• Nenhum resultado encontrado

Citado por Jean Reynaud em L’Esprit de la Gaule.

No documento Portal Luz Espírita (páginas 100-105)

Religião dos celtas, o culto, os sacrifícios, a ideia da morte

57 Citado por Jean Reynaud em L’Esprit de la Gaule.

Os sacrifícios voluntários entre os gauleses revestiam-se também de um caráter religioso. Seus sentimentos profundos de imortalidade faziam com que se entregassem facilmente aos nossos antepassados. O homem se oferecia como uma hóstia viva pela família, pela nação, pela salvação de todos. Mas todos esses sacrifícios caíram em desuso e tornaram-se bem raros no tempo de Vercingétorix. Em lugar de matar, contentavam-se em tirar algumas gotas de sangue dos fiéis estendidos sobre a pedra dos dolmens.

* * *

Umas das características da filosofia céltica é a indiferença pela morte. Sob esse ponto de vista, a Gália era um objeto de admiração para os povos pagãos, os quais não possuíam, no mesmo grau, a noção de imortalidade. Nossos antepassados, não receando a morte, certos de viver no além-túmulo, estavam libertos de todo temor.

Em nenhuma crença encontra-se um sentimento tão intenso do invisível e da solidariedade que une o mundo dos vivos ao dos Espíritos. Todos aqueles que deixavam a Terra o faziam carregados de mensagens destinadas aos mortos. Diodoro de Sicília nos deixou esta passagem preciosa: “Nos funerais eles depositavam as cartas escritas aos mortos, pelos seus parentes, para que elas lhes fossem transmitidas”. A comunicação dos dois mundos era coisa comum. Pomponius Méla, Valério Máximo e todos os autores latinos que nós citamos dizem que entre os gauleses “emprestava-se dinheiro para ser reembolsado no outro mundo”.

Se, como no exemplo de nossos ancestrais, consideramos a morte como um véu, uma simples cortina que pende sobre o caminho que percorremos, véu de grande efeito para nosso olhar, que ele detém, mas impotente para impedir a nossa marcha que não pára; se compreendemos que só se trata de abandonar esse corpo usado para nos encontrarmos em nosso manto fluídico permanente, essa morte, tão temível para aqueles que nela vêem o aniquilamento, nada teria de espantoso para nós.

Os druidas, dizíamos, tinham um amplo conhecimento da pluralidade dos mundos. Sua fé na imortalidade lhes apresentava as almas, libertas dos liames terrestres, percorrendo os espaços, reunindo os amigos, os parentes que partiram antes delas, visitando com eles os arquipélagos estelares, as esferas inumeráveis onde desabrocham a vida, a luz e a felicidade.

Que espetáculos, que maravilhas representam para nossa vista esses mundos longínquos, que variedade de sensações que se podem recolher desses

universos! E essas almas prosseguem sua viagem na imensidade, até que, submetidas à lei eterna, retomam órgãos novos, se fixam sobre um desses mundos para cooperar, pelo trabalho, para o seu adiantamento, para o seu progresso. Ante esses horizontes imensos, como nossa Terra fica pequena! E, diante de tais perspectivas, pode-se temer a morte?

Os gauleses não conheciam, então, os infernos sinistros nem os paraísos de imobilidade. As vidas de além-túmulo eram, para eles, repletas de atividade, fecundadas por uma faina constante, vidas onde a personalidade e a liberdade do ser se desenvolviam e se aperfeiçoavam incessantemente.

É isto que diz Lucano para os druidas, no primeiro canto de A Farsália: Para vós, as sombras não estão enterradas nos reinos sombrios de Plutão, mas a alma voa para animar outros membros em mundos novos. A morte nada mais é do que o meio de uma longa vida. Felizes são os povos que não conhecem o temor da morte. Daí seu heroísmo no seio das disputas sangrentas, seu desprezo pela morte.

Horácio definia a Gália nestes termos: A região onde não se sofre o terror da morte.

Não haveria um contraste chocante entre esta crença máscula e poderosa e a ideia da eternidade dos suplícios ou daquela, não menos importuna, do aniquilamento absoluto? A fé na sobrevivência era a essência do Druidismo, e deste ponto de vista decorria uma ordem política e social fundada nos princípios de igualdade, de liberdade moral.

Essa mesma fé inspirava também as práticas, as cerimônias fúnebres, tão diferentes das nossas. Nós, modernos, temos por nosso corpo uma complacência infinita; os gauleses consideravam os cadáveres como ferramentas quebradas, apressavam-se em dar-lhes fim. Frequentemente eles queimavam os corpos, recolhendo as cinzas em urnas. Nós estendemos a credulidade até crer, com o Catolicismo, que nossa alma está ligada a esses resíduos e que um dia ela ressuscitará com eles!

Mas o tempo zomba de nossa cegueira e sejam nossos restos enterrados sob o mármore ou sob a pedra, sempre chega uma hora onde, pó, eles retornam ao pó, onde a grande lei cíclica dispersa seus átomos.

Um dia que está próximo, quando estaremos mais esclarecidos sobre nossos destinos, nós não suportaremos mais esse aparato e esses cantos lúgubres, todas essas manifestações de um culto que responde tão pouco à realidade das coisas.

Penetrados, como nossos antepassados, pela ideia de que nossa vida é infinita, de que ela se renova incessantemente em diversos meios, nós veremos

na morte somente uma transformação necessária, uma das fases da existência do progresso.

É dos gauleses que nos vem a comemoração dos mortos, essa festa do dia dois de novembro que caracteriza o nosso povo entre todos. Só que, em vez de comemorar, como nós, nos cemitérios, entre túmulos, era no lar que eles celebravam a lembrança dos amigos afastados, mas não perdidos, que eles evocavam a memória dos Espíritos amados que algumas vezes se manifestavam por meio das druidisas e dos bardos inspirados.

Henri Martin, na sua Histoire de France, volume I, página 71, assim se expressa:

Tudo o que se relaciona à doutrina da morte e do renascimento periódico do mundo e de todos os seres parece estar concentrado na crença e nos ritos do primeiro de novembro.

Noite cheia de mistérios que o Druidismo legou para o Cristianismo e que o dobre de finados anuncia, ainda hoje, a todos os povos católicos esquecidos das origens desta antiga comemoração. Cada uma das grandes regiões do mundo galo-kímrico tinha um centro ou ambiente sagrado a cuja jurisdição correspondiam todas as partes do território confederado. Nesse centro queimava um fogo perpétuo que era chamado de “fogo-pai”.

Na noite de primeiro de novembro, conforme as tradições irlandesas, os druidas se reuniam em volta do “fogo-pai”, guardado por um pontífice forjador, e o extinguiam. A este sinal, pouco a pouco, se apagavam todos os fogos; por toda parte reinava um silêncio de morte, a natureza inteira parecia mergulhada em uma noite primitiva. De repente, o fogo brilhava de novo sobre a montanha santa e gritos de alegria rebentavam de todas as partes. A chama cedida pelo “fogo-pai” corria de foco em foco, de uma ponta a outra, e reanimava a vida em toda parte.

* * *

À questão do culto dos mortos entre os celtas está ligada a lembrança de Carnac com seus monumentos megalíticos.

Todos os celtistas conhecem esta imensa necrópole, que se estendia por muitas léguas de comprimento desde Locmariaquer até Erdeven. Os alinhamentos de menires, hoje em parte destruídos, contavam ainda com milhares de pedras levantadas na Idade Média. Deve-se ver nessas longas filas sombrias outros tantos monumentos funerários? Tem-se duvidado, porque, nas escavações praticadas ao pé dos menires, somente foram encontrados raros fósseis humanos. O Espírito Allan Kardec nos assegura que, escavando-se mais profundamente, ter-se-ia encontrado mais ossadas. As grutas sepulcrais de

Locmariaquer, os dolmens de Erdeven e de outros lugares não deixam dúvidas quanto ao destino desse vasto campo fúnebre. Os menires constituíam os túmulos de chefes políticos ou religiosos, enquanto que as grutas e os dolmens recebiam os restos mortais de personagens menos elevados na ordem social.

Na sua Histoire de la Gaule, Camille Jullian escreveu que os cortejos fúnebres se dirigiam para essa região vindos de vários pontos da Gália.

Qual era, então, o pensamento mestre que agrupava todos esses mortos na extremidade do continente? Muitos escritores tentaram descobri-lo, sem o conseguir. Entretanto, a explicação parece ser a seguinte:

Ante os horizontes infinitos do mar e do céu, acreditava-se, então, que o vôo das almas era mais fácil em direção desses mundos que brilham no além, no seio das noites, ou em direção aos lugares que se sombreiam, durante o entardecer, nas brumas do poente. Essas praias varridas pelas ondas, essas fronteiras de uma vastidão desconhecida tinham, para nossos antepassados, um caráter misterioso e sagrado.

Camille Jullian e outros historiadores atribuem o levantamento dos monumentos megalíticos a povos anteriores aos celtas e particularmente aos lígures, povo meridional de cabelos marrons e de pequena estatura. Ora, esses escritores esquecem que esses monumentos se elevam em todo o ocidente da Europa até nas Ilhas Órcades e Shetland, situadas na ponta extrema da Escócia, nas brumas do mar do Norte. Pode-se contar 145 monumentos em todo o arquipélago. O grupo de pedras de Stonehenge, na Câmbria, Inglaterra, compreende 144 pedras elevadas, formando um conjunto que parece ser o complemento dos alinhamentos de Carnac (França).

Pode-se também assinalar o “túmulo de Taliésin”, situado na base do maciço de Plynlimmon, cercado de dois círculos de pedras, e o grande dólmen da península de Gower, no País de Gales. Na entrada de Clyde todos os picos são rodeados por megálitos. Mencionamos ainda os monumentos da Escócia, chamados “Casa dos Pictos”; e na Irlanda, no Donegal, 67 pedras elevadas formando um grupo comparável ao de Stonehenge.

Nessas sepulturas — dolmens, grutas funerárias e túmulos pré-históricos de todas as dimensões — encontram-se objetos diversos misturados com restos humanos calcinados ou com esqueletos inteiros. São sílex brutos ou polidos, urnas, armas e até foices de ouro que serviam para o culto. Esses objetos pertenciam, portanto, a todas as épocas, desde priscas eras: paleolíticas, neolíticas, idades do bronze e do ferro. É preciso então atribuir esses vestígios aos celtas e não aos lígures ou pelasgos, povos pouco conhecidos, dos quais se ignora a língua e mesmo a localização exata.

Crer que esses monumentos sejam obra sua seria pretender que os gauleses, tão laboriosos e engenhosos em outras matérias, não tenham deixado nenhum rastro no país que eles habitaram durante séculos.

Os megálitos não consistem somente em sepulturas, mas também em monumentos consagrados ao culto. Os mais importantes são os “cromlechs”, ou círculos de pedras, no centro dos quais se ergue geralmente um grande menir. Alguns são duplos e triplos e representam, então, os três círculos da vida universal, conforme as indicações das Tríades. Nesses lugares praticavam-se os ritos divinos e se evocavam as almas dos mortos.

Entre essas pedras, algumas representavam o mesmo papel que o das mesas falantes de nossos dias e respondiam, pelos seus movimentos, às questões dos assistentes. Assim, o Manuel pour servir à l’étude de l’antiquité celtique, na página 253, cita a pedra falante “cloch labhrais”, que dava respostas, como a “lech lavar” dos gauleses.

Acrescentamos, de memória, que os autores antigos atribuíam aos druidas uma potente mágica, completamente esquecida atualmente, e da qual encontram-se somente resquícios nas práticas do hipnotismo, do magnetismo e do faquirismo. Plínio denominava os druidas de “Magi”, nome que lhes é constantemente dado nos textos latinos e irlandeses, afirma Dom Gougaud, beneditino inglês, no seu livro Les Chrétientés Celtiques.58

Segundo esse autor, os druidas tinham os seguintes poderes: “condensações da neblina, precipitações atmosféricas, tempestades sobre o mar e sobre a terra, etc”. Ele acrescenta que “o druida Fraechan Mac Tenuisain protegia a armada do rei da Irlanda, Diarmait Mac Cerbaill contra o inimigo, por meio de uma barreira mágica (airbe druad) que ele traçou na frente dela. Todos os que atravessavam essa muralha fluídica eram feridos de morte. Todos os velhos textos irlandeses estão repletos de feitos semelhantes.”

Quase sempre, os círculos de pedras dos quais falamos estavam dispostos nas clareiras das florestas, porque, em matéria religiosa, a floresta sempre guarda para os celtas seu prestígio augusto e sagrado.

Na época dos druidas a natureza não estava ainda alterada pela influência nociva, pela corrente destruidora das paixões. Ela era como o grande médium, o intermediário poderoso entre o Céu e a Terra. Os druidas, sob a abóbada das árvores seculares, cujos cumes eram como antenas que atraíam as radiações do espaço, recebiam mais facilmente as intuições, as inspirações, os ensinos do alto. Ainda hoje, apesar de tantas destruições sofridas, a floresta não nos causa uma impressão salutar e reconfortante por seus eflúvios, uma espécie de dilatação da

No documento Portal Luz Espírita (páginas 100-105)

Outline

Documentos relacionados