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4. INTERCORRÊNCIAS DO CONTATO COM A LITERATURA

4.1. Identificação Cultural e Identidade

Falando sobre a identidade surda, as autoras Perlin e Reis (2005, p. 17) assim expressam: “quanto a nós, pesquisadoras, também nos sentimos sujeitos surdos, nos sentimos sujeitos militantes surdos, sentimos resistência, também participamos da experiência, também nos descrevemos como sujeitos culturais”.

E ainda, segundo Perlin,

Ao focalizar a representação da surda em estudos culturais, tenho de me afastar do conceito de corpo danificado para chegar a uma representação da alteridade cultural que simplesmente vai explicar identidade surda. O conceito de corpo

danificado remete a questões de necessidade de normalização, o que significa trabalhar o sujeito surdo do ponto de vista do sujeito normal ouvinte. (PERLIN, 2005, p. 17).

Minha entrevistada surda, R, inicia sua narrativa também citando seu desconhecimento e posterior encontro com a identidade surda:

Quando eu tinha 10 anos de idade, não conhecia nada sobre identidade surda. Com o passar dos anos, eu compreendi o que é ter identidade surda e também a identidade de cidadão de cada um dos surdos. No teatro eram apresentados temas. Eu trabalhava com expressões faciais, como atriz e fico admirada com as identidades surdas, com a aprendizagem visual dos surdos dos elementos que envolvem a cultura surda. (R. 2014, p. 2)18

Ao mesmo tempo, em Erechim, não havia informação sobre a cultura surda em língua de sinais, porque não se conhecia a língua de sinais. A partir do momento em que passei a atuar na educação municipal, com minha presença como a professora surda na escola que ensina em língua de sinais, os surdos passaram a aprender a conhecer a própria língua de sinais. Nesta época foi muito importante para aqueles sujeitos surdos, possibilitando-os conhecer a própria cultura e identidade surda. Os surdos de Erechim instintivamente passaram a buscar junto a professora surda, formas de encontrar-se com a identidade surda e a cultura, formas de muito valor para eles para se identificarem ao povo surdo. O surdo que reconhece sua própria cultura e identidade informa à comunidade, à associação e à escola. O livro “A cigarra surda e as formigas”surgiu destas narrativas e hoje apoia a literatura surda. Também o teatro em língua de sinais possibilitou acesso a identidade dessa cultura.

Segundo Morais,

A narrativa parte das mãos dos contadores de historias e atraem a atenção de seu publico. O

18

As narrativas de meus entrevistados, como já descrevi na metodologia, estarão assim referenciadas ao longo do capitulo, desse forma.

desempenho é sedutor; as mãos, a expressão corporal e facial, encantadoras. Não se concebe em sua atuação a destituição da teatralidade, da improvisação, da espontaneidade e do carisma. (MORAIS, 2012, p. 38).

A identificação parte da percepção da narradora sobre seus iguais. A criança vai concebendo e compreendendo que a professora narradora da historia é surda e, desta forma, também vai se apropriando pela intuição e subjetividade do próprio ser surdo. Nota-se, então, que

As explicações são importantes, mais ainda quando tem o uso de recursos visuais durante as narrativas da literatura infantil para os surdos. Os surdos gostam de histórias e o livro também é uma maneira de organizar a narração. O dia 26 de setembro é um dia muito especial para os surdos. Um momento em que há o encontro entre surdos e ouvinte, onde familiares e amigos conhecem mais a respeito da cultura surda e dos movimentos surdos. Onde os sujeitos surdos mostram o que é ser surdo e sobre a própria identidade. A literatura traz elementos da cultura surda para os surdos e para os ouvintes. (R. 2014, p. 3).

A história sobre A cigarra e a formiga, traduzida em língua de sinais, em cultura e em semiótica é próprio da identidade cultural, demonstrando que é possível perceber e reconhecer o povo surdo pela sociedade. O povo surdo tem uma historia longa, possui muitas tradições e historias nas organizações das comunidades surdas, que podem surgir em contextos de educação bilíngue, nas famílias de surdos, nas associações de surdos e em vários outros espaços de interação social. O aluno surdo, imerso nestes contextos, desperta interesse por tudo o que se desenvolve em língua de sinais e também pela possibilidade de apresentação de teatro em língua de sinais. Dai a importância do livro que agrupa e identifica os surdos, possibilitando que estes se identifiquem.

A pesquisadora surda Gládis Perlin identifica esta necessidade de contato surdo-surdo:

Os surdos vivem muito tempo sem terem a possibilidade de se mostrarem de exporem sua língua e cultura. Não possuíam direitos como sujeitos de uma sociedade. Por isso, ser surdo é

uma identidade que se aprende em grupo e só pode ser aprendida nos grupos dos surdos.

(PERLIN, 1998, p. 34)

Por exemplo: quando uma família tem dois filhos surdos eles desenvolvem facilmente a língua de sinais, a cultura e a identidade. Muito melhor se dá a aquisição da cultura e da identidade surda na família cujos pais e irmãos são surdos. Oliveira (2015), ouvinte cujos pais são surdos, afirma que

“No contato com o outro, aprendemos sobre o outro, sobre seu mundo e construímos o nosso mundo, o nosso olhar. Eu e meus irmãos crescemos na e com a diferença buscando entender o olhar do outro. Um olhar que nos julgava que nos colocava em posições que não entendíamos. Tínhamos nossos pais como referencia. Não víamos neles pessoas incapazes, diferentes, víamos nossos pais. A escola, a sociedade nos mostrou a diferença. Crescer no meio de pessoas surdas nos faz diferente de outras pessoas?” (OLIVEIRA, 2015, p.31)

Oliveira continua e ressalta que

[...] o jeito surdo de ser e mundo fez parte da constituição do meu ser ouvinte. Sempre percebia e percebo o mundo também com os olhos. Meus pais me ensinaram que ser surdo era natural. Crescemos em meio a festas e encontros de surdos. (OLIVEIRA, 2015, p.31)

Uma de minhas pesquisadas apresentou a seguinte narrativa:

Desde os nove meses eu tive contato com a língua de sinais porque tenho um irmão surdo. Em

contato com o grupo de ouvintes, eu já havia aprendido a língua de sinais, foi possível perceber a diferença entre as culturas surdas e ouvintes. A cultura surda traz a língua de sinais como uma forma de estimular os surdos com a aquisição da língua, com o teatro, com as piadas e o envolvimento com todas as pessoas da Comunidade Surda. (C.2014, p. 8).

A criança surda necessita adquirir, como língua materna, a língua de sinais. Esta aquisição deve ocorrer, preferencialmente, através do contato e da interação social da criança surda como outros surdos mais velhos, que dominem a língua de sinais.

A identidade surda se aprende no grupo surdo, pois o intercâmbio é muito importante no povo surdo, sendo este também um fundamental momento de trocas. Os conhecimentos, atitudes, interesses, cultura e língua são desenvolvidos e vividos no povo surdo. De fato, é no povo surdo que começa a se desenvolver identidades surdas. Estabelecem, então, contatos entre si, através deste contar de historias em língua de sinais, fazem troca de diferentes representações sobre as identidades surdas.