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A última letra “C” da sigla CEJUSC se refere à palavra “cidadania”, que representa uma tentativa da política pública de construir um atendimento que vá além da audiência. A Resolução nº 125/2010 prevê que cada unidade do CEJUSC tenha, obrigatoriamente, três setores internos de solução de conflitos: um pré-processual, um processual e um de cidadania. A normativa que obriga os CEJUSCs a contarem com o atendimento de cidadania não deixa claro o que esse serviço deveria incluir, falando apenas em “orientação ao cidadão”65. Para

esclarecer essa previsão normativa, o desembargador Fábio de Oliveira Quadros, que representou o presidente do TJSP em uma solenidade de inauguração de um CEJUSC na cidade de Barretos, interior de São Paulo, explicou: “Os centros judiciários cuidam da realização das conciliações e prestam o atendimento de cidadania, com informações e encaminhamento para outros serviços públicos, quando necessário” (Tribunal de Justiça de São Paulo, 2016a).

65 Art. 8º Os tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Centros ou

Cejuscs), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão (Conselho Nacional de Justiça, 2010, grifo meu).

A necessidade de orientação ao usuário é permanente, tanto pelo desconhecimento dos cidadãos em relação às possibilidades de solução de um conflito, como pela própria deficiência do sistema de justiça em atender o cidadão. Essa necessidade aparece em diversos momentos do atendimento no CEJUSC, mas fica mais evidente no momento posterior da audiência, quando os participantes manifestam suas dúvidas e colocam em cheque o que vem depois da audiência. Ao procurar a ajuda do Judiciário, a expectativa é de que, seja qual for o problema que levou a pessoa até ali, a justiça oriente a melhor forma de resolver a questão. Mesmo sabendo que tiveram um direito lesado, muitas pessoas desconhecem os detalhes da lei ou os procedimentos necessários para acessar os órgãos do sistema de justiça. É perceptível, pelas observações feitas, de que mesmo as pessoas que possuem um pouco mais de conhecimento legal não sabem ao certo como é o funcionamento da justiça.

São comuns perguntas sobre o que vem depois da audiência ou, no caso de audiências sem processo, sobre o que fazer (ou aonde ir) para resolver o problema. A necessidade de um serviço que responda a essas dúvidas não significa, necessariamente, que os escreventes e conciliadores conheçam as respostas para tais questionamentos. Descreverei duas situações corriqueiras que ajudam a perceber o que acontece nessa fase do atendimento. A primeira diz respeito às orientações após uma audiência de divórcio e a segunda trata das orientações feitas aos participantes das audiências que comparecem desacompanhados de um advogado.

Nos casos de divórcio, o termo frutífero não é suficiente para oficializar a mudança do estado civil de “casado” para “divorciado”. Para que uma pessoa seja legalmente considerada divorciada, é preciso que o divórcio, feito judicialmente ou não, seja averbado na certidão de casamento66. Segundo a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1975),

a averbação é uma anotação feita à margem do registro de casamento67, que garante que o

divórcio tenha efeitos contra terceiros68. Assim, a averbação no cartório de registro civil

regulariza a situação do divórcio e permite que as pessoas possam se casar novamente no civil. É por causa da averbação que as audiências envolvendo divórcio precisam contar com uma etapa a mais de orientação. O termo de acordo de divórcio gera o mandado de averbação,

66 Essa obrigatoriedade está prevista no Código Civil: “Art. 10. Far-se-á averbação em registro público: I - das

sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal” (Brasil, 2002).

67 Art. 98. A averbação será feita à margem do assento e, quando não houver espaço, no livro corrente, com as

notas e remissões recíprocas, que facilitem a busca (Brasil, 1975).

68 Art. 100. No livro de casamento, será feita averbação da sentença de nulidade e anulação de casamento, bem

como do desquite, declarando-se a data em que o Juiz a proferiu, a sua conclusão, os nomes das partes e o trânsito em julgado.

documento necessário para a averbação no cartório. Após a homologação do acordo pelo juiz, os interessados precisam imprimir o mandado de averbação pela Internet e levar até o cartório em que se casaram. A homologação é feita de 5 a 10 dias úteis após a audiência, a depender da agilidade e do volume de trabalho da equipe do CEJUSC ou da vara em que o processo de divórcio está tramitando. No dia da audiência, os interessados recebem uma senha que permite o acesso online do documento. Assim, para que o trâmite seja finalizado no cartório, bastaria que os interessados fossem orientados e alertados sobre a importância deste ato para a efetivação do divórcio.

Na prática, essa orientação depende do conciliador. Após a assinatura do termo de audiência pelas partes, o escrevente imprime uma cópia do termo junto com a senha para acesso do mandado de averbação via Internet. Esses papeis são entregues pelo escrevente ao conciliador, que fica com a responsabilidade de explicar o significado desses papeis aos participantes. O primeiro ruído na orientação aparece na linguagem. Poucos são os conciliadores que explicam o que significa homologar o termo de acordo, que nada mais é que obter a ratificação do acordo por parte do juiz. A homologação pelo juiz é necessária, pois o conciliador e o escrevente não possuem competência legal para fazer com que o termo de acordo tenha a mesma validade de uma sentença judicial (e, portanto, possa ter efeitos legais). Se a pessoa se confundir e levar apenas uma cópia do acordo assinado no cartório, por exemplo, não conseguirá completar a averbação. A lei permite que o juiz tenha liberdade para não homologar um acordo, caso entenda que há alguma ilegalidade no conteúdo. Entretanto, os acordos que saem do CEJUSC da Cidade Judiciária costumam ser ratificados, pois a “cadeia de confiança”69 no trabalho do escrevente faz com que os juízes homologuem todos os acordos.

Além da pouca explicação em relação à homologação, nem todos os conciliadores e escreventes explicam o que é o mandado de averbação. Na maioria das vezes, os interessados são orientados a comparecer no cartório em que a união foi realizada, mas não há menção sobre os efeitos legais no caso da não averbação. Sem saber dessas implicações, é possível que as pessoas leigas entendam que a assinatura na audiência bastaria para completar o divórcio. Como não há como saber quem sabe dessa informação ou não, seria prudente fechar a audiência com uma explicação que esclareça a importância de ir ao cartório.

Alguns conciliadores parecem restringir a orientação acerca dos procedimentos posteriores à audiência de divórcio por não estarem plenamente cientes de como funcionam os

cartórios. Em alguns casos, notei que a desinformação do conciliador gerou uma orientação errada. Em outro caso, observei um conciliador consultar discretamente o escrevente acerca dos trâmites, o que permitiu com que ele orientasse a interessada de maneira mais completa.

O mandado de averbação emitido no CEJUSC da Cidade Judiciária permite que a segunda via da certidão de casamento seja emitida gratuitamente pelo cartório. Sem essa determinação judicial de gratuidade, é necessário pagar uma taxa70 equivalente a R$ 77,17 para

conseguir uma versão original da certidão de casamento constando a averbação do divórcio. Atentos para o fato de que muitos interessados podem não saber, inclusive, que a segunda via da certidão é paga, alguns conciliadores que conhecem esse detalhe informam os interessados a respeito.

Pelo texto do CPC/16, podem pedir a gratuidade de justiça, mesmo com a contratação de um advogado particular, pessoas físicas ou jurídicas com insuficiência de recursos para pagar as despesas processuais71. O benefício da justiça gratuita permite que o beneficiário fique isento

de pagar os custos necessários para o ingresso de um processo judicial. Em 2007, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido que a gratuidade de justiça concedida em processo judicial deve ser estendida para os atos extrajudiciais de notários e de registradores públicos, “para efeito de viabilizar o cumprimento de decisão do Poder Judiciário e garantir a prestação jurisdicional plena”.72 O CPC/16 tornou lei esse entendimento, ao prever que a gratuidade da

justiça inclui “os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial” (Brasil, 2015, art. 98, § 1o, IX). Como a averbação é um ato extrajudicial atribuído aos cartórios de notas e registros, a gratuidade permite que a taxa pelo serviço não precise ser paga.

70 Custo de averbação em vigor desde 08 de janeiro de 2018, segundo tabela disponibilizada pela Associação dos

Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.arpensp.org.br/?pG=X19wYWdpbmFz&idPagina=10233>. Acesso em 28 fev. 2018.

71 Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as

custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei (Brasil, 2015).

72 CONSTITUCIONAL. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE. ATIVIDADE NOTARIAL.

NATUREZA. LEI 9.534/97. REGISTROS PÚBLICOS. ATOS RELACIONADOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA. GRATUIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO NÃO OBSERVADA. PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. I - A atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito público. II - Não ofende o princípio da proporcionalidade lei que isenta os "reconhecidamente pobres" do pagamento dos emolumentos devidos pela expedição de registro civil de nascimento e de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. III - Precedentes. IV - Ação julgada procedente (Supremo Tribunal Federal, 2007).

Para pedir justiça gratuita, a pessoa precisa apenas informar no processo judicial que não possui condições de arcar com os custos processuais.73 O juiz pode negar o pedido, caso

haja elementos nos autos que comprovem a falta de verdade na solicitação de gratuidade.74

Contudo, se o juiz não pedir comprovação, a mera solicitação é suficiente para que o processo judicial transcorra de maneira gratuita. No caso do CEJUSC da Cidade Judiciária, os termos padrão incluem o pedido de justiça gratuita no final do documento, de maneira que a sentença de homologação do acordo também inclui um parágrafo que atesta a aprovação do pedido pelo juiz. É assim que o mandado de averbação, que aparece na própria sentença de homologação, permite que as segundas vias possam ser emitidas nos cartórios gratuitamente.

Considerando que todos os procedimentos que passam pelo CEJUSC são gratuitos, a concessão de gratuidade aos atos extraprocessuais é feita independente das partes pedirem ou não o benefício da justiça gratuita. No caso do divórcio consensual, por exemplo, o casal que não tem filhos pode ir até um cartório para fazer o divórcio. Entretanto, será necessário pagar taxas. Em um folheto de divulgação dos CEJUSCs elaborado pelo TJSP75, o divórcio é apontado

como um dos tipos de conflito que podem ser resolvidos com a conciliação gratuitamente. Com a frase “não deixe para amanhã o que você pode conciliar hoje” na capa, o folheto está disponível aos usuários do CEJUSC da Cidade Judiciária nas mesas de audiência.

Apesar dessa possibilidade do serviço, a gratuidade do CEJUSC parece incomodar alguns escreventes, que entendem que “há pessoas que teriam condições” de pagar e que seria “errado” conceder a justiça gratuita para esses casos. Entre os conciliadores, um deles criticou um advogado que perguntou ao escrevente se o divórcio seria homologado mais rápido no CEJUSC do que pela via processual. O escrevente diz que, em média, os acordos no CEJUSC são homologados em cinco dias, enquanto o processo judicial demoraria cerca de um ano. Após a saída do advogado, o conciliador comenta comigo que o advogado queria “ganhar dos clientes dizendo que ele é rápido, não o CEJUSC” e que o advogado não queria fazer processualmente porque no CEJUSC dá menos trabalho.

73 Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para

ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

§ 1o Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição

simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso (Brasil, 2015).

74 Art. 99. (...) § 2o O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a

falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos (Brasil, 2015).