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Enquanto aguardava o início da audiência dentro da sala, observava junto com os estagiários o trabalho dos escreventes e do conciliador. Os procedimentos prévios à audiência visam preparar o local para receber os participantes e agilizar as atividades durante a realização da sessão. O escrevente geralmente começa seu turno imprimindo a pauta de audiências, necessária para o acompanhamento dos trabalhos pelo conciliador e pelos estagiários presentes. Enquanto o escrevente se prepara para o início do turno, o conciliador costuma chegar na sala munido de sua pasta de controle de audiências, que fica armazenada em um arquivo na sala da coordenação.

Antes de cada audiência, o escrevente também confere as informações cadastrais do expediente pré processual ou do processo judicial ao qual a audiência está vinculada. Ler o processo, como é conhecida essa atividade, ajuda o escrevente a familiarizar-se com o assunto que será tratado e identificar as informações que precisarão ser coletadas para a confecção do termo de audiência, que é elaborado pelo escrevente. Portanto, ler o processo é uma atividade importante para o planejamento das tarefas atribuídas à função de escrevente.

Os conciliadores também se preparam antes de cada audiência. Há certas recomendações de atuação precedentes à chegada dos interessados que podem auxiliar o conciliador no processo de conciliação. As recomendações para o conciliador preparar o local onde será realizada a sessão sugerem ajustes que possam beneficiar o conforto das partes, como a disposição da mesa, a iluminação, a temperatura ambiente e a privacidade. Cabe ao conciliador certificar-se que a sala de audiência está em ordem, possui cadeiras suficientes e material de escritório. Por isso, o conciliador deve estar no local antes do horário marcado, para

se preparar para receber as partes em uma postura de atenção e auxílio (Conselho Nacional de Justiça, 2016a, p. 160).

O próprio CNJ reconhece que uma parcela do planejamento da qualidade ambiental e do espaço físico é de responsabilidade do gestor do programa, que deve providenciar um ambiente compatível com os debates. Entretanto, cumpre ao conciliador se certificar que a sala está disposta de maneira a transmitir ao usuário a mensagem de que “nós, provedores de serviço, apreciamos sua vinda e nos importamos com as questões trazidas aqui” (Conselho Nacional de Justiça, 2016a, p. 158). No dia-a-dia do CEJUSC da Cidade Judiciária, alguns conciliadores estão atentos às recomendações institucionais atribuídas à sua função. Assim, muitos dos conciliadores chegam antes do início do turno para organizar o material de escritório e o ambiente, tal como recomendado pelo CNJ. A maioria tem a preocupação de conversar com os estagiários também, para estabelecer um contato e garantir que esses observadores colaborem com o bom andamento do trabalho. Outros conciliadores, menos atentos às recomendações do CNJ, chegam em cima do horário e começam a audiência sem muito pensar no ambiente. Entre os conciliadores que chegam antes do horário, há aqueles que preferem aguardar a primeira audiência apenas conversando com os demais da sala, olhando em seu celular, e pressupondo que a organização do ambiente é função do escrevente.

Há algo, contudo, que praticamente todos os conciliadores fazem antes de chamar os usuários para a audiência, em especial a processual: ler o processo. Essa prática não é recomendada pelo CNJ, que inclusive sugere que o conciliador esclareça aos presentes que a leitura dos autos não é feita, pois as partes serão ouvidas ao longo do procedimento (Conselho Nacional de Justiça, 2016a, p. 172). Como o conciliador não precisa ter formação em Direito para atuar na função54, ler o processo não deveria mesmo ser uma etapa obrigatória, já que exige

conhecimentos técnico-legais. Por não ter a função de decidir a questão, tal como um juiz, o conciliador não precisa saber o que já foi discutido no processo judicial, pois ouvirá as versões dos fatos diretamente dos envolvidos para trabalhar as técnicas de conciliação. Tal como observa Muraro (2014), “saber ouvir” é a principal característica que o conciliador deve possuir, pois é pela escuta que o conciliador descobrirá as causas do problema e o que está

54 A exigência de dois anos de formação no ensino superior não alcança os profissionais que pretendem atuar

somente na conciliação. Esse é o entendimento firmado no Enunciado nº 56 do Fórum Nacional de Mediação e Conciliação (FONAMEC): “Ao conciliador não se aplicam as exigências previstas no art. 11 da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015)”; 2) e no Enunciado aprovado em 4 de abril de 2016 pelo Conselho da Justiça Federal: “Considerando a natureza predominantemente objetiva dos conflitos sujeitos à conciliação, não se aplica ao conciliador a exigência da graduação há pelo menos dois anos em curso de ensino superior prevista no artigo 11 da Lei de Mediação”.

acontecendo de fato, além das mensagens não verbais que identificam outras questões sobre o conflito. Ao ouvir as pessoas durante a audiência, o conciliador constrói o diálogo em conjunto com as partes e cria a sensação de imparcialidade. Isso permite ganhar a confiança dos conflitantes, já que todo o debate será feito na presença de todos os envolvidos.

Na prática, os escreventes sempre perguntam aos conciliadores se eles também querem ler o processo antes da audiência. Em alguns casos, os escreventes até permitem que os conciliadores se sentem em sua mesa para acessar o sistema interno, enquanto o escrevente aproveita para sair da sala para ir até a copa ou providenciar algo. Apesar da leitura do processo não ser recomendada, há dois fatores que parecem fazer com que os conciliadores façam isso. O primeiro é que, como a maioria dos conciliadores deste CEJUSC é formada em Direito, a lógica processual é a forma com que eles parecem entender o conflito. Assim, o que foi alegado na petição inicial que iniciou o processo, os andamentos processuais e os despachos são valorizados pelos conciliadores, que montam a versão dos fatos antes mesmo da entrada das partes para as audiências. Em boa parte dos casos, essa montagem prévia dos fatos inclui a tentativa de prever se a fase em que o processo se encontra indica maior ou menor chance de haver acordo em audiência.

O segundo fator que incentiva a leitura do processo é que, como o tempo de audiência é curto, os conciliadores tentam agilizar a discussão conhecendo o assunto previamente. Para um adequado desenvolvimento de técnicas autocompositivas, o Manual de Mediação do CNJ sugere que o tempo mínimo planejado para cada conciliação seja de 40 minutos. Em conciliações realizadas em menos de 15 minutos, diz o manual, o conciliador só teria tempo para se apresentar, ouvir resumidamente as partes e apresentar uma proposta de solução – algo que se considera “uma forma excessivamente precária de conduzir uma autocomposição” (Conselho Nacional de Justiça, 2016a, p. 167).

Em média, as audiências são planejadas para durar 20 minutos (cíveis e juizado especial) e 30 minutos (questões de família), tempo abaixo do recomendado pelo CNJ e, no primeiro caso, muito próximo da situação precária de conduzir uma audiência informal. Por vezes, presenciei audiências que extrapolaram o tempo previsto, o que exigiu que algumas audiências fossem realizadas em outras salas para “não atrasar a pauta”. Numa ocasião, uma escrevente comentou que, no turno da manhã, quando os conciliadores vão além do tempo reservado para cada audiência, os escreventes precisam almoçar em menos tempo. Isso porque mesmo que eles saiam mais tarde para o almoço, precisam estar a postos no horário da primeira audiência da tarde. O atraso nas audiências, que costumam ocupar todas as salas em praticamente todos os horários, atrapalha o andamento das atividades do setor. Por sua vez, o tempo de audiência

menor que o recomendado parece ser justificado pelo número grande de audiências, que parece exigir um espaço maior para funcionar com mais tempo.

Uma conciliadora, certa vez, justificou a leitura do processo da seguinte maneira: "às vezes é bom ver, uma atrás da outra a gente confunde os dados das pessoas". Apesar da fala da conciliadora expressar uma intenção de tratar os assuntos em audiência com mais precisão, sua atuação posterior demonstrou que a leitura somente ajudou que ela tratasse com os advogados a questão. Conhecer os detalhes do processo judicial acaba fomentando o uso de uma linguagem rebuscada e jurídica, que não é compreendida pelo público em geral. O resultado dessa prática é que, nas audiências processuais, a conversa tende a se desenvolver entre o conciliador e os advogados. As partes, nem sempre habituadas com a linguagem jurídica, ficam intimidadas pela ignorância dos termos e permanecem quase mudas durante toda a audiência. Ao manter a discussão numa linguagem com termos técnicos, o diálogo se distancia das pessoas que são a razão para que o encontro aconteça.

Depois de ler o processo, o escrevente e o conciliador estão prontos para iniciar a audiência. Antes de chamar os participantes, o conciliador se apresenta aos estagiários. A interação entre os conciliadores e estagiários costuma ser amistosa, havendo inclusive uma troca de informações sobre a atuação na área da conciliação e da advocacia. Apesar das orientações aos estagiários serem coladas em quase todas as mesas destinada aos estagiários, muitos conciliadores fazem questão de lembrar as regras. A proibição do uso de celulares e de conversas durante a audiência são os lembretes mais comuns, o que já indica que essas também são as mais difíceis de serem impostas. No que se refere a conversas, pude observar muitos momentos em que estagiários cochicharam entre si ou riram baixo de algo. Em uma determinada ocasião, um conciliador pediu que os estagiários presentes fizessem silêncio durante a audiência e que se comportassem "como um cactus". O uso do celular se justifica, num primeiro momento, para fotografar a pauta de audiências – algo que é permitido aos estagiários. Entretanto, foi comum presenciar estagiários checando e-mails ou utilizando aplicativos de mensagens instantâneas, em especial nas audiências mais longas.

No tocante aos escreventes, a relação com os estagiários também costuma ser amistosa, apesar de um pouco mais tensa. Por parte dos escreventes, essa tensão é flexionada pelo papel de fiscalização que lhes é imputado. Uma escrevente me contou que às vezes precisava “chamar a atenção de estagiários”, mas que a maioria deles respeita as regras. Os escreventes são orientados a passar para a coordenação casos de má postura, pois o estagiário infrator fica proibido de continuar assistindo audiências ali. A escrevente me conta que, certa vez, um estagiário gravou uma audiência. Percebendo o fato, ela pediu para que ele não usasse o celular,

mas recebeu a versão de que ele estaria somente fotografando a pauta. Ela não acreditou na versão, pois a forma que a pessoa segurava o celular na mão apontava para a mesa de audiência e não para a pauta. A escrevente reclama que estagiários que conversam atrapalham o trabalho dela, que tem muitos detalhes e demanda concentração. Ela também diz que conversar na audiência seria um desrespeito com as partes, pois "ninguém vem aqui feliz em fazer divórcio... mesmo que a pessoa entre sorrindo muitas vezes é porque ele está nervoso... é constrangedor [a audiência de divórcio]". A escrevente finaliza dizendo que, se fosse divorciar, não ia querer um estagiário assistindo.