uma cessão, uma vez que os países membros sujeitam-se a um órgão supranacional, dotado de praticamente todas as características de um Estado propriamente dito. De outro, afirma-se que não, primeiro, porque não existe um Estado europeu e segundo, porque não existe alienação e muito menos cessão parcial, já que resta aos Estados-membros a opção de permanecer ou não como integrante do sistema comunitário.
297
BASTOS JÚNIOR, Luís Magno Pinto. Recepção do Direito Comunitário europeu pelo ordenamento jurídico interno dos Estados-membros. Análise comparativa das constituições da Alemanha e Holanda. Revista de
Informação Legislativa. Brasília: Subsecretaria de edições técnicas do Senado Federal, ano 36, n.º 144, p. 217-218,
out./dez. 1999. 298 Idem, ibidem. 299
MAULAZ, Ralph B. O constitucionalismo e as novas comunidades a caminho da globalização: a soberania e autonomia dos países. Revista Cearense Independente do Ministério Público. Fortaleza: ABC, ano II, n.º 5, p. 264, abr. 2000.
A União Européia conta com instituições próprias, bem como com um ordenamento jurídico próprio e autônomo, em decorrência dos correspondentes nacionais, mantendo uma relação de cooperação e conexão com eles.300 Nesse sentido,
Soares301 explica que a soberania estatal vem se enfraquecendo, em decorrência da
delegação de competências para as instituições supranacionais, bem como para as corporações multinacionais. Dessa forma, de acordo com Silva,302 o TJCE deve ser
considerado como um tribunal supranacional, em face de os Estados europeus estarem transferindo parte de seus poderes para um organismo supranacional.
O posicionamento majoritário aponta para uma delegação e não para uma transferência de soberania, o que representa um aspecto quantitativo e não qualitativo, notado na Carta Constitucional de alguns países. Em que pese essa constatação, o artigo 23º, item 1, da Constituição alemã prevê que a federação pode transferir (e não delegar) os direitos de soberania, por meio de lei aprovada pelo Conselho Federal.303 Independente de
um ou outro entendimento, o certo é que a transferência de soberania dos Estados- membros para a UE, embora de forma gradativa, vem ocorrendo desde a Declaração de Schuman.
300
BASTOS JÚNIOR, Luís Magno Pinto. Recepção do Direito Comunitário europeu pelo ordenamento jurídico interno dos Estados-membros. Análise comparativa das constituições da Alemanha e Holanda. Revista de
Informação Legislativa. Brasília: Subsecretaria de edições técnicas do Senado Federal, ano 36, n.º 144, p. 232,
out./dez. 1999. 301
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Direitos fundamentais e Direito Comunitário: por uma metódica de direitos fundamentais
aplicada às normas comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 175. Tradução livre.
302 SILVA, Volney Zamenhof de Oliveira. Elementos de Teoria Geral do Estado comunitário. São Paulo: Interlex, 2000, p. 77.
303
LLORENTE, Francisco Rubio e PELÁEZ, Mariano Daranas. Constituciones de los Estados de la Unión Europea. Córcega: Ariel, 1997, p. 8. Tradução livre.