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O conforto também é uma qualidade essencial ao processo de mediação. O sentimento de desconforto, de fato, representa um inconveniente deveras acentuado ao alcance do êxito do processo, uma vez que as partes deixarão de se preocupar com a controvérsia em si, deslocando a sua preocupação para algo bastante improdutivo à mediação. Desse modo, todos devem se sentir fisicamente confortáveis, concentrados e seguros, e o ambiente deverá transparecer conforto e privacidade. Outros fatores ambientais, como a cor das salas, música ambiente e aromas podem ser úteis para melhorar a qualidade ambiental. (Conselho Nacional de Justiça, 2016a, p. 162)

A sala de audiência é o local onde o público em geral pretende chegar quando procura o CEJUSC da Cidade Judiciária e, ao mesmo tempo, é o último espaço ao qual é conduzido. É nesse espaço em que o problema será discutido. Pensar no seu formato é pensar na maneira com que a discussão pode ser conduzida e construída. De maneira geral, a estrutura das salas de audiência é muito semelhante com o disposto na Figura 5.

Figura 5 – Salas de audiência do CEJUSC da Cidade Judiciária

Fonte: Observação direta ao local feita pela autora.

Nota: Planta baixa elaborada pelo engenheiro civil Henrique Pellegrini Garcia, 2018; sem escala.

As salas de audiência possuem boa iluminação natural, proporcionada por uma janela de vidro que geralmente fica fechada por causa do aparelho de ar condicionado. Uma das primeiras coisas que eu notei ao entrar nas salas de audiência foi a temperatura. Mesmo com uma janela grande que poderia ser aberta nos dias em que a temperatura externa fosse amena, o ar condicionado ligado é quase uma regra nas salas. A temperatura é definida pelo escrevente e, algumas vezes, a pedido dos conciliadores. Na maioria das vezes, a sala estava bem gelada, independente do clima fora do prédio, o que fez com que eu passasse a levar uma blusa de frio em todas as visitas. Eu não era a única a me incomodar com a temperatura, já que era comum também observar os estagiários e participantes da audiência demonstrando estar com frio. Em apenas uma única ocasião, presenciei uma escrevente considerando a percepção dos demais presentes sobre a temperatura. Ainda assim, isso ocorreu após outro escrevente ter entrado na sala e chamado sua atenção para o fato de que todos estavam encolhidos nas mesas. Assim, a escrevente perguntou aos demais se estavam com frio e aumentou a temperatura da sala.

Um outro fato que me chamou a atenção nas primeiras vezes em que estive nas salas de audiência foi a disposição das mesas. Há três mesas na sala: uma para a realização da audiência, outra para os estagiários e outra para os escreventes. A mesa de audiência fica bem no centro

da sala, sendo composta por oito cadeiras e material de escritório que fica disponível aos participantes (canetas, papel, calculadora). A mesa de audiência tem o tradicional formato retangular das mesas presentes nas audiências com juízes. Tanto o formato como a imponência da mesa, grande e de madeira, me remetem à formalidade dos ambientes judiciais, algo que parece contradizer o princípio de informalidade que rodeia a conciliação.

A mesa redonda branca, de menor tamanho e maior discrição, é reservada aos estagiários que entram nas salas para acompanhar as audiências. Nela, não há material de escritório, apenas uma lista de orientações aos estagiários que servem como uma espécie de regras de conduta. A lista esclarece o que é proibido aos estagiários durante as audiências (conversar, interagir com os participantes, usar o celular, entrar e sair da sala) e, nos intervalos sem audiência, pede-se “manter a ordem e conversas em baixo tom”. Adicionalmente, algumas condições a respeito das condições do estágio (horário de chegada e agendamento) são acrescentadas a lista, bem como a proibição de uso da copa e dos banheiros do andar. As orientações aos estagiários, também fixadas nos murais da sala de espera, servem de baliza aos escreventes e conciliadores, que em caso de má-conduta podem denunciar o estagiário para a coordenação, sob pena de não mais agendarem observações no local.

As orientações aos estagiários do CEJUSC da Cidade Judiciária assemelham-se aos procedimentos básicos sugeridos pelo CNJ para a observação de audiência (2016a, p. 112). Apesar da recomendação do órgão estar contida em um material institucional utilizado pelas escolas de capacitação de mediadores e conciliadores, os estagiários desses cursos reclamam muito das orientações, por entender que as regras de conduta são definidas arbitrariamente pela coordenação. Esse entendimento não parece ter origem apenas pela falta de conhecimento das recomendações do CNJ, mas também pelo fato das orientações aos estagiários não serem seguidas pelos conciliadores e escreventes, que usam o celular, por exemplo, durante as audiências.

A mesa dos escreventes conta com um computador, dois monitores, um aparelho de telefone e um gaveteiro de apoio. Todas as salas possuem uma impressora à disposição do escrevente, com exceção de uma delas, que utiliza a impressora da sala vizinha.52 A impressora

52 Durante uma parte do período observado, uma segunda sala também ficou sem impressora, causando o mesmo

transtorno. Neste caso, a ausência da impressora teria sido justificada pelo escrevente em razão de uma das salas que estava sendo reformada para o uso dos juízes substitutos precisar de uma impressora. Segundo o escrevente, os juízes que usassem essa sala não poderiam compartilhar a impressora com outra sala, por isso a solução encontrada foi realocar a impressora de uma das salas de audiência para esses juízes.

é utilizada para confeccionar o termo de audiência53 e outros documentos que são entregues

para os participantes no final da audiência. A ausência de uma impressora na sala tende a atrapalhar o atendimento, que acaba sendo alongado e interrompido cada vez que o escrevente sai para pegar as impressões. No caso dos atendimentos de triagem, parece que essas interrupções não causam tantos ruídos na comunicação, já que se trata de um atendimento cadastral. No caso de audiências, a ausência de impressora faz com que o escrevente precise sair diversas vezes da sala em busca das impressões, correndo o risco de ser abordado por pessoas para prestar informação e alongando a sua volta desnecessariamente. Além disso, o atendimento da sala vizinha também era interrompido, ora por conversa entre escreventes e o conciliador, ora por que as partes em audiência estranhavam a entrada de uma pessoa estranha a discussão e, assim, se distraiam ou ficavam constrangidos com a interrupção.

As salas de audiência também costumam ter um armário, que serve para guardar materiais de apoio ao trabalho do escrevente e também como guarda-volumes para escreventes e conciliadores. Apesar dos estagiários também frequentarem as salas, eles não são convidados a guardar suas coisas no armário. Todas as salas possuem um relógio na parede, que auxilia no controle do tempo de duração da audiência. As salas de audiência são bem conservadas e os móveis são padronizados, o que oferece uma estrutura semelhante para todas as salas, inclusive se as compararmos com a sala da coordenação. Em um dos dias de observação, uma escrevente me contou que a estrutura que ela vê no CEJUSC da Cidade Judiciária é muito melhor que a de outros prédios da justiça. Segundo ela, a realidade de outras comarcas da região de Campinas é diferente: muitas montaram o CEJUSC em uma sala emprestada pela Prefeitura, sem nem mesmo contar com uma impressora própria. Na Cidade Judiciária, a escrevente disse ter “tudo o que precisa”, além de “móveis novos”. “Se este pedacinho da mesa soltar, é só eu ligar na manutenção que no mesmo dia eles vem aqui consertar”, completou. Ela fez questão de destacar, porém, que esse cenário condiz apenas com a realidade do CEJUSC e que ela não sabia como era a realidade do restante do fórum.

Mesmo com a padronização dos móveis, as salas de audiência são diferentes em razão do toque dado por cada escrevente. Apesar de existir um rodízio que faz com que as salas sejam utilizadas de acordo com a necessidade do dia, cada uma das 8 salas de audiência pertence a um escrevente, que pode usar o espaço e decorá-lo à sua maneira. Mesmo sendo numeradas, é comum ouvir os escreventes se referirem às salas de acordo com os nomes dos colegas: i.e.

“sala da fulana”. Uma escrevente comentou que “não ligava” em ter uma sala própria, mas entendia que “psicologicamente é bom para o ser humano chegar num local que ele entende que é dele, que ele pode colocar a bolsa num armário, usar o espaço”.

Em geral, a decoração da sala feita pelos escreventes conta com flores em cima dos armários e pequenos enfeites ou imagens religiosas próximo de seus computadores. Em alguns casos, porém, a decoração parece extrapolar a padronização da sala a ponto de gerar comentários de conciliadores e participantes das audiências.

No primeiro caso, é possível visualizar, logo quando se entra na sala, várias frases impressas em papeis sulfite espalhados pela sala. Na parede, um quadro contendo um cartaz institucional de uma campanha nacional do CNJ em prol da conciliação estampa duas folhas com as frases: "Tão importante quanto o que você fala é o jeito que você diz" e "Se as feridas de seu irmão não te causam dor, a sua doença é mais grave que a dele". Na mesa de apoio da escrevente, outra frase diz: "Como culpar o vento pela desordem feita, se fui eu que esqueci as janelas abertas". No verso dos monitores, bem em frente a mesa de audiência, encontram-se as frases que geram mais comentários do público que participa das audiências: "Hipocrisia: a arte de exigir aquilo que não se pratica", no primeiro monitor, e "Se não tem asas, não invente abismos", no segundo.

No segundo caso, a decoração tem ligação com uma campanha institucional do CNJ. Na parede livre ao lado da mesa do escrevente, um quadro do cartaz da Semana Nacional de Conciliação de 2007 mostra duas luvas de boxe com cara de raiva e, no canto em menor tamanho, outras duas luvas com cara feliz (vide Figura 6). O slogan “a melhor maneira de ganhar uma briga é antes dela começar” pode ser visto, em letras pequenas, no canto próximo das luvas felizes. Apesar da intenção de destacar a vantagem de conciliar antes de brigar, o que ganha mais destaque no quadro são as luvas raivosas. O destaque para as luvas brigando pode ser uma forma publicitária de chamar a atenção das pessoas para o conflito. Entretanto, as luvas de boxe sem as frases e as expressões de raiva parece ser o que fica mais evidente no cartaz, algo que parece passar a mensagem oposta desejada pela campanha.

Figura 6 – Cartaz institucional da Semana Nacional da Conciliação de 2007

Fonte: Poder Judiciário do Estado do Maranhão, 2007.

Apesar da identidade visual questionável, o cartaz ainda representa uma campanha institucional, de maneira que a sua exposição dentro de uma sala de audiência não parece ser estranha. O que chama a atenção, porém, é o outro uso que o cartaz teve na mesma sala. Na mesa do escrevente, além de se ver uma caveira de brinquedo e um crucifixo, encontra-se o recorte do par de luvas de boxe com cara de brigas, possivelmente retiradas de um cartaz semelhante ao do quadro, colados no verso de um dos monitores em frente à mesa de audiência. As luvas de boxe com expressão briguenta em frente ao público que vem conciliar, sem qualquer menção à campanha institucional, parecem destacar ainda mais o potencial da mensagem em “chamar para a briga”.

Apesar do ambiente exercer influência nas práticas, são algumas pessoas que ditam como o espaço será utilizado e as dinâmicas de atendimento serão conduzidas. A seguir, falarei sobre as regularidades encontradas dentro da sala de audiência e das práticas de conciliação observadas no campo.

3 “Os lírios não nascem da lei”: olhando para as práticas de conciliação

Esse é tempo de partido, tempo de homens partidos. Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos.

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.

- Trecho do poema “Nosso tempo”, de Carlos Drummond de Andrade (2012, p. 23, grifo meu).

Se a lei não é o bastante para fazer nascer um lírio, o que o Judiciário pode fazer em seu cotidiano forense para alcançar os resultados para além da lei? O presente capítulo apresenta a descrição das práticas e da dinâmica organizacional observadas no CEJUSC da Cidade Judiciária. A minha narrativa constrói um retrato do atendimento oferecido àqueles que acessam o local para participar de uma audiência de conciliação. Foram três os principais referenciais que guiaram a análise deste capítulo: o papel do saber local nas profissões do direito e da antropologia (Geertz, 2014), a existência de diferentes sensibilidades jurídicas na disputa pelo dizer o direito (Geertz, 2014; Kant de Lima, 2010) e a ideia de que o relaxamento do formalismo na justiça informal favorece o controle da vida privada dos indivíduos por parte do Estado (Garapon, 1997).

Quando li Geertz (2014) pela primeira vez, senti que parte do meu incômodo como advogada que atuava como etnógrafa ganhava amparo. Ao mesmo tempo em que sentia que os profissionais do direito dependem das formas de saber e da realidade prática para agir dentro do seu campo, por vezes tinha a sensação de que meus colegas do direito pareciam distantes da realidade fática com a qual lidavam diariamente. A ideia de que o direito é um artesanato local que funciona à luz do saber local (Geertz, 2014, p. 169) me ajudou a pensar no exercício de estranhamento necessário para a realização da etnografia. No caso da antropologia e do fazer etnográfico, o saber local tem a mesma função (2014, p. 169). De acordo com Geertz:

Sejam quais forem as outras características que a antropologia e a jurisprudência têm em comum – como por exemplo uma linguagem erudita meio incompreensível e uma certa aura de fantasia – ambos se entregam à tarefa artesanal de descobrir princípios gerais em fatos paroquiais. Repetindo, uma vez mais, o provérbio africano: “a sabedoria vem de um monte de formigas” (2014, p. 169).

Por saber local, Geertz (2014, p. 218) entende não apenas as características do lugar, da época e da vida real, mas também as características da maneira de agir dos atores e a leitura dos atores sobre as possibilidades que regem suas ações. É, ao complexo de características práticas e interpretações dos atores, estórias sobre ocorrências reais, apresentadas através de imagens relacionadas a princípios abstratos, que Geertz dá o nome de sensibilidade jurídica.

Aquele sentido de justiça que mencionei acima – a que chamarei, ao deixar paisagens mais conhecidas na direção de lugares mais exóticos, de sensibilidade jurídica – é, portanto, o primeiro fator que merece a atenção daqueles cujo objetivo é falar de uma forma comparativa sobre as bases culturais do direito. Pois essas sensibilidades variam, e não só em graus de definição; também no poder que exercem sobre os processos da vida social, frente a outras formas de pensar e sentir (dizem que, ao deparar-se com as leis antipoluição, a Toyota contratou mil engenheiros e a Ford mil advogados); ou nos seus estilos e conteúdos específicos. Diferem, e profundamente, nos meios que utilizam – nos símbolos que empregam, nas estórias que contam, nas distinções que estabelecem – para apresentar eventos judicialmente. É possível que fatos e leis existam universalmente; mas sua polarização provavelmente não (2014, p. 177).

É com esse mesmo trecho que Kant de Lima (2010, p. 29–30) inicia sua análise propondo um novo modelo teórico interpretativo das sensibilidades jurídicas ocidentais. Segundo o autor, a perspectiva de que o direito é um saber local coloca em discussão as raízes de sua legitimidade, que para Geertz é fundada por aqueles que escolhem lhe dever obediência, ou que a ela são obrigados. Esta perspectiva remete à tradição da common law dos Estados Unidos, que entende o direito como um conjunto de regras sociais institucionalizadas, que todos devem compreender e às quais devem ter acesso garantido. Kant de Lima entende que essa perspectiva difere da sensibilidade jurídica ocidental que, baseada na tradição da civil law, funda sua legitimidade em uma racionalidade abstrata, muito mais do que na razoabilidade de que as decisões sejam aplicáveis para todos os cidadãos. Por isso, os julgamentos técnicos, efetuados por magistrados, seriam considerados melhores do que os julgamentos das pessoas comuns, que não têm acesso a um saber jurídico especializado e que, portanto, seriam dotadas de uma razoabilidade subalterna.

Kant de Lima (2010, p. 43–44) afirma que, no caso brasileiro, misturam-se, oficial e legalmente, sensibilidades jurídicas de caráter muito diverso, o que colabora para tornar o sistema jurídico empírico opaco aos próprios operadores, que não dispõem de orientações universais que devam prevalecer em todos os casos. Heuristicamente, o autor situa a diferença na oposição de modelos judiciários que buscam o consenso (lógica adversária) e modelos fundados no dissenso (lógica do contraditório). As duas ideias de igualdade, uma associada à semelhança, outra à diferença, sustentam a possibilidade de um eterno uso da lógica do

contraditório. O efeito é que a decisão nunca é das partes envolvidas, mas daqueles que detêm a autoridade, fundada em um saber apropriado particularizadamente, de origem mágica, que é a fonte de seu poder e da legitimidade de suas decisões.

Essa contradição oficializada estabelece, ainda, uma confusão entre os interesses públicos – atribuídos não só ao Estado, mas a seus funcionários. Tal confusão faz com que, dotados de autoridade, os funcionários públicos se julguem com a capacidade de substituir os interesses dos hipossuficientes, isto é, daqueles cidadãos que supostamente não conhecem seus direitos. Por não os conhecer, entende-se que não há como exercitá-los – como se o simples conhecimento se confundisse com o seu exercício. Assim:

nosso modelo jurídico para a sociedade, para a administração institucional de conflitos e para o exercício do controle social acaba por associar, legítima e legalmente, o saber ao poder, atribuindo o papel de decifradores oficiais de enigmas aos operadores da nossa justiça, como se esta habilidade fosse a única e legítima origem de seu poder, como era o caso de Édipo, antes do inquérito, na versão foucaultiana do mito (Kant de Lima, 2010, p. 45).

Assim, a etiqueta de comportamento, as estratégias dos advogados, a retórica dos funcionários e as regularidades do atendimento ao público no CEJUSC da Cidade Judiciária foram observadas por mim como um “processo de representação”, tal como também pude observar nos estudos que analisaram o caráter ritual e cerimonial de audiências judiciais (Faisting, 2009; Schritzmeyer, 2002). Ainda apoiada nas características do ritual judicial de Garapon (1997), buscarei analisar como as práticas cotidianas recriam uma ruptura no tempo presente. Neste sentido:

O tempo do processo não é um tempo ordinário. Da mesma forma que o espaço judiciário reconstrói, por oposição ao abandono da sociedade, um interior que encarna a ordem absoluta, o tempo do processo interrompe o escoamento linear do tempo quotidiano. (...) O tempo do processo é um tempo inteiramente dominado que permite à sociedade regenerar a ordem social e jurídica. (...) o trabalho simbólico do espaço prolonga-se através de ritos que marcam a qualidade do tempo (Garapon, 1997, p. 53– 54).

Tal como qualquer ritual, o processo judicial modifica o curso do tempo. Não reprodutível, o tempo do processo é um tempo único (Garapon, 1997, p. 59). Tudo que é dito e vivido na cerimônia do processo deve esgotar-se nesse instante (idem, p. 61). Esta regra provoca, naqueles que assistem ao desenrolar do processo, a sensação de viver um momento decisivo para o destino de seus participantes (idem, p. 61). A delimitação prévia de um espaço e o controle dos ritos que delimitam o tempo ajuda o ritual judicial a cumprir a função de

suscitar um sentimento de mistério, de sagrado, de ordem. Cada um no seu lugar, cada coisa a seu tempo: o controle do tempo representa um meio de pressão ao acusado de um crime (idem, p. 62). O tempo é, inclusive, muito mais longo para este último do que para os profissionais da justiça (idem, p. 62).

Como se dá então a questão do tempo nos procedimentos cíveis? Não havendo acusados e crimes, como a pressão do tempo acontece no ritual da justiça civil? Como o ritual judicial