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Em 2017, o município de Campinas teve sua população estimada em 1.182.429 pessoas, distribuídas por uma área geográfica de 794,571 km² (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017). No último censo do IBGE, em 2010, a cidade foi considerada a terceira mais

29 No original: “In contexts of ‘doing’, such as policy implementation, court hearings, or parliamentary debates,

language rarely works alone to communicate meaning. Research in nonverbal communication suggests that words convey as little as 7 percent of the meaning in an interpersonal exchange” (Yanow, 2006, p. 352, grifo meu).

30 No original: “Studying built spaces as settings for action may also include analyzing their furnishings, decor,

landscaping, and other space-related artifacts, as well as the uses people put them to and how ‘users’ negotiate spatial meanings” (Yanow, p. 352).

31 No original: “To access such meanings, the researcher seeks to identify the character, the ‘feel’, of the space and

artifacts commonly used in that situation, event, or practice, inquiring into their significance in context-specific terms to situational members and/or other situation- or setting-relevant audiences or stakeholders” (Yanow, p. 352).

32 No original: “Meaning cannot merely be perceived and grasped. Inquiry constitutes an intentional “reaching”

for the other’s meaning. This has a particular aspect in space analysis: Because of its three-dimensional character and because space is experienced bodily, the intentional effort to understand what it means to another entails a projective imagining that draws on the researcher’s own experience of the space” (Yanow, 2006, p. 352).

populosa do Estado de São Paulo e a décima-quarta do país.33 Mesmo contando com uma

população considerável, a cidade de Campinas tem apenas com duas unidades forenses da Justiça Estadual de primeira instância34: a Cidade Judiciária, foro central localizado na região

norte do município, e o Foro Regional da Vila Mimosa, localizado na região oeste.

Enquanto o foro regional atende uma parcela dos bairros localizados na região oeste e sul da cidade, o foro central atende os moradores dos demais bairros e regiões do município. Apesar dessa regra de divisão territorial, a divisão por bairros não funciona para todos os tipos de processos judiciais. O foro regional, por exemplo, possui varas mistas que atendem apenas processo de primeiro grau na área cível e criminal. Outros assuntos, como questões sobre execução de pena, dívidas com a Fazenda Pública ou questões de infância e juventude, precisam ser levados a outros foros. Isso acontece porque, além do critério territorial, a legislação separa a competência das varas também por assunto. É assim que, independente do lugar em que a pessoa more ou o local onde o fato a ser levado à justiça acontece, assuntos que digam respeito às varas de execução criminal, de execução fiscal, de Juizados Especiais cíveis e criminais, de infância e juventude e, em processo de instalação35, de violência doméstica e familiar contra a

mulher, precisam ser tratados na Cidade Judiciária.

A palavra “central”, utilizada para denominar a Cidade Judiciária, parece remeter ao fato da unidade possuir maior quantidade de serviços para o atendimento à população do que o foro regional. A sua localização no mapa de Campinas, no entanto, nada tem de “central”. Localizado em um bairro ao norte do município, o fórum central fica próximo de duas das principais rodovias que permitem o acesso a várias regiões de Campinas (Rodovias D. Pedro I e Anhanguera). Para quem mora nos bairros que circundam essas rodovias, chegar a este fórum é mais fácil. Em relação ao centro da cidade, a chegada também não é difícil: há muitas avenidas que facilitam o acesso ao local. A tarefa começa a ficar mais complicada quando se pretende chegar à Cidade Judiciária a partir dos bairros localizados na região sul, em especial se o meio de transporte utilizado for um ônibus público.

33 O censo de 2010 organizado pelo IBGE indicou que, dentre os 645 municípios paulistas, o mais populoso é São

Paulo (11.253.503), seguido de Guarulhos (1.221.979) e Campinas (1.080.113) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017).

34 Os juízos de primeira instância são onde se iniciam, na maioria das vezes, as ações judiciais estaduais e federais

(comuns e especializadas). Compreende os juízes estaduais, os federais e os da justiça especializada (juízes do trabalho, eleitorais e militares) (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2010).

35 Prefeitura discute com TJ Vara Especializada em Violência Doméstica. Disponível em:

Considerando que a tarifa do transporte coletivo de Campinas é atualmente a mais cara entre as dez cidades mais populosas do estado de São Paulo (Jornal da EPTV, 2018), o custo do trajeto parece ser o primeiro obstáculo de acesso. Outro fator importante é que grande parte da população de baixa renda da Região Metropolitana de Campinas - RMC se encontra na região sul do município campineiro (Cunha e Falcão, 2017, p. 10). Segundo um levantamento de 2014 da Prefeitura Municipal de Campinas, o equivalente a 48,62% de toda a demanda por ônibus na cidade é proveniente dos distritos de Ouro Verde e Campo Grande, que englobam boa parte dos bairros ao sul da cidade. Apesar de reconhecer a demanda, a própria Prefeitura admite que a quantidade de linhas de ônibus não é proporcional ao volume de usuários (Polycarpo, 2014). A área sul também abriga a maior parte das ocupações irregulares por moradia e quase a metade dos beneficiários do Bolsa Família do município (Polycarpo, 2014). Em contrapartida, a região norte conglomera os bairros onde a maior parte da população de alta renda da RMC possui residência, fazendo parte da chamada “cordilheira da riqueza” acima da Rodovia Anhanguera (Cunha e Falcão, 2017, p. 36).36

A localização do prédio parece afetar não apenas os cidadãos que pretendam acessá-lo por meio do transporte público, mas também os advogados. Estes, porém, contam com uma opção a mais de transporte que os demais públicos. A subseção da OAB financia uma linha exclusiva para os profissionais da área, que podem utilizar o transporte para se locomover entre os diversos espaços judiciais localizados na região norte de Campinas37. O itinerário da linha

conecta o centro com o norte da cidade em vários horários do dia, sendo muito utilizado e elogiado pela categoria. Para utilizar a linha, basta apresentar a carteirinha da OAB, que é o cartão que comprova a inscrição dos advogados no órgão, para ter acesso a uma viagem confortável em um micro-ônibus privado.

Nas primeiras vezes em que visitei um fórum na cidade, eu ainda era menina. Até minha adolescência, minha mãe trabalhava no então foro central, o que me fez frequentar um espaço

36 A Rodovia Anhanguera é apontada como uma espécie de “divisor de águas” em relação à concentração de renda

na RMC. De um lado da rodovia, fica a denominada “cordilheira da riqueza”, onde está concentrada a maior parte da população de alta renda da RMC, com setores que registram quase 90% dos responsáveis pelo domicílio com rendimento superior a 10 salários mínimos. Deste lado, encontram-se as cidades de Valinhos e Vinhedo, além dos bairros ao norte e nordeste de Campinas, que compreendem a região dos distritos de Sousas e Barão Geraldo, os bairros Cambuí e Taquaral, e os bairros conectados pela Rodovia D. Pedro I, como é o caso do Jardim Santana (onde fica a Cidade Judiciária). Já do outro lado da rodovia, denominado “cordilheira da pobreza”, a proporção dos responsáveis com maiores rendimentos não ultrapassa os 5%. Deste lado, ficam os bairros da parte sudoeste de Campinas (DICs, Vida Nova, Parque Oziel, Campo Belo e a região dos distritos de Campo Grande e Ouro Verde), além das cidades de Monte Mor, Hortolândia e Sumaré (Cunha e Falcão, 2017, p. 36).

37 Além da Cidade Judiciária, os prédios da justiça de primeira instância trabalhista e do Juizado Especial Federal

judicial antes mesmo de entender o que ali acontecia. Foi assim que, ainda na década de 1990, conheci o Palácio da Justiça, o prédio que abrigava o primeiro foro central de Campinas. O nome de “palácio” faz jus à imponência: construído bem no centro da cidade, no meio de uma praça que abriga toda uma quadra, as amplas escadarias que conduzem à entrada principal são visualizadas de longe e dão acesso ao prédio. De acordo com o processo de tombamento do prédio, construído propositalmente em nível mais alto que a rua, a elevação e o recuo em relação aos demais edifícios circundantes foi planejada para conferir um “aspecto grandioso” (Conhecimentos Associados Ltda., 2015). Tal como apontado por Garapon (1997, p. 35), a porta de um “palácio da justiça” nunca se encontra ao mesmo nível da rua. As escadarias majestosas evocam a ideia de uma ascensão espiritual, que remete à separação do espaço judiciário do mundo habitual.

As paredes do Palácio da Justiça campineiro exaltam um mármore cinza escuro, cuidadosamente combinado com as esquadrias de ferro que formam desenhos geométricos simétricos nas portas de acesso e laterais. Na entrada principal do prédio construído especificamente para abrigar o fórum da cidade, duas estátuas de bronze cobrem toda a extensão dos dois lados da porta do edifício e seus 5 pavimentos. Uma das estátuas representa a deusa da justiça Têmis. Para Garapon (1997, p. 31), a representação da justiça sob a forma de uma mulher com os olhos vendados, transportando numa mão uma espada e na outra uma balança, representa a sacralização da “virtude da justiça”, que simboliza um sagrado tipicamente judiciário.

Em 1942, ano da inauguração do Palácio da Justiça, Campinas era uma cidade importante no cenário político paulista. Misturado ao fluxo centenário de comércio e aos primeiros sobrados da cidade, o acabamento luxuoso do Palácio da Justiça, inspirado no estilo Art Déco, fez parte de um projeto arquitetônico que pretendia modelar “uma nova cidade, a Campinas do Amanhã, que possa abrir aos visitantes os solares da hospitalidade, pelas portas largas e bem traçadas avenidas, cheias de ar, de luz, de elegantes prédios e bons edifícios públicos” (Conhecimentos Associados Ltda., 2015).

Com a implantação de uma grande malha viária e o início da verticalização da cidade, o “Plano de Melhoramentos Urbanos de Campinas”, sob responsabilidade do engenheiro Prestes Maia, modificou a geografia e a produção do espaço urbano da cidade (Morcillo, 2013). Ainda que esses investimentos tenham trazido grandes recursos para o setor da indústria, ele também significou a expulsão da população mais pobre para as áreas periféricas à margem da recém-criada Rodovia Anhanguera. Com o passar do tempo, a segregação do espaço criou um crescimento desordenado da cidade, que acabou afetando a região central. Atualmente, a

formalidade dos prédios suntuosos da década de 1950, contrastam com o caráter mais “popular” típico dos centros de grandes metrópoles.

A grandiosidade do antigo primeiro prédio da justiça não acompanhou o crescimento da cidade, que com o passar do tempo começou a demandar uma quantidade de processos muito maior do que a comportada pelo edifício. Após cerca de 60 anos abrigando a justiça de 1o grau

na cidade, o espaço foi se tornando pequeno. Minha mãe se aposentou um ano antes da mudança para a Cidade Judiciária, atual sede do foro central da cidade. Ela conta que a estrutura interna era pequena para o número de processos (todos físicos, até então) e para o aumento do público. Eu mesma me recordo, por exemplo, da sala do distribuidor cível e criminal, onde minha mãe atuava, como um lugar abarrotado de pastas e arquivos, organizados em pilhas em cima de mesas, de armários e de onde mais coubesse. Havia pilhas que chegavam quase até o teto.

Segundo o relato de um deputado estadual de então, feito em 2001 e disponível na página eletrônica da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, a falta de espaço era apontada como um dos principais motivos para a mudança de endereço (Prado, 2001). Novas varas foram aprovadas para serem abertas na cidade, porém não havia espaço livre para manejar a efetivação dos cartórios. A criação da Cidade Judiciária, segundo o deputado estadual, foi impulsionada pela união de alguns juízes da comarca e lideranças pertencentes a classe de advogados e políticos. O governador da época, Geraldo Alckmin, também se manifestou a respeito, dizendo que o Palácio da Justiça teria ficado “pequeno e muito difícil para a instalação das Varas já criadas” e que a ideia de utilizar um imóvel já existente teria sido das “lideranças de Campinas” (Vaquero e Júnior, 2003). Foi assim que um imóvel pertencente ao Departamento de Estradas e Rodagens teria sido cogitado para sediar o foro central.

Para adaptar sua estrutura às atividades da justiça, o imóvel passou por diversas reformas, que incluíram a construção de uma nova ala. Nas palavras do governador, a Cidade Judiciária seria “uma verdadeira cidade de princípios” que traria “a verdadeira paz aos moradores de Campinas” (Vaquero e Júnior, 2003). Ainda segundo Alckmin, a Cidade Judiciária de Campinas seria, na época, a maior obra forense do Estado de São Paulo. O espaço inaugurado seria duas vezes maior que o Palácio da Justiça campineiro, contando com 130 mil metros quadrados e 17 mil metros quadrados de área construída no momento de sua inauguração (Vaquero e Júnior, 2003). O termo “cidade” no batismo do local parece indicar a variedade nos serviços públicos prestados: as adaptações também contemplaram uma sede para o Ministério

Público, um espaço para a Defensoria Estadual38 e uma agência do Banco do Brasil, além de

uma ampla área destinada à construção da subseção da OAB.

Em 2003, a Cidade Judiciária foi inaugurada, mas ainda passariam 2 anos até que as instalações estivessem abertas ao público. Assim, em 2005 o foro central deixou de ser central e passou a funcionar na parte norte da cidade, no Jardim Santana, a cerca de 8 quilômetros do centro. No item seguinte, falarei sobre as regras de entrada e as interações que elas criam.