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No capítulo anterior, fazendo referência aos estudos de Erminia Silva e Daniel de Carvalho Lopes, comentei a respeito das estruturas arquitetônicas concebidas e construídas pelos circenses ao longo do processo histórico de consolidação das artes circenses, fora e dentro do Brasil. Nesse contexto, com base nas informações advindas do conjunto documental organizado durante esta pesquisa, procurei apresentar quatro casos relativos a estruturas arquitetônicas circenses de caráter estável, ligadas à Albano Pereira e erigidas nas cidades de Porto Alegre e Rio Grande, entre as décadas de 1870 e 1880. Agora, registro aqui algumas reflexões que fiz a respeito do uso destas e de outras estruturas arquitetônicas, de caráter estável e não estável, por Albano Pereira para abrigar sua trupe e seus espetáculos ao longo de sua trajetória – ou do que dela fui capaz de apreender.

Uma primeira reflexão que proponho diz respeito aos objetivos de Albano Pereira quanto ao estabelecimento de negócios circenses na província do Rio Grande do Sul. A análise da documentação levantada neste estudo permite inferir que o empresário planejava estabelecer negócios em três pontos estratégicos da província. Vejamos as informações constantes na nota que segue abaixo e que foi publicada na coluna Cartas do

Sul, do jornal O Despertador (03/08/1875). Antes de mais nada, há que se lembrar que a

tal coluna Cartas do Sul, ao que tudo indica, era assinada por um tal X. Y. Z., correspondente que escrevia da cidade de Rio Grande para o periódico acima citado, impresso na cidade de Desterro - SC. Na referida nota, o

correspondente afirma que Albano Pereira “fixaria” sua residência na província do Rio Grande do Sul. Sobre isto de um circense fixar-se em determinado local, há de se fazer algumas ressalvas, uma vez que o circo é por essência itinerante. Do decorre que, qualquer menção à fixação deve ser interpretada com muito cuidado.

A documentação levantada neste estudo, indica que Albano Pereira de fato manteve negócios no Rio Grande do Sul por mais de uma década, ao menos entre os anos de 1875 e 1887. No entanto, é complicado afirmar que “fixou” residência na província, pois manteve-se em constante movimento, tal como veremos adiante. Erminia Silva, em seu estudo, fala da configuração de um contexto caracterizado pela fixação de alguns grupos circenses, após circularem por diversos lugares do mundo ao longo do século XIX, estabelecendo relações de trabalho e investindo em verdadeiros projetos empresariais, como a construção de espaços fixos para a apresentação de espetáculos e, penso que Albano Pereira está inserido neste contexto (2007, p. 77).

Mas, retomando a referida nota, o correspondente não esclarece quais seriam as “três principais cidades” da província onde Albano construiria os tais circos, contudo, creio que fossem elas: a capital Porto Alegre, a cidade portuária de Rio Grande e Pelotas. Sobre Porto Alegre e Rio Grande, sabemos que os negócios vieram a se concretizar, com a construção do Circo Universal (1875), do Anfitheatro Albano Pereira (1875), do Theatro de

arquitetônicas de caráter estável, conforme descrevi anteriormente. A análise da documentação levantada nesta pesquisa permitiu verificar que o referido empresário manteve negócios paralelos nas cidades de Porto Alegre e Rio Grande, ao menos entre as décadas de 1870 e 1880, considerando que nos jornais pesquisados, as últimas ocorrências relativas aos negócios de Albano Pereira no Rio Grande do Sul correspondem ao Theatro de Variedades (A FEDERAÇÃO, 08/06/1887) e ao Polytheama Rio-Grandense (A

FEDERAÇÃO, 25/10/1889). Não posso, no entanto, afirmar ao certo quando se deu o

término desses negócios, posto que, no caso de Porto Alegre, localizei a data de demolição do pavilhão do Circo Universal, mas não sei até quando os negócios relativos ao Theatro

de Variedades perduraram. E, sobre Rio Grande, digo o mesmo com relação ao Anfitheatro Albano Pereira e ao Polytheama Rio-Grandense, respectivamente.

A respeito de Pelotas, temos alguns poucos registros de viagens de Albano e de temporadas de sua companhia nesta cidade. Em uma nota de jornal, por exemplo, registrou-se a chegada do

diretor a Pelotas e as homenagens por ele recebidas, conforme se pode ver na imagem acima (O DESPERTADOR, 06/11/1875). Considerando que Albano Pereira tivesse numerosos amigos na cidade de Pelotas e tendo sido inclusive recebido com banda de música quando de sua visita àquela cidade, penso que não seria descabido inferir que tivesse planos de lá também firmar negócios, construindo outro circo estável aos moldes daqueles construídos em Porto Alegre e Rio Grande. Além disso, Pelotas é recorrentemente citada em notas publicadas em jornais, parecendo representar de fato um terceiro ponto estratégico de estada para o empresário e sua companhia dentro da província. Não tenho a mesma percepção com relação a outras cidades, uma vez que, à exceção de uma passagem por Uruguaiana, não encontrei outras ocorrências de viagens do empresário ou temporadas de sua companhia.

No entanto, se os planos de construir estruturas estáveis na cidade de Pelotas chegaram a existir, parece que não saíram do papel. Alguns meses depois, quando da época da vinda de Chiarini para o Rio Grande do Sul, Albano Pereira chegou a anunciar que deveria se retirar de Rio Grande por alguns dias, seguindo para Pelotas junto de sua companhia, conforme se pode ver na nota aqui ao lado (O

DESPERTADOR, 11/08/1876).

Com relação a esta nota e à temporada de Chiarini, novamente fazendo referência ao trabalho de Daniel de Carvalho Lopes, ressalto que em meados de 1876, Chiarini esteve no Rio de Janeiro com alguns artistas de sua companhia, realizando uma temporada de espetáculos no Theatro Imperial Dom Pedro II - antigo Circo Olímpico da Guarda Velha, do qual tratei anteriormente - em parceria com a Companhia de Fenômenos (GAZETA DE

NOTICIAS, 22/06/1876, In LOPES, 2015, p. 79). Pois bem, dias após a publicação daquela

nota referente à Albano Pereira e sua retirada para Pelotas, outra nota publicada no mesmo jornal comunicou uma mudança significativa de planos da parte do empresário, conforme se pode verificar na nota ao lado (O

DESPERTADOR, 29/08/1876). Com relação a esta última, é possível perceber que em Pelotas, não havendo estrutura estável para abrigar sua companhia e seus espetáculos, tal

como em Porto Alegre e em Rio Grande, Albano Pereira viu-se obrigado a recorrer ao uso de uma estrutura provisória, tal como o circo de pau fincado que já era coberto “de pano”, como vimos na descrição de Erminia Silva. O empresário ainda poderia alugar um teatro, como fizera Chiarini na capital do Império. Entretanto, essa última possibilidade parece não ter sido cogitada e, além disso, Albano Pereira não parecia satisfeito em ter de utilizar estruturas provisórias, uma vez que possuía circos estáveis em Porto Alegre e Rio Grande.

Desse modo, sabendo que Chiarini acabou por estabelecer-se em Porto Alegre e realizar sua temporada no pavilhão do Circo Universal, concluo que Albano Pereira decidiu acomodar Chiarini na capital da província e deixar o anfiteatro em Rio Grande livre para uma possível nova temporada de sua companhia – ou melhor, da nova companhia que iria contratar em Buenos Aires, conforme cita a última nota. Outro aspecto que não posso deixar de destacar é o comentário a respeito da “estreia” do teatro no circo de Albano. Quanto a este último ponto, deixo para discuti-lo mais adiante quando tratar do conteúdo dos espetáculos dirigidos por Albano Pereira. Apenas não podia deixar passar desapercebido.

A análise das fontes levantadas, especificamente dos jornais, permite verificar que Albano Pereira visitou a cidade de Pelotas, realizando algumas temporadas de espetáculo entre os anos de 1875 e 1877. Após esse período, temos um último registro referente ao ano de 1887, o qual informa que Albano Pereira estreou na cidade de Pelotas, acompanhado de Cândido Ferraz (A FEDERAÇÃO, 05/03/1887). Após esse último registro citado, não foram localizados outros registros de temporadas da companhia de Albano Pereira na cidade de Pelotas - o que me leva a pensar que o suposto projeto de construir em Pelotas um circo estável, de fato, não veio a se concretizar. E dado que já arrisquei esse palpite de que a terceira principal cidade da província seria Pelotas, continuo arriscando a dar palpites a respeito dos motivos que levaram tal projeto a não se concretizar, entre eles o desinteresse da municipalidade em ceder algum terreno público ou a falta de capital do empresário para investir na compra de um terreno privado, além da construção em si.

E, porque talvez não seja mesmo uma boa historiadora, mas seja boa nisso de dar palpites, vou dizer ainda mais: parece-me mesmo que por um dado período de sua trajetória enquanto empresário circense, Albano Pereira não foi afeito ao uso das estruturas não estáveis, provisórias ou móveis – como queiram os entendidos. Esse período ao qual me refiro corresponde exatamente ao período inicial de sua estada no Brasil e do estabelecimento de negócios na província do Rio Grande do Sul. Quem sabe porque vindo da Europa e tendo tido vasta experiência trabalhando em circos estáveis não fosse afeito a trabalhar noutras estruturas. Ou ainda quem sabe fosse ele mesmo, em sua juventude, um empresário de projetos audaciosos. Enfim, são apenas inferências minhas.