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CINEMA PUNK INGLÊS

No documento Metamorfoses do cinema punk (1975-1990) (páginas 130-135)

5. O CINEMA PUNK: VERTENTES, CINEASTAS E FILMES

5.3 CINEMA PUNK INGLÊS

Diferente do que ocorreu nos Estados Unidos, onde houve uma decisiva e consciente renovação através da influência do punk, do Cinema Underground, o cinema punk na Inglaterra teve produções mais esporádicas e fragmentadas, em sua grande maioria longas-metragens, filmados também no formato Super-8. Os filmes mais conhecidos desse primeiro período do cinema punk inglês datam do período de 1978-81.

Os motivos que levaram ao desenvolvimento mais efetivo do Cinema Underground em Nova Iorque é explicado por Ducan Reekie em seu livro Subversion: The

Definitive History of Underground Cinema (2007). Segundo Reekie, apesar da

institucionalização dos filmes de vanguarda no início dos anos 1970, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, o Cinema Underground em Nova Iorque teve uma continuidade graças às atividades e a persistência de um grupo de diretores influentes que incluíam Jack Smith, John Waters, Mike e George Kuchar. Ele chama atenção ainda para o fato do advento do punk e a sua cultura do faça você mesmo, que serviu para estimular a realização de filmes baratos e acelerar o acesso a equipamentos como o Super-8. Além disso, o punk reforçou o discurso de oposição aos filmes de vanguarda institucionalizados, sendo uma alternativa crítica aos filmes de estética estruturalista e uma renovada aliança entre o rock subcultural e os filmes experimentais. Ao contrário de Nova Iorque, que nunca tinha de fato perdido seu potencial Underground, Londres tinha praticamente cessado sua produção dentro da institucionalização dos filmes de vanguarda e o desenvolvimento do setor independente (financiado pelo governo), que efetivamente suprimiu o potencial anárquico, subversivo, amador e popular do Underground britânico. Mas essa repressão não foi total para a fragmentada produção Underground e teve alguns pequenos movimentos das quais as produções de filmes punks faziam parte.

Dentre os principais diretores ingleses que fizeram filmes punks, nesse primeiro momento, podemos citar Don Letts, Derek Jarman, Julien Temple, Lech Kowalski, David Mingay e Jack Hazan. Os primeiros filmes do Cinema Punk inglês seguiram dentro do estilo documental, como The Punk Rock Movie (1978), do diretor e também DJ Rastafari Dont Letts. Basicamente, o filme mostra o início do punk na Inglaterra, registrando bandas como The Clash, The Slits, Eater e muitas outras ensaiando e tocando, no clube Roxy em Londres. É um cinema punk bem próximo ao Blank Generation (1975), de Amos Poe. Seguindo o sucesso do filme, Letts fez outros filmes especificamente para a divulgação de bandas, como Public Image Ltd, The Clash, The Slits e The Pogues.

Jubilee (1978), de Derek Jarman, talvez tenha sido o filme mais icônico e conhecido

dentre os filmes punks ingleses. No filme, o anjo Ariel, através de “mágica”, transporta a rainha da Inglaterra, Elizabeth I, ao futuro do país, que é caracterizado pelo caos, decadência, destruição, sexo e violência. As ruas da cidade são patrulhadas por uma polícia assassina e corrupta que durante o filme entra em conflito com os membros de uma gangue feminina de punks, que representam as personagens centrais da história. O filme, em diversos momentos, lembra um documentário baseado no contexto social e econômico vivido na Inglaterra na época, incluindo o surgimento do punk, mas todas as suas cenas são ficcionais, embora as fronteiras entre real e ficcional (inclusive no uso de fatos cotidianos e informações extraídas do noticiário da época) sejam aqui postas em questão o tempo todo.

Figura 13 - A gangue punk formada pelas personagens: (da esq.) Bod, Crabs, Miss Amyl Nitrate, Chaos.

Fonte: Jubilee (Derek Jarman,1978).

Muitos personagens, dentro do contexto da história de Jubilee, interpretam músicos ou atores que buscam uma ascensão na carreira artística, o que reflete muitas vezes a vida real desses personagens. O cantor Adam Ant, da banda punk Adam and the

Ants, interpreta o personagem Kid, que também é cantor de uma banda punk no

filme. Ou seja, Jarman traz elementos da realidade para dentro da ficção. Ele também traz outros rostos conhecidos da cena punk londrina, como, por exemplo, Jordan, assistente da loja Sex de Viviene Westwood, e Malcom McLaren, que interpreta a personagem Miss Amyl Nitrate, além da cantora Toyah Willcox (aqui no papel de Mad) – ambas fazendo parte da gangue de punks. Jarman comenta sobre

a realização de Jubilee e sobre esses aspectos híbridos que entrelaçam o documentário e a ficção:

Com Jubilee uma fusão entre o filme e a realidade era normalmente autobiográfica, as locações eram as ruas e armazéns nos quais vivi durante os dez anos anteriores. O filme foi elencado a partir de amigos e feito por amigos. Foi uma determinada, e muitas vezes, analise imprudente do mundo que nos rodeia [...] O roteiro de filmagem analisava o mundo que nos rodeia [...] O roteiro de filmagem era um amontoado de fotocópias e notas rápidas em pedaços de papel, fotos rasgadas e mensagens de meus colaboradores, e o resultado do filme tem algo da mesma qualidade [...] em Jubilee nosso mundo se tornou o filme, um documentário de fantasia fabricada, então as formas documentárias e

ficcionais estão confusas e agrupadas119 (BARBER; SARGEANT, apud JARMAN, 2006, p.56, tradução nossa)

Outros cineastas e filmes optaram pelo cinema documentário, casos dos curtas- metragens Sex Pistols Number 1 e Sex Pistols Number 2. Realizados em 1977 por Julien Temple, eram nada mais nada menos do que gravações de alguns dos primeiros shows do Sex Pistols. Temple produziu esses filmes quando ainda era estudante de cinema. Graças a esses registros, ele se aproximou de Malcolm McLaren, empresário dos Sex Pistols, surgindo o convite para dirigir seu primeiro longa-metragem, The Great Rock’n’Roll Swindle (1979). Temple substitui o demitido Russ Meyer, diretor americano de filmes exploitation como Faster Faster Pussycat

Kill (1965) e Valley Of The Dolls (1970), dos quais McLaren era fã, e que

originalmente iria dirigir o filme dos Pistols. Temple e McLaren escreveram juntos

The Great Rock’n’Roll Swindle, que seguiu uma linha quase documental sobre a

banda Sex Pistols, entre sua ascensão e declínio, mas sugerindo que todo o projeto da banda foi cuidadosamente articulado por Malcom Mclaren como uma fraude para ganhar dinheiro. O filme começa com uma pessoa vestida com uma máscara de couro sadomasoquista dizendo que é o Malcolm McLaren e que a história que vai nos contar é sobre seu grande sucesso: o punk rock. O restante do filme é dividido em capítulos ou “lições”, sendo o filme uma suposta cartilha de como enganar o público e fazer dinheiro. Dentro do enredo do filme há também a história de um detetive interpretado por Steve Jones, guitarrista do Sex Pistols, procurando por Malcom McLaren na tentativa de solucionar o mistério: o que aconteceu com o suposto dinheiro da banda?

O filme Rude Boy (1980), de Jack Hazan e David Mingay, é outro a confundir ficção e documentário. Em alguns momentos do filme são empregados elementos formais que lembram The Punk Rock Movie (1979), nos quais os diretores se utilizam de imagens reais gravadas em alguns shows do The Clash, com a câmera adotando o

119 No original: “With Jubilee the progressive merging of film and my reality was often

autobiographical, the locations were the streets and warehouses in which I had lived during the previous ten years. The film was cast from among and made by friends. It was a determined and often reckless analysis of the world which surrounds us […] The shooting script analysis of the world which surround us […] The shooting script is a mass of Xeroxes and quick notes on scraps of paper, torn photos and messages from my collaborators, and the resulting film has something of the same quality […] in Jubilee our world became the film…a fantasy documentary fabricated so that documentary and fictional forms are confused and coalesce.”

ponto de vista da audiência. O enredo do filme acompanha a vida do personagem principal, Ray Gange, um jovem punk londrino de 20 anos, fã do The Clash, vivendo de salário-desemprego e trabalhando à noite em uma pequena loja de revistas pornográficas. Os amigos de Gange incluem Joe Strummer, vocalista da banda The Clash, e Johnny Green, chefe da produção de palco da banda, que oferece um emprego para Gange de roadie do Clash.

O filme faz um cruzamento entre a vida ficcional de Gange e as imagens reais de concertos e de estúdio da banda The Clash. Através de combinações onde Gange aparece junto do público em muitas cenas reais de shows do The Clash, Hazan e Mingay confundem e diluem as fronteiras entre o real e o ficcional. Em outras cenas isso é reforçado. Por exemplo, quando Gange aparece conversando com Joe Strummer sobre politica. Strummer faz o papel dele mesmo no filme, e em cenas que mostram o show do The Clash no Rock Against Racism, em 1976, show real em que o personagem Gange pega o microfone e fala, ao final da apresentação, incitando o público a pedir por mais tempo de show do The Clash. O filme lembra passagens de The Great Rock’n’Roll Swindle (1979), nas quais Julien Temple une imagens reais de shows ao vivo do Sex Pistols com a história ficcional do filme.

D.O.A. (1981), de Lech Kowalski, é um filme documentário que tem como foco a

turnê dos Sex Pistols nos Estados Unidos. Além de imagens de shows no território americano, o filme é intercalado também por imagens da primeira turnê da banda realizada na Inglaterra, cujo nome era Anarchy in UK, realizada em 1976. Constam também entrevistas de fãs da banda e críticos que foram aos shows se manifestar contra os Sex Pistols. Além disso, Kowalski junta ao filme imagens de outras bandas punks da época se apresentando ao vivo, como o Generation X, Dead Boys, Sham

69 e X-ray Spex. Soma-se a isso uma trama paralela centrada num personagem

chamado Terry Sylvestre, um jovem desempregado que vive em Londres, cujo objetivo é tocar com sua banda em uma casa de show chamada The Golden Shoe.

5.4 BREVES APROXIMAÇÕES ENTRE O CINEMA PUNK NORTE-AMERICANO, O

No documento Metamorfoses do cinema punk (1975-1990) (páginas 130-135)