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2. CAMINHOS TEÓRICOS

2.4. Clássicos da literatura infantil

A publicação de histórias guardadas na memória implica na interação, na construção de sentidos do texto, com base no diálogo com os sujeitos e suas representações. Cabe considerar que inúmeras histórias são contadas, mas que não são de imediato, registradas. Elas amadurecem com o tempo e se adaptam às múltiplas culturas onde foram criadas, bem como se adaptam também aos tempos em que são usadas.

Nota-se que as adaptações são variadas. Na história Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, algumas vezes o lobo é mau, outras, o lobo é bom. Às vezes se usa o termo lenhador, outras vezes, caçador. E quando este chega à casa da avó, ou o lobo já comeu a avó, e mata o lobo mau, ou o lobo esconde a avó e o caçador liberta a avó do armário. Estas adaptações também exercem influência sobre a criança. Elas são adaptadas de modo a influir no seu comportamento tendo, por objetivo, transmitir ensinamentos de moral, psicologia, entre outros. E a cada leitura, sempre mais a criança vai moldando sua conduta. A leitura destes clássicos tem influência na transmissão do conhecimento cultural dos povos, de geração em geração, o que resulta no enriquecimento da cultura daquele que ouve as histórias. Isto denota o aspecto didático da leitura pela transmissão de valores ou de conhecimentos.

Clássicos infantis são, então, as histórias para crianças que, ao longo dos tempos, foram recebendo diferentes adaptações em suas características e narrativas. Estas histórias contadas foram evoluindo de país para país, da forma que cada nação, a partir de suas imagens literárias e do respeito à sua própria cultura, conseguia compreender e transpor para vida real. De acordo com Shavit (2003) “[...] a criação da noção de infância foi uma premissa indispensável para a produção de livros para crianças e determinou em larga medida o desenvolvimento e as opções de desenvolvimento da literatura para crianças”. A importância da literatura infantil para as crianças, assim, fica evidente, pois esta foi registrada em livros e impressa para a divulgação e leitura em escolas, nas famílias, enfim, na sociedade em geral.

[...] a literatura infantil é necessária para qualquer trabalho que a tome como material empírico. Atualmente, é consensual o entendimento de que tal literatura surgiu articulada com a emergência de uma concepção de infância como um período da vida em que os sujeitos necessitam de atenção, formação e educação dirigida pelos adultos (SILVEIRA E BONIN, 2011, p.191).

Nesta conjunção entre literatura e crianças existem intenções pedagógicas. Estas podem ser observadas na introdução formal das crianças às experiências de leitura e, mais recentemente, pelo papel da escola, responsabilizada, provocando o gosto pela leitura, por meio do acesso a clássicos infantis variados.

Há também a tradução de uma cultura para outra, de uma língua para outra. Nestes casos, pude observar que os signos culturais aparecem de acordo com as culturas. Por exemplo, as meninas vestidas de princesas ou em trajes de baile, ou ainda com outros trajes típicos. Nestes aspectos, recontar as histórias reconstrói por meio da língua e da cultura os sentidos veiculados pelo contexto que serviu como ponto de partida para a criação de outro texto. Mas, mesmo estas traduções nem sempre são coerentes, pois algumas carecem de mais elementos e outras trazem o elemento cultural abundante.

A literatura surda não tem clássicos infantis específicos. Sua produção é recente. E ela incorpora elementos culturais à medida que vão sendo construídas as representações surdas no desenrolar cultural e no jeito de contar as histórias.

Conforme Silveira,

“O que se vê registrado na literatura são livros infantis que evidenciam uma representação anterior aos Estudos Surdos, e que trazem uma imagem da surdez sob um enfoque clínico- patológico; ainda conforme a autora, os livros com uma visão social e antropológica dos surdos eram escassos.” (SILVEIRA, 2000, p. 202). No contemporâneo, porém, estão surgindo, graças à tradução cultural, os livros que apresentam os surdos numa perspectiva da diferença e não a partir da lógica da deficiência. Os textos atuais, contendo as narrativas do mundo surdo presentes na imagem da

literatura infantil, focalizam os surdos com os traços culturais e as reflexões produzidas sobre identidades e diferenças estão surgindo e se fortalecendo. O livro de literatura infantil, bem como o registro da história em língua de sinais, ocorrem na discussão sobre a literatura surda, vinculada à discussão sobre cultura e identidade.

Os livros de literatura infantil são artefatos culturais para um público em formação, portanto têm o objetivo de não somente informar, mas também formar esses sujeitos. Uma criança surda, ao ler um livro no qual se encontram elementos da cultura surda, como a língua de sinais, estabelece uma relação de identificação e isso favorece a sua constituição como sujeito surdo. Nesse sentido, pode a literatura infantil tornar-se um instrumento formador de modos de ser e de viver.

Karnopp e Machado evidenciam esta identificação nas historias infantis quando afirmam que

As histórias e as representações da cultura surda, caracterizada pela experiência visual, são corporificadas em livros para crianças de um modo singular, em que o enredo, a trama, a linguagem utilizada, os desenhos e a escrita dos sinais (SW) evidenciam o caminho do autor representação dos surdos na luta pelo estabelecimento do que reconhecem como suas identidades, legitimando sua língua, suas formas de narrar as historias, suas formas de existência, suas formas de ler, traduzir, conceber e julgar os produtos culturais que consomem e que produzem. (KARNOPP E MACHADO, 2006, p.14)

Na literatura surda, têm-se muitos livros que evidenciam a língua de sinais como uma marca surda. Um deles: A Cigarra Surda e as Formigas, apresenta, além da língua de sinais, outros elementos constitutivos da identidade surda, tais como a escrita de sinais e a pedagogia visual, como artefatos culturais da comunidade surda. No livro A Cigarra Surda e as Formigas é possível identificar como a língua de sinais é rica, sendo capaz de comunicar através de significados claramente inteligíveis, bem como esta entrelaçada por outros elementos culturais.

A língua de sinais significada dentro da literatura é uma marca, compreendida de tal forma que é capaz de desenvolver processos de subjetivação. Os processos são responsáveis para construção da identidade surda, que por sua vez se utiliza da própria língua de sinais; significam as aprendizagens que são vivenciadas no contato com a comunidade surda. Valorizado e reconhecido como uma forma de expressão cultural e um instrumento de acesso à educação, bem como à de oportunidades para o povo surdo o conhecimento da literatura se faz imprescindível. (SANTOS, SILVA, CARDOSO E MORAES, 2011, p. 46).

Assim, a existência da literatura infantil com signos culturais é muito importante para a identidade surda e a cultura, bem como para o povo surdo como um todo.

2.5. O fabular nas produções de imagens e textos - A Cigarra e a