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Capítulo I – a construção da ideia da criança cidadã

3. Da Estranheza do Político ao Político praticado

3.1 Cidadania infantil: (re) configurações, desafios e possibilidades

“Em 1900, os conceitos de cidadania eram modelados para o adulto, branco (nas sociedades do norte e ocidentais), homem, proprietário que representava os valores de independência e autonomia. Isto era, claro, um mito. As redes de interdependência nas quais esta suposta autonomia e independência se baseavam tornaram-se mais claras à medida que, durante o século XX, as ligações escondidas entre esfera pública e privada foram sendo reveladas” (Prout, 2003, p.20).

A revisão efetuada no ponto anterior sobre as reconfigurações da cidadania pretendeu situar a discussão da cidadania infantil no quadro mais vasto assumindo-se que, para se encontrarem as especificidades de qualquer fenómeno social para uma dada categoria se torna necessário, primeiro, encontrar o que têm em comum (Prout, 2003;

2005; Christensen e James, 2005; James, Jenks e Prout, 1990, entre outros). Alguns dos elementos selecionados para a discussão são também, e de modo intencional, os que maior relevância terão para a da cidadania infantil. Assim, se há questões que afetam de modo relativamente semelhante diferentes grupos ou categorias sociais numa dada sociedade, outras assumem formas específicas tratando-se de diferentes categorias (Qvortrup, 2009). Neste ponto, pretende-se discutir quais as questões que se colocam à cidadania infantil e que poderão ser entendidas de modo semelhante a outros grupos ou categorias adultas e aquelas que, por força de um conjunto distinto de fatores, lhe são específicas.

Tal como explorado na primeira parte desta tese, a imagem da Infância e das crianças sofreu alterações significativas iniciadas na última metade do século XX em diferentes áreas disciplinares. Uma das mudanças mais importantes a esse nível terá sido a consideração da criança enquanto ser social com ação própria, com voz própria, capaz de pensar e influenciar os seus mundos e ser influenciado por eles (James, Jenks e Prout, 1990; Prout, 2005; Christensen e James, 2005; Christensen, 2003; Corsaro, 1997; Sarmento, 1999, 2000, entre outros). Esta ideia acompanhada de importantes alterações que foram sendo sedimentadas até à promulgação e ratificação da Convenção dos Direitos da Criança (ONU, 1989)13, sintetizou as primeiras imagens (ou possibilidades) da criança cidadã. Embora não se referindo diretamente a esta imagem, este documento iniciou uma desconstrução do “paradigma protecionista” da Infância (Soares e Tomás, 2004) importante, e abriu portas a um conjunto de questões ao mesmo tempo inovadoras e problemáticas, tal como se aprofundará.

“ (…) Posteriormente, há uma tradução real destas conceções nas atitudes, nos discursos e nas práticas sociais, no desmerecimento face àquilo que as crianças dizem ou fazem. Este facto deve-se, em muitos casos, à subsistência na atualidade de velhos paradigmas face à infância, que podemos sintetizar como: Paradigma da Propriedade; Paradigma da Proteção e do Controlo; Paradigma da Perigosidade”. (Soares e Tomás, 2004, p.137).

As discussões em torno da cidadania infantil sugerem que as crianças e jovens – tal como as mulheres, minorias étnicas e raciais em tempos passados – não têm o

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A Convenção dos Direitos da Criança é o documento internacional mais significativo no âmbito dos direitos da Criança, tendo sido aprovada em 1989 nas Nações Unidas e ratificada, por Portugal, no ano de 1990. É composta por 54 artigos, que podem ser enquadrados em três tipos de direitos: provisão, proteção e participação, tendo sido estes últimos a “grande conquista” do documento. É um avanço relativamente ao primeiro documento – Declaração dos Direitos da Crianças (ONU, 1959) - composta por 10 princípios. Tem ainda carácter vinculativo aos Estados membros que a subscrevem, obrigando-os a um conjunto de ações que visam defender, promover e assegurar o cumprimento desses mesmos direitos a todas as crianças. No caso português, a CDC e seus direitos são aplicáveis a todas as pessoas até aos 18 anos de idade – definição da maioridade no nosso País.

reconhecimento formal do seu estatuto de cidadania e, nesse sentido, não encontram possibilidades de serem cidadãos na prática (Sarmento, 1999, 2009; Lister, 2007; Jans, 2004; Roche, 1999; Lansdown, 2010, Cockburn, 2013, entre outros). Os debates principais advogam ainda que a aplicação de uma perspetiva centrada na formalidade dos direitos e na cidadania adulta diminui as possibilidades de serem consideradas cidadãs. Questões como as relações de poder, neste caso da supremacia adulta em relação à Infância, transformam-se em formas de desigualdade a partir da negação desse mesmo estatuto às crianças. Ainda nesta discussão, questões como a competência das crianças para o exercício do estatuto de cidadão são largamente discutidas partindo da ideia da sua incompetência para participar, negociar e co decidir com adultos e em estruturas formais de tomadas de decisão. Ainda neste domínio, a assunção da incompetência baseada na idade e na maturidade das crianças é usada de modo abstrato e muito menos debatida quando se trata da sua observação em contextos de vida específicos das vidas das crianças. A ideia de cidadania tende a relacionar-se, em termos nacionais, às lógicas de soberania, e no que respeita a infância, à ideia de fim de dependência. Assim o conceito de cidadania envolve a ideia de votar (o direito de voto que não implica, necessariamente, estar envolvido na tomada de decisão), responsabilidade económica, tal como trabalhar, ter em contrato, obter empréstimos, comprar uma propriedade; responsabilidades sociais, tais como casar sem permissão parental, tornar-se membro de governo ou de sindicatos, e determinadas responsabilidades legais e criminais. Inclui ainda a ideia de cumprimento de diferentes deveres que podem variar de país para país. Ainda assim, um dos grandes paradoxos no que toca às crianças, é a ideia de que podem morrer e viver de acordo com o critério de idade de acordo com políticas em relação às quais não votaram (Ennew, 2000).

Do mesmo modo, se se aplicar uma noção restrita e mais tradicional – tal como se analisou anteriormente – diferentes grupos sociais ficam de fora, sendo que a Infância não se torna uma exceção a esses processos de exclusão de cidadania. Tal como argumenta Roche (2000), uma perspetiva apenas centrada na lógica de direitos e deveres não será a mais interessante quando se pretende analisar a cidadania infantil.

Cidadania Infantil versus cidadania adulta

A reconfiguração dos direitos de cidadania e suas identidades faz-se cada vez mais de modo político e os direitos políticos estão no centro desse debate. Trata-se portanto de “esticar” os limites de modo a englobar os que ficam fora deles, tal como sugeria Plummer (2003) e de utilizar, na aplicação às crianças, perspetivas que possam fugir às definições standard que as cristalizam e essencializam (Jans, 2004).

Pensada então cada vez mais como uma extensão e sentido crítico à proposta de Marshall (1950, 1964) – de uma correspondência estrita em direito e dever e capacidade de o cumprir – a inclusão de novas dimensões e novos grupos que reclamam vozes (as “vozes múltiplas” de Plummer) prefigura a possibilidade de aquisição de um estatuto pleno de cidadania.

A cidadania é então entendida como conjunto de experiências subjetivamente vividas, em esferas públicas e privadas entrecruzadas, onde os cidadãos constroem as identidades individuais e coletivas e assumem influência e participação nas esferas de vida em que se movimentam e a que pertencem. É precisamente este sentido de inclusão das crianças enquanto coletivo – e não, apenas, enquanto membro da sociedade individualmente considerado – que não acontece, uma vez que apesar do acesso que têm a direitos de cidadania social (eg, direito à educação, à saúde…) veem o seu acesso a uma cidadania política, nomeadamente a participar, influenciar e co decidir, dificultado ou ser mesmo inexistente. Assim, as crianças permanecem como o grupo social excluído de cidadania (Sarmento, 2009; Lansdown, 1994; 2009; Soares e Tomás, 2004) por excelência, baseado em diferentes assunções que desenvolveremos. Ela não será vista apenas como o reconhecimento de direitos e deveres, mas sobretudo como a capacidade para participar em decisões coletivas e que afetam o quotidiano individual e coletivo dos cidadãos, sejam eles crianças, adultos ou idosos.

Por outro lado, esta perspetiva de “negação” ou de “limitação” do exercício de cidadania infantil não pode sequer ser generalizada e vista como uma universalidade no que toca à Infância e às crianças – tal como argumenta Sarmento (2013) a observação de diferentes realidades culturais e sociais, como em alguns países do hemisfério Sul, revela fortes experiências de inclusão de crianças e jovens em processos formais de decisão e estruturas específicas, nomeadamente em políticas de governação local. O

movimento social “Sem Terrinha”14

no Brasil é disso um forte exemplo, como o são outros movimentos sociais presentes no mundo de grupos de cidadãos que sentem o seu estatuto limitado ou inexistente. Estas experiências, assim como as de Parlamentos de Juventude e das Crianças desconstroem o princípio de que as crianças e jovens são não familiares com a ideia do político, por falta de conhecimento, maturidade ou competência tal como é frequentemente argumentado. Tal como sugerem Sarmento e Marchi (2008) deveremos sempre considerar aquelas crianças que não “encaixam” nesta visão unitária da proteção e que desafiam a ideia comum de Infância – como é o caso das crianças de rua, por exemplo, no Brasil15 – ou mesmo considerar aquelas que são capazes de se organizar em fortes grupos de ação política, tal como foi já referido. Ainda que sejam interdependentes dos adultos, estes movimentos e realidades revelam competências das crianças em entender, em assumir uma postura crítica perante a sociedade e em desenhar ações que possam diretamente relacionar-se com essas questões. As suas perspetivas são frequentemente vistas como sendo pouco válidas e, por isso, com pouco interesse em poderem ser escutadas (Wyness, Harrison e Buchanan, 2004). A voz política das crianças é assim ilegítima, pouco válida e desinteressante quando toca a questões políticas. Mas não se trata apenas disso, como também da ausência de espaços e estruturas onde essa voz, mesmo que assim fosse considerada, pudesse ser ouvida e, por conseguinte, legitimada.

As questões de poder entre adultos e crianças – e da ausência das últimas face às primeiras – são também trabalhadas com particular inspiração nas teorias feministas de cidadania (Lister, 2007; Plummer, 2003). A reivindicação de estatutos de cidadania está altamente dependente das relações de poder que se estabelecem entre grupos sociais sendo, no caso das crianças, particularmente visível na ideia de que os adultos sabem melhor o que é bom para as crianças decidindo os seus interesses em função do que acreditam e não necessariamente do que seria mais interessante para elas. A esta ideia, mais uma vez, associar-se-á a da necessidade de proteção, sobreposta às possibilidades

14 O Movimento dos “Sem Terrinha” nasceu de um Movimento Social mais vasto – Movimentos dos Sem Terra, em 1984 – no Brasil. Assumiu-se como um movimento social de luta pela Reforma Agrária justa, de conquista de justiça e direitos iguais para todos. Funda-se na pedagogia libertária de Paulo Freire, pedagogo brasileiro e luta pela melhoria das condições de vida dos camponeses brasileiros. Organiza-se em assentamentos em terras desocupadas e subsiste do trabalho da comunidade, onde as crianças são vistas como tendo direito próprios e interesses específicos. Nos assentamentos, as crianças são elementos de direito pleno, tal como os adultos, e participam de modo ativo na discussão e identificação de problemas, na procura de soluções e na sua aplicação. Daqui nasce o Movimento dos “Sem Terrinha” com organização de Encontros Anuais liderados pelas crianças onde se discute de modo genérico os problemas das crianças no Brasil e os problemas e projetos das crianças “Sem Terra”.

15Marchi (2007) sublinha as experiências vividas das crianças que não entram numa visão fechada e unitária da mesma, uma vez que desafiam os modos de as proteger e também de exercerem os seus direitos, bem como desafia o papel de adultos e de instituições sociais.

de participação colocando as crianças numa situação de vulnerabilidade e dependência que lhes limita graus de independência e autonomia face aos adultos. O poder que os adultos exercem sobre as crianças encontra-se ainda legitimado quer do ponto de vista legal quer do ponto de vista simbólico, criando a ideia de que estes “naturalmente” podem usufruir de situações de supremacia em termos de poder face às crianças.

A ideia de uma Infância homogénea é também um ponto a questionar quando se discute a cidadania infantil. Tal como nas teorias feministas se torna necessário perguntar “que mulheres”, também na cidadania infantil se deverá questionar de “que crianças” falamos e em que realidades se encontram? Uma das possibilidades de responder à questão passará por assumir o que diferentes autores têm vindo a sugerir (Christensen, 1998, 2008; Hutchby e Moran-Ellis, 1998; Prout e James, 1998; Sarmento, 2000, entre outros) de que a infância não deverá ser considerada como uma categoria unitária, sendo necessário especificar quem são, em que contextos se situam, recusando-se a ideia de uma “Infância Normativa” (Sarmento e Marchi, 2008). Como diferentes autores têm sugerido (Jans, 2004; Christensen, 2009) a infância deverá ser vista enquanto realidade ambivalente – cada vez mais protegida mas, ao mesmo tempo, exigindo às crianças que se tornem cada vez mais autónomas e independentes. O paradoxo vulnerabilidade/competência não deverá ser discutido enquanto dicotomia em si, mas antes, enquanto espetro que junta diferentes modos de o equacionar com diferentes implicações para as crianças e altamente dependente de elementos como idade, experiências das crianças, contextos, natureza da situação, entre outras.

Numa revisão das teorias mais comuns versando a cidadania infantil, Lister (2007, a)) aponta duas perspetivas centrais: uma primeira que tem vindo a ignorar as crianças equacionando-as implicitamente a partir da adultez, ou representando-as enquanto futuros cidadãos: citizens in waiting; learner citizens; apprentice citizens (Lister, 2007, p. 697). As críticas principais a esta teoria centram-se na ideia de serem orientadas para o futuro e não para o aqui e agora rejeitando as possibilidades de exercício de uma cidadania infantil. A proposta de Honig (2009) de reconfiguração da socialização das crianças enquanto percurso em direção à Infância e não necessariamente à adultez ganha aqui novo sentido. No outro extremo, existe uma parte de literatura sobre infância que desafia essas construções futuras assumindo que as crianças são, simplesmente, cidadãos. A relação entre literatura sobre infância é importante, uma vez que ela problematiza modo como vemos as crianças. A construção

recente da ideia da criança como ator social provido de agência, com diferentes níveis de competência, abre a possibilidade de as reconhecermos como cidadãos ativos, coisa que não acontecia com a anterior perspetiva delas como objetos passivos das práticas adultas.

Deste modo, as crianças permanecem como “would be citizens” (Plummer, 2003), como “semi-citizens” (Cohen, 2005), como “citizens in the making” (Marshall, 1950) e não como cidadãos aqui e agora, em contextos de vida específicos. Estas questões relacionam-se diretamente com problemas de desigualdade (Plummer, 2003) e exclusão (Prout, 2009; Sarmento e Marchi, 2008) tornando-se necessária a inclusão de novas dimensões – tais como género, idade, classe social ou etnicidade – que contribuem para a persistência desses mesmos fatores. As crianças e os jovens são frequentemente excluídos de direitos políticos assumindo-se que ainda não são adultos e que não dispõem das competências necessárias para participar em processos de decisão e em processos de transformação social que lhes dizem diretamente respeito, ainda que tal aconteça em questões que as afetam diariamente e em contextos de vida muito específicos. Tal como Linares y Bojorquez (2003) argumentam, persiste uma perspetiva de que as crianças não detêm direitos políticos uma vez que não votam ou acedem a estruturas formais de participação como, por exemplo, um partido político.

As crianças são cada vez mais protegidas pelos adultos nos espaços públicos, de modo a garantir a sua segurança. Cada vez mais crianças vivem confinadas em instituições e espaços específicos que são desenhados para elas mas não por elas/com elas (Christensen, 2003; Zeiher, 2003). Ao protegê-las e garantir-lhes segurança estamos, simultaneamente, a negar-lhes a possibilidade de serem reconhecidas como participantes ativas das suas vidas e, por isso, cidadãos. De algum modo permanece a ideia de que para proteger é necessário negar participação e para mobilizar participação estamos, de alguma maneira, a colocá-las em risco.

Tal como salientam Wyness et al (2004) e Sarmento (2009) quando definimos e discutimos questões de cidadania infantil voltamos ao problema inicial de definir o estatuto das crianças enquanto atores sociais. Não sendo reconhecidos na totalidade enquanto cidadãos e participantes de uma sociedade dificilmente exercerão diferentes direitos, nomeadamente políticos. Esta questão poderá relacionar-se ainda, tal como sugere Wyness et al (2004) com a ideia de uma infância enquanto fase transacional em

si própria, levando a uma mais completa – neste caso, a adultez16. A ideia incontestada de que os adultos são “naturalmente competentes” – só, e apenas por haverem atingido legalmente a maioridade, por exemplo – para participarem politicamente deverá ser discutida. Estranhamente, e tal como observam Wyness et al, não dispomos de meios específicos para determinar se os adultos são ou não competentes ao decidir o que é melhor para si e para os outros nem de que detêm um conhecimento políticos maior acerca da vida política. Por isso mesmo, e ironicamente “(…) as crianças veem-se reconhecidas enquanto cidadãs na mesma altura em que deixam a Infância” (Wyness, Harrison e Buchanan, 2004, p.84).

Cidadania inclusiva e universalismo diferenciado

Uma outra ideia central nas perspetivas atuais – e, na nossa perspetiva, extensível às crianças – diz respeito à criação de uma similaridade ou, por outro lado, de uma diferenciação, das crianças e jovens face aos adultos, em termos de cidadania. Tal como têm vindo a salientar diferentes autores, uma parte da argumentação sintetiza a ideia de que as crianças deverão ser tratadas igualmente como qualquer outro ser humano, membro de uma determinada sociedade (Lister, 2007; Cockburn, 1999). Masa ideia de igualdade não pressupõe, necessariamente, a rejeição da ideia de diferenciação (Plummer, 2003). Dito de outro modo, e válido de resto para qualquer categoria social, o tratamento de igualdade não exclui a consideração de particularidades e especificidades de grupos específicos que, por diferentes razões, necessitam de diferenciação precisamente para que sejam asseguradas essas condições de igualdade de estatuto (a este título poderemos incluir as crianças, os grupos de pessoas deficientes, as pessoas idosas, etc…). Tal como sustenta Sousa Santos:

“ (…) Daí o novo imperativo categórico que, em meu entender, deve presidir a uma articulação pós-moderna e multicultural das políticas de igualdade e de identidade: temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza” (1995:s/p).

16 Neste ponto poderá ser interessante relembrar Prout (2005) na análise do dualismo ser/tornar-se em que o autor não apenas questiona esta ideia da Infância como período de vida transacional – portanto, com um tempo de vida limitado – mas a relaciona com a ideia de todas as outras faixas ou grupos etários/gerações estarem sujeitas a processos de redefinição e crescimento constantes, recusando a ideia de que apenas a Infância é “passageira”, “inacabada” e todas as outras são estáveis e permanentes.

Dito de outra forma, argumenta-se que as crianças deverão ser tratadas como membros da sociedade “diferencialmente iguais”, fora das dicotomias público/privado que tornam os interesses das crianças marginais (Mossa Mirtha, s/d cit por Lister, 2007, p.708). O carácter universalista apela, assim, à ideia de igualdade, tal como vimos anteriormente recorrendo ao conceito de Lister de “universalismo diferenciado” (idem). Para a autora, este conceito permite sustentar uma ideia importante quando se discutem a cidadania e participação infantil: a de que as crianças, tal como os adultos, devem ver as competências e direitos de que usufruem efetivamente, bem como as suas responsabilidade, reconhecidos, sem que isso represente, contudo, uma obrigação de os exercer. Recorrendo a inspiração das teorias feministas, a autora argumentará que tal como as mulheres, as crianças se encontram em situações de poder desiguais mas que, ao contrário do que sucede com as primeiras, têm vindo a ser progressivamente afastadas da esfera pública, tal como discutimos já. Este ponto será particularmente relevante na análise da relação das crianças e jovens com espaços de codecisão, com a relação com as políticas públicas e com o espaço da cidade e da construção de uma cidadania urbana. Assim, as crianças lutam também por maior enquanto cidadãos ainda que encontrem diferentes tipos de resistência tal como se discutirá mais adiante (Lister, 2007; Wyness, 1996; Sarmento, 2008, entre outros).

Lister (2007) alerta ainda para a necessidade de não essencialização da discussão da possibilidade da cidadania infantil, questionando a partir de Hill e Tisdal até que ponto os conceitos de cidadania e de Infância são compatíveis? (Lister, 2007, p. 699). Para a autora, a questão dependerá sempre do modo como definimos cada uma delas,