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Capítulo I – a construção da ideia da criança cidadã

2. A construção do conceito de cidadania: da ideia moderna de cidadania à construção

2.2. Construção contemporânea da cidadania

A consideração teórica da cidadania infantil não pode ser iniciada sem, antes, ser enquadrada num conjunto mais vasto de discussões recentes acerca das mudanças observadas na cidadania no seu sentido mais genérico, e mais especificamente, nos modelos que a procuram teorizar. Parece também clara a necessidade de uma contextualização dessa mesma discussão. Referimo-nos à discussão da cidadania em sociedades consideradas democráticas e formalmente constituídas enquanto tal, assumindo-se como fundamentais os direitos de nacionalidade, de pertença a uma comunidade específica e com igualdade de direitos e deveres, num sentido mais abrangente. Obviamente tal não implica a ideia de democracias perfeitas nem tão pouco de vivências de cidadania igualmente distribuídas por todos os cidadãos, tal como se discutirá.

Inserida no quadro das sociedades democráticas, fortemente globalizadas e assimétricas de diferentes pontos de vista, e associada aos discursos de decréscimo e enfraquecimento do exercício de direitos de cidadania – portanto, de direitos políticos no sentido mais lato – as reconfigurações de cidadania encontram-se no centro do debate. A reclamação de uma noção mais vasta e flexível, por exemplo estendendo-se não apenas ao domínio público mas também ao privado, implica a problematização das teorias da cidadania formal e a concetualização de uma cidadania ativa (Plummer, 2003; Lister, 2007, b)). Não mais pensada no sentido restrito ou clássico de uma correspondência estrita entre direitos e deveres e a capacidade de os reclamar e os cumprir (Marshall, 1950), respetivamente, a cidadania passa a incluir novas dimensões e categorias correspondentes às expressões que assumem no quadro de relações sociais mais específicas e mais complexas. É neste sentido que surgem as reivindicações da consideração de cidadanias universalistas, de cidadanias íntimas, cidadanias urbanas, na inclusão de franjas da população ou grupos geracionais que tradicionalmente se veem excluídas da possibilidade de exercício de uma cidadania plena. Os semi-cidadãos (Cohen, 2005) ocupam cada vez mais espaço na literatura contemporânea sobre

cidadania. Tal como afirma Jans (2004), a noção de cidadania ativa será vista mais como um processo do que como um conjunto standard de direitos e responsabilidades

Marshall e a visão moderna de cidadania

A cidadania moderna e os seus estudos datam de finais da Segunda Grande Guerra. Marshall (1950) argumentou que a forma prevalente de cidadania em meados do século XX era um conjunto de direitos e obrigações excessivamente limitada e formalizada. Via a distância entre classes em Inglaterra como um impedimento para o exercício da cidadania cívica. O impulso normativo da cidadania moderna levou à criação e extensão de programas sociais e a um esforço para expandir os direitos a saúde, educação, segurança social, e cuidados de saúde. O rápido crescimento económico no pós-guerra aconteceu no estádio pós moderno de cidadania. Gerou um sentido geral de bem-estar material na maioria do mundo industrializado, levando a uma “mudança cultural” e de valores.

Marshall é considerado o autor da noção moderna de cidadania, ao publicar em 1950 um ensaio seminal intitulado “Cidadania e classe social”10

, e ao definir a cidadania social. O autor iniciou o argumento identificando três fases distintas (ou elementos, nas palavras de Marshall no desenvolvimento da cidadania (Marshall, 1950; Cockburn, 2013): i) o elemento civil – ou cidadania civil – compõe-se dos direitos fundamentais necessários à liberdade da pessoa, como a de expressão, pensamento, propriedade ou justiça. Historicamente, este período corresponderia o período compreendido entre o Renascentismo e meados do século XIX. Tal como explica Cockburn, neste período um conjunto de categorias respeitantes à infância havia sido criado, como a criação de registos de nascimento e de reconhecimento enquanto pessoa ainda que, permanecendo como menores, fossem excluídos de um conjunto de direitos de decisão enquanto cidadãos (Cockburn, 2013); ii) o segundo elemento – cidadania política – seria composto de um conjunto de direitos políticos como o direito a exercer poder político e a ser eleito como membro com poder político (Marshall, 1959). Apesar do alargamento no século XX de direitos políticos a diferentes franjas, outras categorias, como as crianças, os mentalmente doentes ou os presos, por exemplo, viam negados alguns destes direitos (Cockburn, 2013); iii) por último, o terceiro elemento – cidadania social

– correspondente ao conjunto de direitos sociais de bem-estar, a usufruir da herança social e a viver de acordo com padrões vigentes em cada sociedade (Marshall, 1950). Os direitos sociais, desde finais de século XIX a meados do século XX, incluíam também o direito a uma educação gratuita e universal, saúde, cuidado, enfim, a direitos sociais. Vista como a expansão de excelência, por incluir franjas da população até então excluídas – como os muito pobres – a cidadania social, no entanto, não garantiu a sua universalidade produzindo, na verdade, novos modos de exclusão (Cockburn, 2013). Nestas exclusões, encontrar-se-iam as crianças, a par com outras categorias geracionais. Do mesmo modo, parecerá justo assumir-se que, utilizando os três tipos de direitos centrais de Marshall (1950), a exclusão se alarga aos direitos políticos, não apenas na capacidade de votar, mas nos de participar em processos coletivos de decisão e de influência em diferentes áreas da vida social. Uma das críticas centrais à teoria de Marshall quando aplicada à Infância, como refere Cockburn (2013) prende-se com as possibilidades de exercício dessa cidadania social, nomeadamente no que aos deveres que os direitos implicam diz respeito. Da mesma forma, a ideia de universalização desses direitos – em particular os sociais e políticos – não se consubstancia na prática com diferentes grupos, entre os quais, crianças.

A cidadania entender-se-á então como experiência vivida, como modo de construção de identidades e como quebra de dualismos entre esferas públicas e privadas. Equacionam-se hoje os mecanismos de acesso ao estatuto de “cidadão pleno” do ponto de vista dos grupos que são incluídos ou, pelo contrário, excluídos. Esta parece aliás ser a razão de uma forte influência das teorias feministas na análise da cidadania e, por consequência, na análise da cidadania infantil (Lister, 2007; Plummer, 2003). É possível, assim, estabelecer um paralelismo entre o percurso histórico das mulheres na conquista da cidadania e a condição das crianças enquanto cidadãs, pesem embora as diferenças que necessariamente se estabelecem entre as duas. No entanto, e tal como afirma Lister (2007) duas características assumem particular importância nesta análise: as relações de dependência/independência e autonomia, e as de poder.

O ponto de partida da discussão deverá então situar-se não num terreno de assunção inicial de uma cidadania infantil mas, antes, de uma leitura dos debates contemporâneos de cidadania de modo a poderem estabelecer-se paralelismos e distinções a partir daí. Deste modo, encontrar-se-á o ponto central da ideia de cidadania para, a posteriori, se debater a ideia da criança cidadã.

A ideia de cidadania tem vindo a centrar-se na lógica de se assegurarem ou negarem direitos, benefícios económicos e serviços sociais, educação, processos legais e oportunidades para afetar a decisão política por parte dos cidadãos. Mas ela não garante,

per se, igualdade, justiça, bem-estar económico, dignidade ou mesmo o respeito dos

organismos oficiais e dos concidadãos (Heisler, 2005). De forma não surpreendente, segundo o autor, o conceito foi-se tornando menos claro à medida que aumentou a sua relevância e proeminência, em parte, devido ao alargamento trazido pela sua proliferação em termos de uso e da multiplicação de perspetivas dos seus utilizadores; mas também reflete mudanças normativas e estruturais na política, economia, e em alguns valores fundamentais –incluindo aquiloa que se chama geralmente globalização.

Tal como sustenta Machado Pais (2010) a cidadania tem-se multiplicado por conceitos contraditórios, revelando a instabilidade do conceito.

“Decididamente, o rumo a seguir é tornar-se o conceito de cidadania como uma ideia virada para o futuro, tendo em conta a realidade do presente. E o que a realidade do presente nos diz é que, se a ideia de cidadania continua associada à defesa de direitos universais, um dos mais relevantes desses direitos é, sem dúvida, o tão reclamado direito à diferença.” (Machado Pais, 2010, p.122)

Os discursos sobre cidadania mudaram da inclusão de populações nativas para três novas discussões: direitos comuns versus direitos individuais; direitos, tratamento e estatuto dos não cidadãos; e os sentidos e formas de pertença, identidade e pertença política. Até há cerca de 100 anos atrás poucos eram considerados cidadãos iguais, de pleno direito, mesmo num sentido legal e formal. Mulheres, crianças, não proprietários, minorias, grupos étnicos e outros eram relegados para segunda ou terceira cidadania (Heisler, 2005). Alguns tinham o estatuto de plena cidadania por razões específicas; outros eram excluídos (“para o seu próprio bem”, como era o caso das mulheres e das crianças) ou teriam de ganhar direito à inclusão pela aquisição de propriedade, de literacia, etc... O reconhecimento de reivindicações de diferentes grupos para se terminar a discriminação e a terem uma igualdade não nominal, mas genuína; a mudança contínua em relação à retórica dos direitos e longe das obrigações de cidadania na prática e na teoria, entre outras, terão contribuído, segundo Heisler (2005), para uma ênfase crescente nas questões de autenticidade, integridade cultural, e direitos coletivos de grupos e, mais importante, da legitimação de múltiplas identidades sem uma

identidade superordenada e ancorada no Estado. As democracias modernas focaram então os seus debates no “quem somos” e “quem ambicionamos ser”.

Assim, esta construção de uma ideia contemporânea de cidadania em sociedades democráticas – independentemente de se referir a democracias representativas ou participativas – foi progressiva e não representou um processo igual para todos os grupos sociais. Tradicionalmente alicerçada em algumas ideias fundamentais como a de território, nacionalidade, pertença e comunidade específica, direitos e deveres, era relativamente “simples” definir quem era ou não cidadão numa dada realidade. A cidadania definiu-se frequentemente quer pela rigidez dos seus componentes quer pela manutenção dos binómios inclusão/exclusão. Dito de outro modo, foi sendo construída e utilizada no sentido de definir quem o é mas, sobretudo, quem o não é.

Numa perspetiva mais tradicional, encontra-se intimamente ligada à lógica de conquista de direitos e cumprimento de deveres que deverão ser aplicáveis a todos os cidadãos, excetuando-se os que por questões legais, pessoais e de outra natureza devam ser considerados de modo distinto. Dos grupos mais conhecidos – historicamente excluídos de um estatuto pleno de cidadania – podemos nomear as mulheres, os menores, grupos étnicos e raciais, populações indígenas, relegados para estatutos de cidadania de segunda ou, no seu modo mais radical, no estatuto de não-cidadão (Heisler, 2005; Soares e Tomás, 2004). Esta visão, designada de cidadania hierárquica (“hierarchical citizenship”, Heisler, 2005; Castels, 2005) assentou numa justificação da desigualdade no acesso ao estatuto de cidadania baseada na ideia de que os cidadãos plenos o eram por razões específicas, assim como os excluídos desse estatuto o eram por razões particulares. No caso de mulheres e crianças, por exemplo, sob o argumento de que era para seu próprio bem (associada ainda, à ideia de que mulheres e crianças seriam menos competentes, menos entendedores de um conjunto de situações perante as quais fossem colocados). Finalmente, estas distinções não aconteceriam apenas entre cidadãos e não cidadãos mas também entre diferentes grupos e classes geralmente acompanhados de desigualdades altamente pronunciadas. Assim, a cidadania enquanto norma global pressupõe a posse de um conjunto de direitos civis, políticos e sociais. Mas este princípio legal esconde, segundo Castels (2005) uma hierarquia real em que a igualdade absoluta de direitos humanos presente em instrumentos legais internacionais não existe na realidade social, onde prevalecem o relativismo e a hierarquia: “Todas as pessoas podem ter certos direitos no papel, mas a muitas faltam as oportunidades e os

recursos para gozar, de facto, esses direitos” (Castels, 2005, p.691). Esta ideia da distância entre a teorização e princípios legais de cidadania e as práticas sociais do seu exercício tornar-se-á central na análise das condições efetivas de uma cidadania infantil, tal como veremos.

A evolução das diferentes sociedades para democracias trouxe uma inclusão crescente de faixas da população até agora excluídas no círculo de cidadania, muitas vezes acompanhadas de fortes contestações ou mesmo de conflitos violentos nessa luta de reivindicação e reconhecimento de igualdade11. Assim, a ideia de estratificação associada à conquista do estatuto de cidadão começa lentamente a cair dando lugar, nas democracias modernas pelo menos, à cidadania nominal num Estado particular, na última metade do século passado (Heisler, 2005). Esta ideia de cidadania formal, legal deu lugar à criação do termo cidadania cívica (Marshall, 1964) tendo-se tornado no ponto inicial da criação da ideia de uma cidadania moderna. Esta poderá caracterizar-se como salienta Heisler por uma reivindicação que não se baseia somente no fim da discriminação mas na procura de uma igualdade genuína e não apenas nominal ou legal. Essas reivindicações adquirem carácter coletivo e a ênfase coloca-se cada vez mais em questões como autenticidade, integração cultural e coletiva e a legitimação de identidades múltiplas (Heisler, 2005; Plummer, 2003).

A cidadania nas chamadas sociedades democráticas tem, segundo Castels (2005) um carácter dual: por um lado, denota a inclusão numa comunidade política autogovernada; por outro, significa pertencer-se a uma comunidade nacional específica, definida por fronteiras territoriais e práticas culturais específicas. Assim, o cidadão aparece também como um nacional – todos num país pertencem, enquanto os outros são excluídos. No entanto, e observando as diferenças entre teoria e prática da cidadania, Heisler (2005) e outros autores alertam para a necessidade de considerar a cidadania como o “aqui” e “agora”, tendo em linha de conta as diferenças a nível nacional e internacional, observando-se as distâncias entre teoria e prática, as oportunidades para uma participação política significativa ou mesmo uma distribuição económica equitativa. Tal implica então, reequacionar alguns dos elementos enraizados nas teorias

11 Dos exemplos mais notórios por essas lutas de reconhecimento, poderemos referir os movimentos feministas, um pouco por todo o Mundo com particular significado na década de 60 do século XX; os movimentos de direitos civis da população negra americana nas décadas de 50-70 do século XX; as lutas estudantis em diferentes países europeus (sendo França o exemplo principal aquando do Maio de 1968 e, antes disso, com a Revolução Francesa); em Portugal, o movimento estudantil dos anos 60, e a Revolução do 25 de Abril de 1974.

tradicionais da cidadania, como é o caso do território – o aumento de movimentos migratórios, de comunidades transnacionais, de múltiplas cidadanias puxam o pensar-se na cidadania para além dos limites das fronteiras dos Estados (Heisler, 2005; Benhabib, 2005; Kastoryano, 2005).

Uma outra questão a considerar diz respeito à utilização de uma conceção de cidadania que “serve” as sociedades ocidentais, liberais, legalistas mas que não serve igualmente para aplicação em todas as realidades existentes. O rápido interesse que o conceito voltou a gerar, trouxe inevitavelmente dificuldades na sua definição e delimitação, quer pela multiplicidade de usos e contextos quer pela modificação de valores fundamentais, particularmente associados aos fenómenos de globalização. Estas modificações às quais se poderia associar a ideia das sociedades de risco (Beck, 1992; Giddens, 1997), a de globalização trouxeram alterações importantes quer no modo como o conceito se vê teorizado quer nas implicações dessas alterações para as vivências cidadãs em todo o Mundo.

As sociedades contemporâneas, marcadas por oportunidades intensas em diferentes áreas como o trabalho, a mobilidade dos cidadãos, a qualidade de vida… caracterizam-se, também, pelo acentuar de fortes assimetrias, em particular no sistema económico mundial e no acesso a bens e direitos fundamentais por parte da população mundial. Tal como referem Soares e Tomás (2004), a análise do impacto da globalização na cidadania – e em particular, na infantil – deverá ultrapassar a consideração de processos económicos para abranger um conjunto mais complexo, de dimensões multifacetadas onde se incluem as económicas, as políticas, culturais, religiosas (Santos, 2001 cit. por Soares e Tomás, 2004, p. 140). A criação de desigualdades mais profundas sente-se sobretudo nos grupos sociais mais débeis, que continuam a ser afastados de centros de decisão em diferentes áreas das suas vidas e com pouco grau de influência nessas mesmas áreas (Soares e Tomás, 2004). Um dos fenómenos mais marcantes no centro das discussões da cidadania é o da migração, transnacional e internacional, introduzindo a ideia de “portabilidade” dos direitos humanos individuais (Heisler, 2005). Problematiza, portanto, a ideia tradicional da cidadania ligada a um território e cultura específicos como até aqui se havia definido. Tal como argumentam Castels (2005) e Miller (2003):

“Acima de tudo, a globalização significa o aumento de todo o tipo de migrações, intimamente ligadas a transformações sociais dramáticas quer nas comunidades recetoras quer nas de envio” (cit in Castels, 2005, p.689).

Parte destas transformações originam as comunidades transnacionais (“transnational communities”, Castels, 2005, p. 689), designadas como grupos com atividades significativas e regulares em dois ou mais países. Assim, segundo o autor, a globalização redefine o sentido do espaço político e social.

Permanece a questão de perceber até que ponto uma cidadania democrática é possível, tendo em conta a existência de princípios hierárquicos dos diferentes Estados. Assumindo como verdadeira a assunção de Castels, de que as hierarquias não foram ainda substituídas e de que o princípio de igualdade anunciado pela maioria dos Estados democráticos contrasta com a realidade da exclusão e da hierarquização, quer isso dizer que num mundo globalizado a cidadania hierárquica é inevitável? Para o autor, uma resposta afirmativa significaria dizer que a democracia – enquanto participação ativa dos cidadãos na formulação de legislação e governo – não teria futuro, ideia que recusa. A proposta é de que nos movamos de uma ideia hierárquica de cidadania para uma transnacional, implicando a criação de formas efetivas de participação cidadã, adotando- se medidas especiais para os grupos excluídos desse estatuto; a de devolução de tomadas de decisão a nível local e regional, informadas e democratização dos serviços, que permitam maior envolvimento dos cidadãos (Castels, 2005).

Plummer: cidadania íntima e vozes múltiplas

Plummer (2003) argumenta no sentido da existência de novas cidadanias partindo do princípio que estas últimas terão de ser equacionadas em estreita ligação com o conceito de identidade. Neste sentido, a cidadania referir-se-á a um sentido de pertença a uma comunidade ou grupo e por isso, também, a um sentido de participação na mesma, onde assume importância o peso legal do conceito. A este, chamará de conceito contestado. No que se refere à identidade, entende-a enquanto designação daquilo que somos e do que não somos, portanto, ao sentido de si (sense of self), no qual assume mais importância o peso social e cultural do conceito. Alerta para o facto de que o conceito de cidadania poderá remeter para o imaginário do “bom” e do “mau”

cidadão, do insider e do outsider, que estão frequentemente ligados a hierarquias sociais específicas. Questiona então se poderemos pensar numa cidadania justa numa sociedade injusta? Possivelmente não, mas tal como Castels (2005) referia numa questão semelhante, Plummer (2003) sugere que as novas cidadanias possam ser mapeadas em dimensões mais abrangentes que possam ajudar a fabricar desigualdade, entre elas, classe, etnicidade, idade ou género, que possam tornar determinados em inferiores face a outros. Se a cidadania for examinada na lógica da desigualdade e da exclusão, então as questões a colocar deverão ser “quem está fora de uma participação útil na vida social? Quem detém menos poder? A quem falta a autoridade e o estatuto”? (Young, cit. por Plummer, 2003).

Uma outra ideia tradicionalmente concebida nas teorizações sobre democracia tem que ver com o direito dos cidadãos em elegerem e serem eleitos para os órgãos soberanamente formalizados para o efeito, de entre os seus concidadãos. Visto como instrumento de participação por excelência nas conceções mais tradicionais de democracia, o voto foi sistematicamente negado justamente às franjas da população consideradas sem estatuto pleno de cidadania ou, na perspetiva mais radical, aos não cidadãos (frequentemente, para este efeito, os não residentes). Historicamente, mulheres, escravos, negros, indígenas e outras minorias étnicas foram afastados desse direito, negando-lhes assim uma voz ativa e o poder de influenciar politicamente decisões a nível local, regional e nacional. Destas exclusões muitos desses direitos foram adquiridos em países europeus apenas nas últimas décadas do século XX precisamente, com a passagem para sistemas democráticos como foi o caso de países