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3. O PUNK E SUA HISTÓRIA

3.4 PUNK BRASILEIRO

O contexto brasileiro no início dos anos 80, nos cenários econômicos, políticos e sociais, é marcado por uma “transição incompleta” da ditadura militar para um estado democrático. Combina-se a isso uma evidência e intensificação dos meios midiáticos e do consumismo, uma crise econômica, crise de valores e dos modelos políticos. Isso faz com que entre os jovens haja um sentimento de estreitamento das possibilidades de uma vida satisfatória através de uma carreira profissional e mesmo de favorecer uma participação nos espaços da escola, do consumo e da diversão (ABRAMO, 1994, p. 82).

Havia poucas informações sobre o movimento punk nessa época, no Brasil. Segunda Helena Abramo (1994), as primeiras revistas a trazerem notícias sobre o movimento no exterior foram as revistas Pop, Manchete e Veja. Exibiam reportagens do punk como uma nova corrente do rock, reivindicando um retorno ao básico e à “postura rebelde” do rock em suas origens; também mostravam os punks como um

67 No original: “was curiously asexual . . . punk choices to be asexual, gay, androgynous or celibate

movimento de contestação de jovens pobres e marginalizados, um protesto que usava imagens de podridão e violência para se manifestar “contra as normas vigentes” (ABRAMO,1994, p. 92).

A revista Pop, em 1977, lança uma coletânea de músicas de bandas punk inglesas e americanas intitulada Punk Rock, e posteriormente são lançados no Brasil alguns discos de bandas como do Ramones, Sex Pistols e The Clash. Tiveram pouca divulgação e repercussão comercial e até 1979 nenhuma rádio ou televisão veiculava esse tipo de música em sua programação: “pode-se afirmar, portanto, que no Brasil o interesse dos garotos pelo punk começou a instalar-se independente de estratégias de marketing e até mesmo relativamente ao largo da mass media” (ABRAMO, 1994, p. 92). As informações chegavam através de jovens que gostavam do som rock e viviam atrás de novas informações, novos discos e novas bandas, assim passaram a ter contato com os primeiros registros de punks oriundos principalmente da Inglaterra.

Assim como em Nova Iorque e Londres, pesquisadores como Antonio Bivar, Janice Caiafa, Helena Abramo e Silvio Essinger mostram que a maioria dos jovens punk é oriunda de famílias de trabalhadores de baixa renda, moradores dos subúrbios e periferia. Dessa forma, houve uma identificação com o movimento punk inglês, cujos membros enfrentaram a mesma situação de desemprego, pobreza e violência e tinham a mesma insatisfação com a complexidade e distanciamento da música rock vigente. Ariel, da banda Inocentes, expõe essa afinidade: “a gente falava dos nossos problemas, as coisas que a gente via. Moleques de 16, 17 anos, os pais fudidos, tudo operário, os caras pobres, morando na periferia, tinha que falar do que estava sentindo” (ESSINGER, 1999, p. 104). O movimento punk de São Paulo não foi simplesmente uma cópia do que aconteceu no exterior, ele foi adaptado à realidade local, tendo grande adesão dos jovens suburbanos paulistanos.

Por volta do ano de 1978 é que surgem os primeiros punks do Brasil, na cidade de São Paulo. O documentário Botinada: a origem do Punk no Brasil (Gastão Moreira, 2006) reconstituiu um pouco dessa história a partir da visão de indivíduos integrantes do movimento e das primeiras bandas punk. O filme mostra também um

pouco da cena punk de Brasília. E fica uma questão no ar: qual capital foi pioneira em trazer o punk de Londres?

É evidente, se formos colocar o punk como um fenômeno diretamente ligado às classes baixas e às periferias, que São Paulo é o primeiro lugar onde o punk se manifestou. Os integrantes do movimento punk em Brasília, em sua maioria de família de classe média alta, tiveram influências diretas do movimento, tendo a oportunidade de viajar e estudar na Europa. Assim trouxeram para o Brasil a novidade punk, juntamente com discos, fanzines e informações oriundas do movimento.

As primeiras bandas punk que datam de 1978 eram centradas na cidade de São Paulo, como a AI-5, Condutores de Cadáver, Restos de Nada e tiveram um curto período de existência, mas a maioria dos membros dessas bandas formaram outras, como a Inocentes, a Desequilíbrio, a Estado de Coma e a Hino Mortal. Em 1982 houve um ressurgimento do movimento punk em um nível internacional, foi quando a imprensa brasileira passou a se dar conta que existia um movimento punk brasileiro.

Por volta do ano de 1982 já havia mais de vinte grupos em ação se apresentando nos mais diversos locais periféricos, como as bandas Olho Seco, Cólera, Fogo Cruzado, Lixomania, Mack, Suburbanos, Ratos de Porão, Desertores, Passeatas, Ulster, Guerrilha Urbana, Setembro Negro, Juízo Final, Indigentes, Negligentes, Anarkólatras, Saturados, Anonimato, Agressão Repressão, Extermínio, Desordem, Detenção, Psykose, Neuróticos, Inimigos e as bandas formada por mulheres Skizitas, Zona X e a Banda Sem Nome (BIVAR, 1982, p. 95). Poucas dessas bandas tiveram gravadas suas músicas.

Há dois filmes que destaco e que registram o movimento punk de São Paulo:

Garotos de Subúrbio (Fernando Meirelles, 1983) e Punks (Sara Yahkni e Alberto

Gieco, 1983). Garotos de Subúrbio refere-se ao nome de uma música da banda Inocentes. O documentário foi realizado pela produtora Olhar Eletrônico e vinculado à TV Gazeta de São Paulo, que o levou ao ar com o nome de Punk em São Paulo.

Diferente dos filmes Blank Generation (Amos Poe, 1976) e Punk Rock Movie (Dont Letts, 1978), que foram realizados por pessoas intimamente relacionadas ao

movimento punk, frequentadores dos ambientes de shows e amigos de muitos dos indivíduos filmados, em Garotos de Subúrbio e Punks percebe-se o distanciamento dos realizadores com os participantes do movimento punk. Os filmes seguem um modelo formal de documentário, buscando contar através de uma narrativa o retrato do assunto abordado, no caso o movimento punk de São Paulo. Mas mesmo assim há por parte dos diretores uma tentativa de renovação desse formato.

Garotos de Subúrbio, de Fernando Meirelles, é mais audacioso nesse quesito

quando comparado ao Punks, de Yakni e Gieco, realizado no mesmo ano. O filme de Meirelles é diretamente ligado à atuação da produtora independente Olhar Eletrônico, fundada em 1981. A produtora tinha como membros, além de Meirelles, Marcelo Machado, José Roberto Salatini e Paulo Morelli e era um grupo constituído de jovens recém-formados na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), que tinham como objetivo - inédito até o momento - fazer um conteúdo audiovisual para televisão.

O filme de Meirelles, assim como o de Yahkni e Gieco, são produções realizadas por jovens estudantes do audiovisual, e consequentemente através da estética e abordagem da temática de suas produções nota-se um apreço por questões técnicas. Ao contrário, Amos Poe e Dont Lett demonstram um total desprendimento da técnica audiovisual, trazendo registros que tendem ao precário, a crueza das imagens, demonstrando um mau balanceamento das luzes e tratamento do áudio.

Meirelles, em seu filme, nos dá uma visão sobre o movimento punk de São Paulo através de depoimentos centrados em participantes do movimento e da banda punk Inocentes. O que chama a atenção em seu filme são as misturas de linguagem e constantes intercalações de diferentes tipos de imagem e pontos de vista da câmera. Constantemente, a imagem do entrevistado é interrompida por imagens de arquivos jornalísticos, filmes, televisão, paisagens urbanas ora em contraste com o que está sendo dito, ora na intenção de reforçar o que se fala.

Outro fato que chama a atenção e é uma constante nos trabalhos realizados pela produtora Olhar Eletrônico são as misturas de real, humor e ficção. O exemplo disso comparece em Garotos de Subúrbio: um ator caracterizado com os principais

adereços que compõem um visual punk (jaqueta de couro, correntes, óculos escuros, calça jeans rasgada, tênis cano longo, pulseira de arrebite) deitado sobre sacos de lixo. Em suas falas percebe-se a apropriação dos principais clichês dos punks do filme, tornando-o um personagem totalmente estereotipado do punk. Um olhar desatento acaba nem percebendo a presença do ator em meio aos outros entrevistados. Esse personagem dá uma visão crítica do diretor ao próprio movimento punk, como mais um produto do mercado que se apropria do estilo e os devolve à normalidade como produtos da moda e com seus significados esvaziados e diluídos.

No documento Metamorfoses do cinema punk (1975-1990) (páginas 77-82)