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2. A MODERNIDADE, CIDADE E MEMÓRIA

2.3 AS CIDADES

2.3.3 Cidade industrial

A cidade, a partir da Revolução Industrial, tornou-se anônima e alienante; seus analistas a chamam de “distópica”14 ou de a representação, em muitos casos, da desigualdade social que se ampliou no século seguinte (BENEVOLO, 1967, p. 573). Seu planejamento, por vezes sobre modelos antigos de organização, não absorviam as massas populacionais e, mais tarde, serviu de fonte para a especulação imobiliária junto à conformidade de seus habitantes. Em especial, citam-se Inglaterra e França, países onde a onda de crescimento da urbe se inicia e se expande rapidamente junto aos outros centros europeus.

Na proporção do aumentou de número de habitantes, altera-se a distribuição territorial como efeito das transformações econômicas. Segundo Benévolo, as transformações no mundo do trabalho aceleravam o desenvolvimento e a concentração do novo sistema econômico, alterando o equilíbrio distributivo da população (BENEVOLO, 1967.p.14). Apenas como exemplo, demonstra-se o caso inglês que, através do progresso técnico, tornou possível um aumento da produção industrial, atraindo para um grande número de oficinas, milhares de

14 Existia a busca de soluções alternativas que se constituíam em soluções revolucionárias que buscavam mudar

a organização social e dos tecidos habitacionais. Entre esses pensadores estão Robert Owen, Charles Fourier, Victor Considerant, Etienne Cabet, considerados precursores do urbanismo progressista.

famílias dos distritos agrícolas o que, por sua vez, ampliou a população das cidades “antigas” absorveu este contingente populacional em novas urbes.

A associação entre indústria e cidade se consolidava, uma vez que os modelos tradicionais de relações eram substituídos rapidamente diante das novas exigências comerciais e de transporte de matérias-primas por meio de ferrovias e navegação marítima. O comércio se expandia sem precedentes e os bairros se ampliavam “desgovernadamente”. Mumford, observa que o capitalismo, negando a santidade da pobreza ou o sustento imaginativo da arte, procurada exclusivamente aumentar a quantidade de produtos de consumo e os ganhos mensuráveis (MUMFORD, p. 495).

Dentro desse exame, a liberdade das novas cidades de comércio significava liberdade das restrições municipais: liberdade para o investimento privado, para o lucro e para a acumulação privada, sem qualquer referência ao bem-estar da comunidade como um todo. Para Benevolo (1967, p. 20), os conjuntos de transformações originaram a mudança de domicílio da maior parte da população inglesa, modificando o solo e a paisagem das cidades: elas nasciam e duplicavam-se de uma geração para outra, pois iniciavam-se novos estabelecimentos, estradas, canais e minas abertas em paisagens agrestes; onde antes existiam os pináculos das catedrais, naquele instante havia altos fornos e chaminés industriais.

As vertiginosas transformações demográficas experimentadas, sobretudo na Inglaterra e na França, resultaram no crescimento da população urbana, ampliaram as preocupações dos urbanistas do século XIX. Fora neste período que criava-se tardiamente o urbanismo, o qual serviria como mecanismo de manutenção e ordenamento da nova urbe Ocidente. Pode-se inferir que a falência das políticas urbanistas faria com que diversos Estados Nacionais, em estado de crise econômica, criassem campanhas emigratórias que transfeririam seu contingente populacional para o continente americano.

As soluções encontradas não se reduziram apenas às questões técnicas, mas passavam pelos campos político e simbólico, que dava respaldo a inserção novas medidas sobre o espaço construído. Uma nova relação Estado-espaço se produz na cidade na medida em que é nela que se exercita o poder, produzindo interditos em nome da lei e da ordem e que, em última instancia, torna o projeto urbano e suas respectivas edificações o resultado das vontades e interesses.

Dessa forma, a arquitetura e o urbanismo devem ser considerados como a formação de representação social e de marcação no espaço de referenciais simbólicos, vide a reforma da cidade de Paris por Haussmann, no fim da década de 1850, que foi considerado como o verdadeiro modelo do urbanismo moderno.

O resultado do ânimo sobre as estruturas das cidades foi duplo, pois os interesses do dinheiro dominaram os interesses da terra e operavam sobre o traçado, construção e ocupação de novos bairros da cidade. As cidades ocidentais, de modelo capitalista, envolviam algumas características: segregação espacial, privatização da terra e moradia, luta pelo espaço e intervenção reguladora do espaço. Embora sobre a cidade pudesse ocorrer a efetivação do sonho iluminista, a realidade era outra; a cidade tonava-se desigual, corroída pela segregação espacial e sob o avanço da mercantilização da sociedade junto à organização do Estado Moderno. Os conjuntos de edificações passavam a representar a premência deste poder – corte, arquivos, ministérios de finanças, burocracia – no coração da cidade (ROLNIK, 1995, p.47).

FIGURA 11 : Charles Marville, o rio Sena- Pont du Carrousel Vista para Notre Dame , 1853 The National Gallery of Art USA

A crença oitocentista no progresso transformava o mundo moderno, dentro do qual a cidade desempenhava um papel essencial. O historiador Fernand Braudel (1979, p. 471) examinou o artefato urbano como uma maneira de descerramento ou bloqueio das tendências urbanas a partir de um estudo de sua historicidade, identificando padrões mais ou menos recorrentes para cada período: as cidades abertas, as fechadas e as dominadas.

Através da história, inicialmente na Antiguidade, as cidades teriam um caráter aberto, opondo-se ao modelo medieval. Após o século XV, este espaço passa a ser “dominado” por sistemas políticos centralizados que controlam e moldam a sua arquitetura. Nesse ínterim, houve uma mudança no sentido da cidadania com as modernas revoltas, que, no século XIX, culminaria no último modelo urbano: o industrial. Embora aberta fisicamente, a oposição entre o rural e o urbano definem uma nova fronteira, onde a cidade passa a ter adjetivações mais apreciativas diante dos novos padrões de espacialidade, de convivência social e de desenvolvimento humano. Entretanto, foi sobre o último modelo que o pensamento crítico se insurgiu de diversas maneiras, incluindo a perspectiva preservacionista e regionalista, pois a veloz transformação da urbe, no percorrer do século seguinte, ameaçava muitas comunidades

posto que, através da destruição de seus “artefatos”, afetavam a identidade local que funcionava como uma espécie de garantia de pertencimento. Isso se daria, em última instância, como sinaliza Henri Lefebvre em diversas obras, com a transformação do espaço em mercadoria, limitando suas formas de apropriação e causando a destruição das realizações de sociabilidade entre seus cidadãos.