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Existe algo que caracteriza o fazer circense de Albano Pereira (e de muitos circenses) que não posso me furtar a tratar, ainda que brevemente: o nomadismo, seu caráter itinerante. Cabe aqui observar que nos séculos XIX e XX, bem como ainda hoje, as companhias artísticas e os artistas independentes exerciam seu ofício de forma itinerante e por temporada. Nesse contexto, não era comum um centro de diversões possuir sua própria companhia, assim como também não era comum as companhias possuírem um centro de diversão próprio – exceto no caso dos circos que montavam suas estruturas arquitetônicas móveis.

O nomadismo circense, no entanto, tem suas particularidades e estas correspondem às necessidades e especificidades do seu modo de produção artística e de vida. Nesse contexto, enquanto grupo social nômade, os circenses têm uma forma particular de organizar-se socialmente, de morar, de educar e de trabalhar. Uma vez que sua vida seja regida pelo movimento, os trajetos a serem percorridos são sempre fruto de um complexo processo de estudo, planejamento, organização e execução de um roteiro de viagens que, longe de ser aleatório, está em relação direta com inúmeros fatores, tais como as estações do ano, as festas populares, os dias santos, entre outros. Tal como afirmou Erminia Silva em seu escrito,

Ainda que os nômades sejam definidos a partir do movimento, continuam, como grupo, a ser portadores de saberes e práticas que os balizam, que os definem como grupo com uma historicidade singular. Sua forma de habitação e sua relação com o trabalho podem ser diferentes daqueles da vida sedentária; contudo fazem do mundo do nômade um mundo particular, mas também determinado e organizado. (2009, p. 68)

Como se pode ver, os circenses são um grupo nômade com características muito particulares e, certamente, diferentes de outros grupos nômades existentes. Gostaria ainda de ressaltar aqui que sua mobilidade em nada impediu que tivessem um processo de construção de uma memória circense, que em muito se fez transparecer na transmissão oral dos saberes e técnicas de geração para geração, tal como ocorria no

companhias equestres. Ao longo do período em que manteve em funcionamento seus estabelecimentos em Porto Alegre e Rio Grande, Albano Pereira esteve em constante movimento não apenas entre as duas cidades, mas também, entre cidades vizinhas e países vizinhos como Uruguai e Argentina. A análise da documentação levantada indica que as viagens realizadas pelo empresário tinham dois objetivos específicos: primeiro, a realização de temporadas de espetáculos; segundo, contratar novos artistas para o elenco de sua companhia.

Em seu estudo, Erminia Silva comenta que o transporte em carros de boi, cavalos

ou burros foi largamente utilizado pelos circenses durante todo o século XIX e boa parte

do século XX (2009, p. 124-125). No entanto, ao longo de meu estudo, não me deparei com nenhuma referência a respeito de Albano Pereira ou sua companhia terem utilizado tal meio de transporte. A análise da documentação levantada, indica que as viagens foram predominantemente realizadas por meio de navios – o que não implica estranhamento algum, posto que Albano construiu seus circos estáveis em duas cidades portuárias da província, do que decorre que o trajeto entre uma e outra, bem como, entre elas e os países vizinhos – Uruguai e Argentina, por exemplo – seria mesmo mais facilmente percorrido por água, que por terra. Em verdade, o uso do transporte lacustre e fluvial não foi uma exclusividade de Albano Pereira e de sua companhia, mas diferentemente, algo corrente entre diversas companhias artísticas que percorreram tais rotas naquela época. Abaixo, compartilho alguns registros que localizei em meio à documentação reunida, e que dizem respeito às viagens realizadas pelo empresário e sua companhia, no período que delimitei neste estudo.

Em 1875, ano em que construiu o Circo Universal em Porto Alegre e o Anfitheatro em Rio Grande, Albano Pereira realizou ao menos três viagens:

 De Montevideo para Porto Alegre, no navio Camões, trazendo novos artistas para sua companhia (O DESPERTADOR, 03/08/1875);

 De Porto Alegre para Rio Grande, no navio Guahyba, para realizar uma temporada de espetáculos em seu circo provisório (O DESPERTADOR, 19/10/1875);

 De Rio Grande para Pelotas, com meio de transporte não informado, também para realizar uma temporada de espetáculos em seu circo provisório (O DESPERTADOR, 26/10/1875).

No ano seguinte, em 1876, o empresário realizou cerca de quatro viagens:

 Montevideo – Buenos Aires – Rio Grande, no paquete Cervantes, para contratar novos artistas para sua companhia (O DESPERTADOR, 11/02/1876);

 De Rio Grande para Porto Alegre, com meio de transporte não informado, para tratar dos negócios relativos ao Circo Universal, provavelmente (O DESPERTADOR, 18/04/1876);

 De Porto Alegre para Rio Grande, no vapor Itapuan, com sua companhia para representar Cendrillon em uma temporada de espetáculos no

Anfitheatro (O DESPERTADOR, 27/06/1876);

 De Rio Grande para Uruguaiana, com meio de transporte não informado, para uma turnê com sua companhia entre esta cidade, Pelotas e Rio Grande (O DESPERTADOR, 27/08/1876);

Sobre 1880, tenho o registro de uma viagem:

 Porto Alegre para Rio Grande, com meio de transporte não informado, para a inauguração do Rink (O DESPERTADOR, 21/08/1880)

É certo que Albano Pereira deve ter realizado outras viagens das quais não tenho registro no período em que manteve negócios nesta província, com seus circos estáveis na capital e na cidade de Rio Grande. Entretanto, acredito que estas viagens que mapeei e aqui citei, são suficientes para nos dar a conhecer, em alguma medida, os deslocamentos de Albano e de sua companhia entre as décadas de 1870 e 1880.