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EXISTE UM CINEMA PUNK BRASILEIRO?

No documento Metamorfoses do cinema punk (1975-1990) (páginas 146-162)

5. O CINEMA PUNK: VERTENTES, CINEASTAS E FILMES

5.6 EXISTE UM CINEMA PUNK BRASILEIRO?

Em busca de um cinema punk brasileiro, nos deparamos primeiramente com filmes documentários que foram os pioneiros no país em trazer o punk como tema, como é o caso de Pânico em SP (1982), de Claudio Morelli, Garotos do Subúrbio (1983), de Fernando Meirelles, Punks (1983), de Sara Yahkni e Alberto Gieco, e Punk Molotov (1984), de João Carlos Rodrigues. Os três primeiros registram o movimento punk de São Paulo com entrevistas de participantes do movimento, já o Punk Molotov gira em torno da banda punk Coquetel Molotov, do Rio de Janeiro, considerada um dos primeiros conjuntos cariocas do gênero. Simultaneamente, Punk Molotov aborda a chegada do punk no Rio de Janeiro e tenta decifrar a inclinação politica do punk ao anarquismo.

Garotos do Subúrbio (1983), que recebe esse nome em referência a uma música da

banda punk paulista Inocentes, é o filme mais conhecido desses primeiros registros do punk no Brasil. Inclusive é citado na bibliografia brasileira sobre o punk, assim como no livro de Antonio Bivar, O que é punk (1982), além de Punk: Anarquia

Planetária e a Cena Brasileira (1999) de Silvio Essinger. Essinger ainda cita outros

filmes como Punks (1983) e lista uma série de outros filmes que foram exibidos no primeiro grande festival punk, organizado pelo Sesc, o I Festival Punk do Sesc- Fábrica da Pompéia, conhecido também pelo nome O Começo do Fim do Mundo

(1982). Dentre os vídeos exibidos citados por Essinger estavam: Garotos de

Subúrbio,The Punk Rock Movie (1978, Dont Letts), Punk na TV (feito por alunos do

Instituto Metodista), Punk São Paulo 82 (Álvaro Roberto Barros, 1982). Sobre esses dois últimos não conseguimos mais informações além dessas trazidas por Essinger em seu livro.

Garotos de Subúrbio é o filme que teve, sem dúvida, mais repercussão – inclusive

por ter sido vinculado no mesmo ano de seu lançamento, em 1983, numa rede de televisão, a TV Gazeta de São Paulo, que exibiu o filme em 4 episódios, sob o nome de Punk em São Paulo. A própria produtora do filme, Olhar Eletrônico, ganhou destaque nacional por seu conteúdo voltado para televisão e por seus integrantes que, além de Meirelles, incluíam Paulo Morelli, Marcelo Machado, Dário Vizeu e Beto Salatin, pioneiros do vídeo no Brasil, que ganharam destaque no audiovisual nacional a partir da década de 1980. Garotos do Subúrbio também acabou sendo premiado logo em sua estreia, no primeiro Festival VideoBrasil (1983), obtendo o 2° lugar. A carreira do diretor Fernando Meirelles, que ficou internacionalmente conhecido por dirigir grandes produções cinematográficas como Cidade de Deus (2002), O Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio Sobre a Cegueira (2008), entre outras, ajudou também o filme a ser mais conhecido que os demais.

Trazendo essas produções sob as perspectivas do cinema punk, nas quais propomos nessa pesquisa, os aspectos estéticos e econômicos dessas produções nos indicam que eles não se tratam de filmes punks, mas sim de filmes que trazem o punk como assunto, ou seja, o punk dentro do cinema. Exceção feita ao filme Punk

Molotov, de João Carlos Rodrigues, que acreditamos ser um dos filmes pioneiros do

Cinema Punk brasileiro. A seguir, analisaremos aspectos do filme Punk Molotov que justificam essa hipótese.

Diferente dos primeiros filmes documentários americanos e ingleses sobre o punk como Blank Generation (1976), de Amos Poe, e Punk Rock Movie (1978), de Dont Letts, que são realizados de maneira amadora, com poucos recursos, por indivíduos intimamente relacionados ao punk, muitas vezes sob uma perspectiva de admirador e participante ativo do movimento, nos filmes Pânico em SP (1982), Garotos do

realizadores e o movimento punk. Em Punk Molotov, esse distanciamento é encurtado pela afinidade política que o diretor João Carlos Rodrigues enxerga entre o punk e a política anarquista. Em uma das cenas do filme, podemos perceber isso mais claramente quando Tatu, vocalista da banda Coquetel Molotov, é indagado sobre o Anarquismo. Ele relata que foi buscar mais informações sobre o assunto e anuncia que leu um livro sobre o anarquismo dado pelo diretor João Carlos Rodrigues.

Notamos esse “afastamento” do punk, por parte dos diretores paulistas, por meio da abordagem de seus filmes, seus aspectos formais e também através de relatos feitos pelos próprios diretores, como é caso de Fernando Meirelles, diretor de

Garotos do Subúrbio. “Acho que li no jornal uma matéria sobre os punks ali no

centro de São Paulo e fiquei impressionado com aqueles garotos. Olhei umas fotos e falei: ‘Esses caras não parecem punks, eles estão fingindo que são alguma coisa.” 129

Em contraste às falas de Meirelles, Don Letts, diretor do filme The Punk Rock

Movie (1978), relata como ele começou a filmar:

Então eu comecei a filmar as bandas que eu meio que gostava. É muito para um criolo haitiano, eu não sei o que diabos eu estava fazendo, tudo o que podia fazer era concentrar-se e apontar a câmera na direção certa. Mas eu acho que a minha proximidade com a cena me levou a lugares que outras pessoas não poderiam chegar, e eu tinha gosto - eu sabia para

quem apontar a câmera130 (BARBER; SARGEANT, 2006, p.92, tradução

nossa).

João Carlos Rodrigues, que dirigiu Punk Molotov, ao falar dos motivos que o levaram a fazer o filme, afirma não gostar da música punk, mas sua empatia com o movimento se deu graças à proximidade do punk com o anarquismo.

Li uma matéria sobre os punks no ‘Jornal do Brasil’, escrito pelo Jamari França. O Circo Voador fez um festival e, como eu era ligado ao anarquismo, pensei sobre esses caras de dezenove anos, do subúrbio, falando em Bakunin. Não gosto de música punk, mas fiquei fascinado por esse conjunto, o ‘Coquetel Molotov’, o único no Rio (ORMOND, 2013, acesso em 04 Jan. 2016).

129 Disponível em https: <//www.youtube.com/watch?v=SzkCyzG4eJ4> sob o nome Sesc TV,

VideoBrasil 30 anos: Fernando Meirelles, 17/10/2013, Acessado 08/01/2016.

130 No Original: “So I start filming the bands that i kind of liked. It’s pretty ropey, I don’t know what fuck

I am doing, all I can do is focus and point the camera in the right direction. But I think my closeness to the scene got me to places that other people can’t get, and I had taste – I know who to point the camera at.”

Essa diferença nos discursos dos diretores é também transmitida através de seus filmes. Os primeiros documentários brasileiros que tem o punk como tema seguem um modelo informativo, com um imperativo educacional, derivados de uma tradição documental estendida livremente de John Grierson e Ken Burns, buscando contar através de uma narrativa o retrato do assunto abordado; no caso, o movimento punk de São Paulo e Rio de Janeiro. Nota-se também um apreço por questões técnicas, por mais que os filmes não tenham sido feitos com grandes recursos orçamentários. A fotografia dos filmes é realizada de maneira satisfatória, os filmes são bem editados, o áudio é captado de maneira a ser bem entendida. Além disso, os documentários brasileiros possuem uma equipe de produção, por mais que não seja numerosa, tem-se um cuidado na divisão de funções técnicas, algo que não é visto em relação com as produções dos filmes Blank Generation e The Punk Rock Movie, onde os diretores participaram na realização de todas as etapas de produção do filme. A ressalva é o filme Punk Molotov, de João Carlos Rodrigues, que aparece nos créditos iniciais como diretor, produtor e editor, contando apenas com a ajuda de Alexandre Tanko, que aparece na função supervisor técnico.

João Carlos Rodrigues, como ele mesmo afirma, não gostava da música punk, mas mesmo assim resolveu fazer um filme sobre o conjunto Coquetel Molotov. Seu interesse estava nas aproximações desses jovens punks com a politica anarquista, pois ele mesmo tinha afinidades com a politica de esquerda, por vir de uma família de militantes do partido comunista no Brasil. O filme Punk Molotov parece seguir um padrão clássico de documentário com entrevistas de pessoas que faziam parte daquele contexto punk carioca: jovens punks, o dono do clube Dancy Méier onde acontecia os shows punks, membros da banda Coquetel Molotov. Tudo isso buscando retratar para o espectador o estilo e as questões relativas ao punk naquela época, como o preconceito por parte dos cidadãos cariocas não acostumados com o visual; à distorção e generalização da mídia em relação ao comportamento agressivo; inclusão do surgimento do punk no Rio, que é particamente análogo ao nascimento da banda Coquetel Molotov. Nessa diretriz o filme prossegue.

Apesar de o Punk Molotov não ser tão audacioso quanto os filmes de Amos Poe e Don Letts, que fogem de uma narrativa linear, o diretor usa artifícios pouco usuais,

que fogem de um padrão clássico de documentário. Em alguns momentos, na pretensão de provocar o espectador, para que ele saia de um papel passivo de recebimento de informação, Rodrigues faz aparições na continuidade do filme. No inicio de Punk Molotov, ele aparece de maneira repentina e descontínua em relação às imagens anteriores: depoimento de um punk, do dono do clube onde rolam os shows punks e imagens de punks em ações corriqueiras (dançando, subindo as escadas de entrada do clube, caretas para a câmera, beijos entre namorados, mãos abrindo um fanzine). Rodrigues aparece falando diretamente para câmera: “Meus amigos! Vocês são explorados pelo sistema! São contra caretice e querem se ver livres disso tudo! Usem Coquetel Molotov!” Lançando uma dúvida sobre o espectador: “De que Coquetel Molotov ele está falando?” A indagação se refere ao nome da banda Coquetel Molotov ou ao artefato de guerrilha feito de uma garrafa, gasolina e um pedaço de pano, usado como arma em manifestações populares? Em outras palavras, se aqueles que assistem ao filme se enquadram na situação de insatisfeitos com sua situação social, há duas opções: continuar assistindo ao filme sobre a banda Coquetel Molotov e possivelmente se inspirar na atitude do punk e da banda, e/ou se revoltar contra o sistema através de uma luta, uma revolução.

Esse tipo de participação do diretor no filme se relaciona ao que Bill Nichols traz em seu livro Introdução ao Documentário (2005), com relação aos modos “participativo” e “performático” do documentário. Como o próprio nome já sugere, o tipo de filme participativo é marcado por uma construção coletiva da enunciação, a partir da costura de depoimentos entre os diversos atores sociais envolvidos com o objeto do filme – e isso muitas vezes inclui a participação do diretor e/ou sua equipe. Dessa maneira, o diretor se torna um sujeito ativo no processo de gravação/filmagem, pois são mostradas suas conversas com os entrevistados, nas quais ele interage/provoca o entrevistado para que ele fale – e, mesmo que a voz do cineasta fique de fora do filme na edição final, ainda assim temos impresso na tomada filmada o resultado desse encontro e das provocações do entrevistador. Com isso, temos a sensação da presença do corpo do diretor, ao invés de ausência, o espectador fica com a impressão que o que vai aprender depende da natureza e da qualidade do encontro entre o diretor e o tema – esse modo surge em meados dos anos 1960 (NICHOLS, 2005, p.155).

Já no “modo performático”, os documentários trazem uma carga autobiográfica e dão mais ênfase a características subjetivas da experiência e da memória, afastando-se de relatos mais objetivos e narrativos convencionais – e muitas vezes assumindo-se como narrativas em primeira pessoa. Nos filmes performáticos a sensibilidade do diretor busca estimular a nossa, de maneira a nos envolver em sua representação histórica, mas indiretamente, por intermédio de uma “carga afetiva” aplicada ao filme e que o cineasta procura tornar nossa. Esse modo surge nos anos 1980 (NICHOLS, 2005, p. 169).

Rodrigues faz outra aparição no fim do filme e, da mesma forma olhando diretamente para a câmera, diz:

Meu nome é João Carlos Rodrigues eu sou o produtor e diretor desse vídeo e às vezes eu mesmo me pergunto: Por que eu, que não sou punk, acabei fazendo um filme sobre os punks? Na verdade pode ser uma coisa política e também lançável, então eu que li tanto Bakunin resolvi passar para a ação direta, exatamente a ação dos anarquistas e minha primeira ação direta foi esse vídeo. Punk Molotov, que eu dedico aqui a todos os punks do Rio de Janeiro, em especial. (Punk Molotov, 1983)

Aqui a referência de Rodrigues é evidente à “ação direta” de Bakunin, o que é semelhante ao faça você mesmo difundido pelo punk. Da mesma maneira que Don Letts, que antes de tudo era fã do punk e a partir da influência do faça você mesmo inerente ao movimento torna-se diretor. Rodrigues segue um caminho semelhante, transformando-se em um realizador a partir da realização de Punk Molotov, só que influenciado pela “ação direta” do anarquismo. Ele enxerga no ato de se fazer um filme, um gesto político e acredita que essa atitude pode repercutir sobre o público que assistirá ao filme.

Eu acho o conjunto Coquetel Molotov, o conjunto mais ‘anti neocareta’131

[...] E eu espero que esse tipo de pensamento prospere como uma bola de neve, que vai descendo assim em avalanche contra todas as ditaduras, opressões musicais ou não. (Punk Molotov, 1983)

Esteticamente, seu filme deixa traços materiais de seu baixo orçamento, assim como sua falta de prática e técnica cinematográfica. Nas cenas de entrevistas com

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Pela explicação do próprio diretor, nas falas que antecedem esse trecho a expressão neocareta significa “[...] pessoa que tem a cabeça careta e a roupa de louco, o que também pode ser modista no caso dos punks.”

Figura 14 - Diretor João Carlos Rodrigues em cena mandando seu recado ao público.

membros da banda Coquetel Molotov, em que aparecem os entrevistados, a câmera é sempre inconstante, vagueia pela cena em um único plano sequência de filmagem. O zoom ora se aproxima do rosto dos entrevistados, ora abre para um plano geral, assim como em outros momentos faz closes e planos detalhes. O foco por vezes se perde. A câmera divide a atenção em enquadrar o entrevistado ou mostrar elementos de fundo, como, por exemplo, várias crianças que estão pela rua brincando e se amontoando atrás dos entrevistados. Na entrevista de Olmar, baixista da banda Coquetel Molotov, no início de sua fala crianças jogam papéis picados para o alto, que caem sobre sua cabeça durante a filmagem. Quase ao fim de sua entrevista, a câmera sobe lentamente fazendo um movimento para cima. Olmar some do enquadramento e a câmera filma durante alguns segundos uma estrutura de um prédio mal acabada, que está atrás de Olmar.

Fonte: Punk Molotov (João Carlos Rodrigues,1983)

Nos filmes documentários paulistas sobre o punk, notamos que os diretores possuem vínculos com instituições públicas ou privadas. Pânico em SP, de Cláudio Morelli, foi produzido como trabalho da faculdade de cinema ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo); Garotos do Subúrbio, de Fernando Meirelles, foi realizado por sua produtora Olhar Eletrônico; Punks, de Sara Yahkni e Alberto Gieco, tem nos créditos finais do filme como produtora Mel Filmes e

como co-produtores a TVC Televisão e Cinema Ltda.; Superfilmes; Secretaria de Estado da Cultura Departamento de Artes e Ciências Humanas Comissão de Cinema132.

Essas referências nos apontam para uma questão: por que não há nenhum diretor punk, intimamente ligado ao movimento, no Brasil? Ao menos nesse início do punk no Brasil (1978-1984), não conseguimos registros audiovisuais (documentários ou ficção) e informações, além desses já citados – não que isso seja incontestável, muito pelo contrário, porém em toda a nossa pesquisa constatamos dificuldades de encontrar informações sobre o Punk no Brasil e principalmente do Cinema Punk. Suponho que essa questão se relaciona ao acesso dos punks brasileiros aos aparatos tecnológicos de produção audiovisual como câmeras, ilha de edição, gravadores de áudio, etc. Em meados dos anos 1980-90 esses equipamentos audiovisuais começaram a se popularizar, muito pela entrada do VHS (Vídeo Home

System), caracterizado pela baixa resolução (240 linhas) e baixo orçamento. Mas no

início dos anos 1980, esses aparelhos ainda eram caros para a maioria dos punks – e quem fazia vídeo no Brasil, nesse período, era oriundo da classe média-alta. Como já foi dito, o punk no Brasil, em seu início, era formado principalmente por jovens suburbanos da classe trabalhadora:

Com idades entre 15 e 25 anos, eles viviam no dia-a-dia como bancários, estudantes, escriturários, balconistas, office boys, vendedores e artesãos.

Havia alguns desempregados – poucos, porque de acordo com filosofia

vigente, eles preferiam qualquer emprego a emprego nenhum. Não havia no Brasil o seguro-desemprego que sustentava a vida alternativa de alguns punks ingleses, razão pela qual achavam que o punk mais legítimo, com mais razões para ser revoltado, era o brasileiro (ESSINGER,1999, p.115).

Isso criou condições para que apenas nos anos 1990 surgissem no Brasil produções de filmes que possuíssem relações estreitas com o punk, narrativos e ficcionais. O diretor Petter Baiestorf, da cidade de Palmitos, Santa Catarina, talvez seja um dos pioneiros no país a criar filmes punks que saem da linha documental. Baiestorf, assim como outros diretores punks, apresenta uma produção heterogênea, influenciada também por filmes e diretores que vivem à margem da indústria

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Essa última informação parece confusa, tanto nos créditos do filme, quanto no registro do filme no site da Cinemateca Brasileira (http://www.cinemateca.gov.br). A informação foi trazida para cá sem qualquer modificação.

cinematográfica, como o terror tipo B, os filmes trash, o gore, a pornografia e a comédia pastelão.

Indagado sobre como começou a fazer filmes, Baiestorf expõe sua ligação com o punk: “Antes de começar a fazer filmes eu era fanzineiro e grande fã de bandas punks e de metal obscuras, aí todo este universo do ‘faça você mesmo’ me contagiou e, como sempre fui apaixonado por cinema, resolvi eu mesmo fazer meus filmes”133

(CAPRARA, 2014, acesso em 05 de Jan. 2016).

Os filmes de Baiestorf exploram o exagero, a sátira, o humor negro, o sexo, a violência, o choque visual, e atacam a moral religiosa e os costumes burgueses. Para Baiestorf é “[...] necessário que as artes, no Brasil e mundo, contenham um fundo social-político para despertar as massas de seu estado vegetativo”. 134 Sua produção começou no ano de 1992, com Lixo Cerebral Vindo de Outro Espaço, que permaneceu incompleto e nem chegou a ser lançado. Nesse mesmo ano ele forma a produtora independente Canibal Filmes, a fim de fazer produções “gore com críticas sociais”. Só no ano seguinte, em 1993, ele consegue realizar seu primeiro longa- metragem chamado Criaturas Hediondas, e, desde então, em uma rápida contagem no catálogo virtual da Canibal Filmes, realizou pelo menos 15 longas-metragens, 11 médias e 16 curtas, além de atuar e colaborar em trabalhos de outros realizadores de filmes independentes e autorais.

No filme Eles Comem Sua Carne (1996), Baiestorf retrata a história de um grupo de amigos canibais que resolvem se isolar e morar em um “Casarão” no interior de Santa Catarina. O grupo se alimenta de viajantes perdidos por aquela região, ou principalmente de fiscais que vão cobrar o IPTU atrasado. O grupo é formado por seis personagens, dentre eles Arkham (E.B. Toniolli), Escobar (Marcos Braun), Ed Porcão (César Souza), o cozinheiro Elvis (Jorge Timm) e duas jovens, Hérnia (Susana Mânica) e Tracy (Onésia Liotto).

A primeira cena de Eles Comem Sua Carne nos mostra o porão da casa, um verdadeiro matadouro humano, que lembra o cenário de trens fantasmas de parques

133 Disponível em < http://musicaecinema.com> 134 Disponível em <http://pt-r.protopia.wikia.com/wiki/Polemica_Entrevista_com_Petter_Baiestorf> Acessado 08/01/2016.

de diversão bem fajutos, com bonecos ensanguentados e falsos pedaços de corpos espalhados. Nesse ambiente, vemos os personagens Arkham e Escobar matando e esquartejando uma jovem anônima, arrancando-lhe as tripas e os órgãos internos. O que parecia ser um filme de horror sério e pesado, brevemente muda de tom, no momento em que a dupla de assassinos começa a conversar sobre os problemas amorosos de Arkham enquanto continuam o esquartejamento.

Nessa primeira cena é possível notar a precariedade das imagens, muito por conta de seu suporte em VHS. A definição das filmagens é baixa, com texturas e grãos, as cores são “lavadas”, apresentando pouco contraste. Nos enquadramentos em que não há luz externa, como essa do porão, fica difícil visualizar a profundidade de

No documento Metamorfoses do cinema punk (1975-1990) (páginas 146-162)