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Capítulo I – a construção da ideia da criança cidadã

5. Os direitos de participação política das crianças nas sociedades contemporâneas:

proteção participada

“Parte da controvérsia em torno dos direitos das crianças, é a ideia de que as crianças podem ter esses direitos como posse do mesmo modo que os adultos possuem direitos. Alguns vêem-no como resultado lógico e razoável de se ver as crianças como pessoas no seu próprio direito. Outros, são mais céticos: ao dar às crianças direitos, estamos a colocá-las no mesmo nível daqueles supostos de cuidar delas, comprometendo a sua autoridade e as suas responsabilidades no cuidado das

crianças. Os direitos das crianças nestes termos tornam-se um assunto de tudo ou nada, com as crianças a perderem o seu estatuto ‘infantil’ no momento em que tomam posse desses direitos” (Wyness, 2006, p.207)

A consagração de direitos específicos às crianças que permitam salvaguardar um conjunto de limites à sua proteção, provisão e participação não garantirão a igualdade do exercício dos mesmos, em particular, a partir da ação das próprias sobre a sua própria condição. Recupera-se a questão lançada por Plummer (2003) sobre que possibilidades existem de garantir igualdade em sociedades desiguais? De como garantir que a própria noção de flexibilidade e variabilidade de direitos não choque, na essência, com outros que lhe estão salvaguardados? Apesar de um conjunto de dificuldades e tensões que se explorarão a este nível, não restam dúvidas quanto ao enorme impacto que a produção de uma Convenção com caráter Internacional e vinculativo 32teve no estabelecimento de uma imagem coletiva da Infância, independentemente do local onde se situa, garantindo simultaneamente, a especificidade de cada um nos seus contextos de vida e a igualdade de direitos fundamentais a todas e cada uma. Estruturada em torno de três dimensões fundamentais de exercício e salvaguarda dos direitos das crianças, a CDC33situará ainda algumas noções importantes, pelo facto de “regerem” as ações e políticas de Infância em muitos dos países onde foram adotados.

32 A Convenção dos Direitos da Criança sucede a dois documentos anteriores. Em particular, à Declaração dos Direitos da Criança, de 1929, que contemplava dez princípios que deveriam nortear os direitos das Crianças, sem caráter vinculativo para nenhum dos signatários. Esta devolve à criança um conjunto de direitos em particular, os de caráter de proteção e provisão. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1959, dirigida a todo e qualquer ser humano, ainda que primeiramente referenciada e pensada para grupos adultos e não de crianças e/ou jovens. A especificidade do grupo Infância não é possível aqui de contemplar ou observar, ainda, tal como será com a promulgação da Convenção dos Direitos da Criança, em 1989.

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A CDC foi ratificada pela Assembleia-geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989, e em Portugal, pela Assembleia da República, em 21 de Setembro de 1990.

Figura 4 – Breve cronologia da História dos Direitos da Criança (Tomás, 2011, p.66)

No entanto, tal como sintetiza Tomás (2011), o caminho para a consagração de direitos específicos das crianças começará a traçar-se antes da ratificação da CDC, em particular – e não nos referindo aqui a documentos como a Declaração Universal dos Direitos Homem de 1959 – com a Declaração dos Direitos da Crianças, de 1929. Tal como afirma a autora:

“Só em meados do século passado, com a adoção pelas Nações Unidas, em 1989, da Convenção dos Direitos da Criança, a criança passa a ser considerada como cidadã dotada de capacidade para ser titular de direitos (Tomás, 2002). (…) A CDC é o mais ratificado de todos os tratados sobre direitos humanos e implicou um conjunto de alterações importantes para o grupo social da infância, nomeadamente a substituição da conceção tradicional de proteção pelo conceito de participação, reconhecendo às crianças direitos semelhantes aos dos adultos” (Tomás, 2011, p.67).

Como na maioria dos documentos reguladores de uma visão universal e global de direitos humanos, a CDC assume a dignidade humana como inerente à própria condição e o seu reconhecimento como princípio basilar. Reforça ainda a ideia de inalienabilidade dos mesmos, ainda que possa ser questionada, em particular assumindo,

como argumentam Plummer (2003), Lister (2007) e outros, pela necessidade de considerar os limites dos direitos cada vez mais flexíveis e porosos tornando assim, difícil, a ideia de cristalização e imutabilidade dos mesmos. Uma ideia interessante que percorre o preâmbulo é a de que toda a pessoa está “legitimada” para invocar, diríamos reivindicar, os direitos nela consagrados. Nesta medida, a ideia de que a criança deverá poder invocá-los independentemente de sexo, raça, religião, opinião política, língua, origem social ou étnica, fortuna, nascimento, ou qualquer outra situação potencialmente discriminatória do exercício desses mesmos direitos, encontra-se expressa.

Ao mesmo tempo, e percorrendo uma das tensões cuja discussão é mais difícil, a Convenção retoma a ideia já explicitada na Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1959), de que a Infância tem direito a ajuda e assistência especiais, sobretudo pela maior vulnerabilidade que apresenta comparativamente a outros coletivos sociais e geracionais. A ideia de proteção da criança aparece ligada, ainda que de modo não exclusivo, à lógica da sua não maturidade física e intelectual, originando assim a ideia de uma proteção especial a ela dirigida. Retomaremos este ponto mais adiante, aquando da discussão dos paradoxos centrais nos direitos e imagens das crianças. Apesar das limitações que se discutirão, a CDC parece ter trazido dois efeitos considerados centrais ao promover dois mecanismos distintos (Tomás, 2011): um primeiro, de harmonização legislativa, sendo juridicamente vinculativo, incorporando todos os direitos humanos (sociais, económicos, culturais, civis e políticos) (Jones, 2011); e da uniformização e estandardização relativamente à conceção dos direitos da criança. No entanto, e tal como diversos autores têm vindo a salientar, a sua consideração não implica na mesma medida a sua aplicabilidade, universalidade ou garantia de justiça (Liebel, 2010; Tomás, 2011; Fernandes, 2009; Jones, 2011, entre outros). Como qualquer documento de carácter legislativo e regulador, a CDC está construída em 4 princípios centrais: não discriminação ou universalidade; melhor interesse da criança; direito à vida, sobrevivência, e desenvolvimento; e o respeito pelas visões da criança.

O princípio da não discriminação e da universalidade (artigo 2º) prevê que a garantia destes direitos seja feita a todas as crianças, independentemente de raça, religião, etnia, língua, afiliação política, bem como pertença social, económica, handicaps, ou qualquer outro estatuto (Jones, 2011, p.6-7). O melhor interesse da criança permanece um dos princípios mais discutidos da CDC, nomeadamente pela

dificuldade em estabelecer consenso sobre a que se refere, sendo necessário atender-se a diferentes variáveis que influenciam o que se considere ser esse melhor interesse. No entanto, o artigo 3º da CDC estabelece que em assuntos públicos ou privados os interesses da criança deverão obter supremacia, referindo-se em particular ao âmbito legal e de cuidado das crianças. O direito à vida, e sobrevivência e a um desenvolvimento harmonioso constam no artigo 6º da Convenção e pretendem assegurar o direito à vida como inerente aos seres humanos e, por isso, também às crianças. Prevê- se ainda que estes se relacionem, diretamente, com os de provisão e de saúde, bem como de cuidados à infância (Jones, 2011, p.7). Finalmente, o princípio de respeito pelas visões da criança preconizados no artigo 12º, frequentemente associado às ideias de participação das crianças e de cidadania infantil.

Assim, a Convenção organiza-se ainda em torno de três lógicas distintas, às quais se associam diferentes conjuntos de direitos, frequentemente designadas como os 3 P’s da Convenção: provisão, proteção e participação (Tomás, 2011). Ainda que podendo ser lidas separadamente, a realidade é que nenhuma destas lógicas poderá ser entendida sem que se estabeleçam diferentes interconexões e implicações, diretas e indiretas. Em alguns contextos e situações, de particular gravidade ou ameaça aos mais elementares critérios de bem-estar e sobrevivência das crianças, poder-se-á assumir a necessidade de supremacia de uns face aos outros, neste caso, por exemplo, dos de proteção ou provisão sobre os de participação. No entanto, e ainda que seja possível verificar-se na realidade social um conjunto de situações desta natureza, tal constatação não deverá anular, por princípio, a lógica de que sempre que possível e dentro de condições que não prejudicam esse bem-estar, a criança possa encontrar espaços e momentos para o exercício desses mesmos direitos e princípios. Tal como argumenta Hart (1992), a CDC ao centrar a sua preocupação em lógicas protecionistas da infância, descura a ideia de que os direitos de cidadania das crianças preveem também responsabilidade que deverão ser “aprendidas” e que essa aprendizagem será conseguida se feita em contexto de atividades colaborativas com outros grupos, nomeadamente os adultos. Abre-se, deste modo, a ideia da consideração da lógica de intergeracionalidade na Infância e da geração (Honig, 2009; Sarmento, 2000).

A primeira lógica, de provisão, refere-se à necessidade de garantir às crianças as condições mínimas de uma vida digna e adequadas às suas características. Apesar do reconhecido entusiasmo que a Convenção foi capaz de trazer à imagem das crianças

como portadoras de direitos e como sujeitos de direitos individual e coletivamente considerados, uma análise atenta levanta inquietações quer ao nível da sua aplicabilidade nas vidas quotidianas das crianças em todo o Mundo como ao nível das necessárias alterações político-sociais para os garantirem, nem sempre asseguradas.

Tal como consta no Relatório Especial da UNICEF comemorativo dos 20 anos da CDC,

“A agenda pelos direitos da criança está longe de ser totalmente cumprida. Milhões de crianças ainda são privadas de serviços essenciais que contribuem para a sua sobrevivência, para reduzir a sua vulnerabilidade e doenças e subnutrição, para prover acesso a água de melhor qualidade e saneamento, e para permitir que consigam educação de qualidade. Muitas crianças não contam com o ambiente protetor necessário para salvaguardá-las de violência, abusos, exploração, discriminação e negligência (…)” (UNICEF, 2009, p. i).

Não é contudo apenas ao nível da provisão que as limitações nos direitos das crianças se consideram comprometidas, transferindo-se sobretudo para o campo de um conjunto de limitações que podem observar-se quer no reconhecimento da Infância enquanto coletivo quer enquanto cidadãs de pleno direito, em sociedades devidamente preparadas para as receberem enquanto tal. Na verdade, as próprias condições para o assegurar do cumprimento dos direitos das crianças se encontram dependentes de fatores de ordem social, económica, social e cultural, que ajudam a determinar diferentes conceptualizações da própria Infância. Numa síntese de uma revisão crítica sobre a extensão da sua aplicação, Tomás (2011) salienta 3: as de definição legal e sua aplicabilidade; as das interpretações dos conceitos a eles subjacentes; e os aspetos organizacionais. Nos primeiros, e recorrendo a Alderson (2000) salienta: o facto de os direitos serem limitados, uma vez que nem sempre os contextos e interesses onde decorrem permitem o exercício de liberdades e responsabilidades às crianças; o facto de os direitos nunca poderem ser completamente alcançáveis, uma vez que dependem de uma multiplicidade de fatores capazes de os condicionar de modos mais ou menos severos; o facto de não terem caráter absoluto, e serem condicionados pelas capacidades quer das crianças quer dos adultos responsáveis por elas; finalmente, por ser necessário partilhá-los, sendo necessário considerar-se as dimensões coletivas e individuais dos exercícios desses direitos, quer pelas crianças quer pelos adultos. Nos segundos,

poderão incluir-se diferentes conceitos que dão origem a diferentes interpretações, frequentemente adultas, nem sempre consonantes com as ideias das próprias crianças. Tomás (2011) adianta o próprio conceito de participação como um desses exemplos, a par com o de maturidade para o fazer. Do mesmo modo poderiam aqui incluir-se as noções de melhor interesse da criança e de competência como conceitos ambivalentes e polissémicos que dificultam, frequentemente, a sua aplicação. Por fim, nos aspetos organizacionais, poderão salientar-se as dificuldades dos Comités dos Direitos das Crianças em posicionarem-se perante decisões coletivas e o facto de os direitos das crianças dependerem grandemente de situações económicas e sociais de diferentes países, difíceis de homogeneizar (Tomás, 2011, p. 77-79).

Caminhos para uma proteção participada: os direitos de participação

infantil

Como foi já debatido anteriormente, a ideia de que a cidadania corresponde até um certo sentido a um conjunto de direitos que um mesmo grupo de pessoas usufrui – aos quais correspondem deveres específicos – sustenta a sua premissa de igualdade e de justiça perante diferentes grupos sociais. Mas o mesmo não significa a sua redução a uma dimensão formal e legalista da cidadania, em particular quando se discute cidadania infantil. Tal como argumentam diferentes autores, um modelo de cidadania clássico, sustentando a ideia de três tipos de cidadania distintos – civil, política e social – nega a possibilidade de cidadania infantil e o estatuto político da criança, tal como foi já abordado (Sarmento, Fernandes e Trevisan, 2009). A permanência de uma visão de cidadania enquanto conjunto standard de direitos anula desde logo essa possibilidade de consideração das crianças enquanto cidadãs, uma vez que esta seria apenas possível quando estas atingissem o estado adulto (Jans, 2004). Não será assim desejável que se atribua às crianças o mesmo conjunto de direitos e responsabilidades que detêm os adultos, tal como poderá não ser vantajosa a criação de uma cidadania child size, atendendo apenas às especificidades do grupo social Infância.

Esta ideia, discutida por Liebel (2008) tornar-se-á central no debate dos direitos das crianças, em particular os de participação, influência e codecisão. Partindo da assunção de que as crianças “não gozam de direitos económicos e políticos como

cidadãos autónomos” (Qvortrup, 2005, p.11), determinadas posições defenderão a necessidade de se encontrarem direitos iguais para crianças e adultos, enquanto outras argumentarão que tal não é desejável pelo peso que trará às crianças com responsabilidades totais e que, no limite, poderão colocá-las em situações particularmente vulneráveis. As primeiras basear-se-ão na ideia de que as crianças deverão poder exercer influência em todos os assuntos que as afetam e não apenas os que lhes dizem diretamente respeito enquanto crianças; as segundas, argumentarão no sentido de os localizar nos diferentes ambientes sociais em que as crianças se movimentam (Liebel, 2008) – “child friendly citizenship” (Roche 1999), ou a “child-

size citizenship” (Jans, 2004) já referidas.

Ambas as posições apresentam fragilidades tal como observa Liebel. Na primeira, pese embora a ideia simbólica, a atribuição de direitos iguais não implica necessariamente a ideia de igualdade ou mesmo de justiça social – todas as crianças no Mundo têm direito a uma educação, sabendo-se que tal não é garantido a uma escala global, todas as crianças têm direito a viver condignamente e em contextos que permitam o seu desenvolvimento, no entanto, as taxas de pobreza infantil não param de aumentar um pouco por todo o Mundo. Do mesmo modo, a segunda posição levanta críticas quando se questiona se não poderá transformar-se numa “cidadania parcial” tal como defendido por Invernizzi e Milne (2005), sendo ainda necessário perceber-se até que ponto é necessário criarem-se estruturas próprias e específicas que possam garantir o exercício desses direitos.

A combinação do exercício de diferentes tipos de direitos tornaria as crianças então, cidadãs “completas”. Mas tal como adverte Liebel, as crianças gozam de um “welfare role”, no sentido em que lhes é estendida cidadania social mas nenhum poder para o exercício de outros conjuntos de direitos. Os seus direitos efetivamente gozados correspondem especialmente a direitos de proteção e de cuidado. Ainda assim, e ao contrário do que possa pensar-se na evolução das situações da Infância, nem mesmo a sua cidadania social permanece em progresso, bastando para isso analisar-se o aumento e permanência de taxas de pobreza infantil assustadoramente altas, a ineficácia das

políticas públicas para a infância, as crianças abusadas e mal tratadas, as crianças de rua, apenas para referir alguns dos exemplos mais gritantes34.

Tal como sustenta Ennew (2000), poucas pessoas discordariam da ideia de que os direitos civis e políticos podem ser aplicados às crianças, ainda que estes estejam diretamente relacionados com a ideia de maturidade que, em última análise, é utilizada para a exclusão de determinados grupos abaixo de uma dada idade de serem membros plenos da demos. Para Van Bueren isto restringe, de forma “desnecessária”, a definição do político ao voto e à eleição direta, bem como aparece como “cego em relação às ações políticas das crianças globalmente” (1995, p.4).

Assim, a própria condição de execução e cumprimento de uma Convenção desta natureza se encontra dependente do que poderiam designar-se imagens da Infância ou construções sociais sobre a mesma, que determinam diferentes variáveis de análise nos direitos das crianças. Tomás (2011) sintetiza estas imagens sob a forma de paradigmas enquanto dispositivos de interpretação das imagens sociais da infância e que enformam a ação dos adultos sobre as crianças. Do mesmo modo, cada um destes paradigmas dificulta a criação da imagem da criança como ser participativo.

O primeiro, que designa como paradigma do paternalismo, da propriedade e da

domesticaçãoo, pretende retratar as imagens subalternas da Infância e construídas pela

sua negatividade constituinte (Sarmento, Fernandes e Tomás, 2006) perante os adultos. Para além das questões de poder fortemente desqualificantes da criança, neste paradigma de compreensão da infância:

“Os diálogos que se estabelecem entre adultos e crianças caracterizam-se, na maioria das vezes, pela sua desigualdade entre subjetividades que interagem em condições (sobre) determinadas de negociação de sentido. A base desigual assenta sobretudo na ideia de que o discurso da criança se baseia no senso comum, na falta de experiência, incompletude e desorganização versus o discurso dos adultos, cujas ideias são supostamente as verdadeiras, complexas (quase) científicas e organizadas” (Tomás, 2011, p. 90).

34 A par de um conjunto de documentos oficiais produzidos por cada País sobre as situações de diferentes categorias sociais, entre elas a Infância, os relatórios anuais produzidos pela Unicef – “Situação Mundial da Infância” – permitem observar as áreas, países e contextos onde de modo regular os direitos das crianças são violados, esquecidos ou negados em diferentes partes do Mundo (os relatórios encontram-se disponíveis online em www.unicef.pt)

É neste sentido também que se justificam os processos de administração simbólica da infância e da sua necessidade de domesticação e disciplina (Sarmento, Fernandes e Tomás, 2006, p. 142).

O segundo paradigma, da proteção e controlo, perspetiva a infância como ser frágil, dotado de vulnerabilidades dependentes de seres mais competentes – por norma, os adultos – e cuja autonomia se encontra ausente. Neste cenário, a proteção assume maior ênfase revelando-se como condição fundamental da Infância e afastando as crianças dos perigos a que estão sujeitas. Esta ideia da necessidade de proteção estende- se a diferentes contextos de vida das crianças onde o exercício de poder se assume como central na análise.

O terceiro, paradigma da periculosidade, centra-se nas imagens frequentemente enviesadas da criança desviante, maldosa, normalmente reproduzidas em meios de comunicação social, e generalizando imagens que se estendem a conceções mais generalistas de infância.

Por último, os paradigmas biologizantes e medicalizantes da infância que se fazem sentir, em particular, no campo educativo. Retratam-se as imagens da criança idealmente desenvolvida, estandardizada correspondente a um estado ideal frequentemente associado à adultez. O recurso a teorias biológicas apoiadas na genética têm vindo a ganhar expressão em particular nos estudos biossociais da infância, justificando diferentes características das crianças a partir destes quadros, e sobre enfatizando-os. Um exemplo recente desta relação complexa entre biologia, genética e Infância é avançado por Lee e Motzkau (2011) sobre o Mosquito Effect35.

Estes paradigmas, ainda que não estanques e isolados, tal adverte Tomás (2011) condicionam a interpretação e aplicação dos direitos das crianças. É aliás possível, em nosso entender, encontrar num mesmo contexto e num mesmo espaço-tempo a sobreposição de diferentes imagens da infância, a par com as ideias anteriormente

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O “Mosquito” foi um dispositivo construído em 2006 por uma empresa britânica, fabricante de materiais de segurança, que pretendia instalar-se no lado exterior dos edifícios, produzindo um barulho desagradável, com o intuito de afastar grupos de jovens com comportamentos antissociais e prevenir danos em propriedades. Este ruído produzido, na verdade só poderia ser ouvido por crianças e jovens até uma certa idade. O sucesso foi relativamente grande e a empresa vendeu cerca de 8000 unidades a lojistas, forças de segurança, bancos e parques de estacionamento. É uma boa ilustração do modo como se relacionou a idade com uma