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No decorrer deste estudo, ao analisar diferentes tipos de documentos, pude observar uma prática corrente no fazer circense de Albano Pereira. Essa prática que não

era algo particular deste empresário, mas coisa comum entre a gente do circo, corresponde àquilo que era naquele tempo e ainda hoje é conhecido por “fazer a praça”. Nem sempre os artistas mambembes ou mesmo as companhias circenses mais estruturadas puderam simplesmente chegar em um dado local, ali se estabelecer e realizar seus espetáculos. Na verdade, ao mesmo tempo em que grupos de artistas como os circenses foram se estruturando, os centros urbanos tornavam-se cada vez mais organizados e regidos por normas de utilização dos espaços públicos, tais como praças e largos, por exemplo. Disso decorre que, em boa parte dos casos, era necessário pedir permissão para trabalhar em determinados espaços urbanos. Do mesmo modo que para trabalhar em teatros e centros de diversões era necessário negociar com seus proprietários ou arrendatários.

O “fazer a praça”, prática que não se restringia apenas ao universo circense, mas a outros segmentos artísticos, consistia em o secretário ou o dono do circo deixar a companhia antes do final da temporada de espetáculos e viajar no intuito de conhecer uma dada região ou localidade, escolher um terreno ou estabelecimentos onde pudesse instalar sua trupe e realizar seus espetáculos. Nesse sentido, o secretário ou o dono do circo, precisava estabelecer contato com autoridades locais – desde o padre, passando pelo delegado, até o prefeito ou outra autoridade qualquer, conforme a época e o local. Segundo Erminia Silva, nos pequenos circos, naquela época e ainda hoje, o próprio dono do circo fazia a praça. Mas, a partir do circo de pau-fincado, a figura do secretário passou a ser mais comum (2009, p. 135). Silva, entretanto, ressalta que esse processo diz respeito ao Brasil pois, na Europa desde o século XVIII, existia uma pessoa - denominada agente ou empresário - encarregada de desempenhar tal papel. Nas palavras da historiadora,

Era ele que cumpria (e cumpre) a função de: a partir de um mapa de viagem, dirigir-se aos locais traçados com duas ou três semanas de antecedência, definindo o lugar em que circo poderia ser armado e em que data; conhecer antecipadamente as condições das estradas que deveriam ser percorridas, informando que tipo de terreno encontraria em cada local de armação; saber o dia do pagamento dos operários nas cidades industriais; nas zonas agrícolas, saber quando os agricultores estariam arando, plantando ou comercializando; informar os lugares assolados por inundações ou secas para que o circo pudesse passar ao largo; além de realizar o que se denomina hoje de um trabalho de relações públicas (2009, p. 134).

Como se pode perceber, fazer a praça não era tarefa simples e, também não era qualquer pessoa que podia desempenhar tal função, posto que com tantas atribuições como estas citadas acima, era fundamental saber ler e calcular, conforme ressalta Silva em seu escrito (2009, p. 134). Para além disso, penso que o encarregado de fazer a praça devia ser também um indivíduo socialmente articulado, capaz de se comunicar e estabelecer boas relações já que seu contato com a comunidade local, bem como com as autoridades, precedia o contato com a própria companhia e seu produto cultural - os espetáculos. Nesse sentido, acho que podemos tomar a figura do circense encarregado de

fazer a praça como algo semelhante, em alguma medida, ao indivíduo que hoje trabalha

com Relações Públicas, no sentido em que este tem como ofício promover a imagem da empresa que representa perante o seu público, além de tratar de inúmeras outras questões ligadas à relação com o público externo, bem como o público interno, já que trata da organização das atividades relativas à empresa.

Ao longo de sua trajetória enquanto artista e empresário circense, especificamente no período em que atuou na província de São Pedro do Rio Grande do Sul, firmando negócios nas cidades de Porto Alegre e Rio Grande, Albano Pereira mostrou-se um empresário ativo, dono de circo e diretor de companhias equestres que, por vezes, desempenhou, para além das atribuições de diretor artístico, a tarefa de fazer a praça, tendo ou não um secretário à sua disposição. Alguns episódios que pude conhecer em meio à análise da documentação selecionada são bastante elucidativos dessa prática do

fazer a praça e, por esse motivo partilho aqui.

Em outubro de 1875, já tendo construído e inaugurado seu circo estável na capital da província, o periódico O Despertador registrou a passagem do secretário de Albano Pereira pela cidade de Rio Grande, no intuito de negociar com a municipalidade a cedência de um terreno público para a realização de tal projeto (O DESPERTADOR, 05/10/1875). Neste caso, não foi Albano Pereira quem tratou das tarefas relativas ao fazer a praça, mas seu secretário. Suponho que justamente porque o empresário viu-se na necessidade de permanecer na capital da província, cuidando dos negócios relativos ao Circo Universal, preferindo enviar à Rio Grande um representante seu – certamente, indivíduo de sua confiança e de grande competência – para negociar a construção de seu novo circo estável, o Anfitheatro Albano Pereira.

Após alguns anos de funcionamento, Albano Pereira viu-se intimado pela Câmara Municipal de Rio Grande a remover seu anfiteatro construído na Praça Municipal. Após a remoção do anfiteatro, Albano tratou de construir novo empreendimento – o Polytheama

Rio-grandense. Sobre o período transcorrido entre a intimação para remoção do anfiteatro

em maio de 1884 e o pedido de licença para construção do politeama, encaminhado em setembro do mesmo ano - conforme consta em atas já citadas anteriormente - penso que poderíamos tomá-lo como o tempo do refazer a praça. Refazer a praça? Estaria eu inventando um novo conceito? Não, eu não teria tal pretensão. Então, explico: Albano Pereira já conhecia a cidade de Rio Grande muito bem – creio eu, dado que lá mantinha negócios desde 1876. Contudo, ao ser intimado a remover seu anfiteatro construído em espaço público, o empresário viu-se na iminência de encontrar um novo terreno e erigir uma nova estrutura estável, afim de manter seus negócios naquela cidade.

Nesse sentido é que, penso que todo o esforço empreendido até o momento em que se iniciou a construção do politeama, pode ser tomado como um processo de refazer a

praça, posto que foi preciso encontrar novo terreno, tomar posse dele, estabelecer

sociedade, bem como solicitar autorização perante a municipalidade para a construção de uma nova estrutura estável naquela cidade. A documentação analisada indica que o mesmo processo que denominei de refazer a praça se deu em relação à Porto Alegre – com a remoção do Circo Universal e a construção do Theatro de Variedades. No caso de Rio Grande, Albano Pereira encaminhou pessoalmente um requerimento à Câmara Municipal, solicitando licença para a construir um politeama à Rua dos Andradas (Livro de Atas 1883-1885, nº 23, 12ª Sessão Ordinária, 18/09/1884).

Uma prática comum de Albano Pereira – e, certamente de outros empresários e companhias artísticas – inserida em meio ao processo de fazer a praça, era visitar a sede de um jornal local e iniciar os trabalhos de

divulgação da temporada de espetáculos antes mesmo de a companhia chegar à localidade, conforme se pode verificar na nota que segue. Perceba-se que, conforme consta, Albano Pereira visitou a localidade cerca de um mês antes da temporada de espetáculos iniciar e, naquele momento, já tratava de divulgar o trabalho de sua

companhia, informando o número de artistas, a presença de “celebridades europeias” no elenco, bem como o número de cavalos amestrados que possuía (CORREIO PAULISTANO, 22/02/1890).

A documentação levantada nesta pesquisa permite verificar outros episódios em que Albano Pereira fez a praça ou delegou tal função à figura do secretário. No entanto, boa parte das ocorrências diz respeito ao período posterior àquele que corresponde ao recorte desta pesquisa, ou seja, diz respeito à sua trajetória após, aparentemente, encerrar os negócios na província de São Pedro do Rio Grande do Sul, tanto em Porto Alegre, como em Rio Grande. Sendo assim, encerro aqui minhas considerações acerca do fazer a praça, para não extrapolar as delimitações temporais que estabeleci para este estudo.