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T

rago nesta seção cinco casos que acompanhei durante o percurso de pesquisa. Em paralelo, apresento a categoria “sintonia” e sua re- lação com as práticas mágico-religiosas dos ogãs. Acredito que a sin- tonia é o elemento de extrema importância para a compreensão dos dois tipos de ogãs e suas respectivas participações durante os ri- tuais. Inicio a apresentação de tal categoria a partir do depoimento de Patrícia, uma filha de santo do Abassá de Omolu e Ilê de Iansã. Quando perguntei sobre o papel do ogã para o processo de incorpo- ração, especificamente sobre Francisco, a médium afirmou:

O tambor influencia no transe mediúnico porque a gente vai entrar numa sintonia do ritmo. Como ele tá batendo, é um ogã confirmado, preparado, quando ele puxa a força no tambor, aquela energia vai pro nosso xacra mediúnico. Eu tô na corrente, aí o meu corpo fica todo adormecido. É uma dormência que dá na gente. Aí com o tempo você já sabe que é a energia que se aproxima. O caboclo ou o preto velho, ou o próprio orixá, a energia vai acasalar com a nossa. A gente tem as tomadas, que a gente chama de xacras mediúnicos. Então essas tomadas ligam a gente ao mundo espiritual, que ele tá aqui do nosso lado. Mas devido a gente tá na matéria, a gente vai precisar dessa li- gação. O tambor faz isso. Ele faz com que a gente se una e aquela energia venha, e tome conta de mim. Ele não vai tomar o meu lugar, porque senão eu vou morrer. Mas ele vai me cobrir. O tambor ele tem essa função (Patrícia, julho de 2012).

Rosinha, a esposa de Francisco, também narrou como ocorre o processo de incorporação:

Tô dentro da corrente, tô na abertura e o pai ogã começa o toque pra chamar as energias, né?! Tem as chamadas de caboclo, de preto velho... [...] Quando ele (o ogã) tá ali naquela hora eu tô ali na sin- tonia dele. Eu já rezei, já me preparei, certo? Eu só incorporo se eu fechar os meus olhos. Tem gente que do jeito que tá aqui incorpora. Eu só me concentro se eu fechar os olhos e meditar, por exemplo, hoje que é gira de mar, uma praia. É como se eu tivesse lá na praia. Visualizo todo aquele quadro. O mar, a areia e tal. Aí eu vou me dei- xando levar pela energia, eu vou sentindo a energia. Ela vai tá catali- sada aqui (aponta com o dedo indicador para o centro superior da cabeça). Ele tá distribuindo no meio. Aí a energia vai pra todo ter- reiro. Aí eu entro em sintonia com ele. Na minha intuição eu vou saber quem é o guia. Eu já tenho guia dos meus trabalhos de mar, a Princesa Rosa Madame. É uma mensageira do mar. Aí dali eu vou sentindo a energia dela. Agora como te explicar eu não posso porque só na hora. E ela vem de várias maneiras, toda vez que ela vem, ela vem de um jeito diferente. Se você me observar nos meus trabalhos, às vezes ela vem muito forte, às vezes ela vem mais fraquinha. Quando ela vem mais fraquinha tem gente que acha que eu nem tô incorporada. Na hora lá eu fechei os olhos aqui, eu mentalizei o mar, aí eu fico só aqui no toque do tambor que me ajuda na hora da incor- poração. Eu mentalizo a reza aí eu vou entrando em sintonia com a energia (Rosinha, março de 2012).

A utilização do termo sintonia, quando relacionado ao ogã, apresenta alguns sentidos específicos. No caso dos depoimentos an- teriores, a sintonia acontece entre médium e ogã no processo de in- corporação. A sintonia com o som dos tambores, com os Leitmotiv, possibilita a concentração necessária ao recebimento das energias das entidades.

Quando perguntado sobre a existência de toques frios em giras de exu, o pai ogã responde:

É. Tem uns lamentos, lógico. Tem algumas coisas mais lentas. É bem raro, bem difícil. Na maioria dos casos é quentura. Quando é lento, quando tem alguma coisa diferente... Tu tá falando do exu, né? Tem, tem uns aí lentos do exu. Mas é como se fosse lamentos, coisa bem pro-

funda, bem assim, sabe? Não é aquele toque de batalha mesmo não. Tem muita coisa que você usa toques lentos toques rápidos. [...] Tem pai de santo que só gosta de tambor ligeiro. É como se fosse uma ob- sessão do cara. Quer o tambor ligeiro. Você pode tocar a valsa via- nense, ele quer é o tambor ligeiro. Aí, bicho, ao meu ver as coisas de- sandam. Porque entre o pai de santo e o ogã tem que haver uma sintonia. Entre o pai de santo e os filhos da corrente, de um modo geral, tem que haver uma sintonia (Francisco, novembro de 2011).

Nesse caso a sintonia se expressa pela forma como os pontos devem ser conduzidos. Para Francisco, nem todos os momentos são propícios para pontos quentes. Segundo o pai ogã, existem pais de santo que preferem tambores quentes em qualquer momento. Os de- sentendimentos entre pai de santo e ogã no que diz respeito à forma como os pontos devem ser conduzidos também são expressões da quebra na sintonia.

O termo sintonia também é utilizado para designar o conheci- mento do ogã sobre determinados trabalhos específicos ou questões específicas da vida dos médiuns. Como apresentarei nas próximas páginas, Francisco é constantemente requisitado para que “vibre” para objetivos específicos, ou seja, quando a médium está se prepa- rando para incorporar seu guia e é sabido previamente, tanto pelo médium como pelo ogã, que aquela entidade realizará determinado trabalho com um cliente específico. Afirma-se que o ogã está em sin- tonia com o trabalho, com o médium.

Em suma, sintonia se expressa por um diálogo eficaz entre ogã e os demais participantes do ritual, visando objetivos comuns. Há sintonia quando a música conduz eficazmente os movimentos do orixá incorporado (CARDOSO, 2006), quando o ogã age visando obje- tivos compartilhados entre eles e os demais participantes, quando seu toque propicia o desencadeamento da possessão, entre outros momentos. Vejamos alguns casos específicos.