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2. CAMINHOS TEÓRICOS

2.6. O que é Literatura Surda?

A literatura surda tem uma tradição específica. Ela difere das literaturas que transmitem suas histórias de forma oral ou escrita, mas que também contém signos orais e auditivos. O registro de histórias surdas8 contadas no passado permanece na memória de algumas pessoas ou foram esquecidas. O reconhecimento destas histórias tem sido constante e crescente na atualidade. O registro da literatura surda começou a ser possível principalmente a partir do reconhecimento da língua de sinais e do desenvolvimento tecnológico, que possibilitaram formas visuais de registro dos sinais como os vídeos ou as plataformas on-line deste tipo de material, a exemplo do Youtube, entre outros.

Segundo Mourão,

Há livros de literatura clássica traduzidos da língua portuguesa para a língua de sinais (disponíveis em DVD), por exemplo, textos produzidos e distribuídos pela Editora Arara Azul. Em relação a livros de literatura surda, podemos citar Cinderela Surda, Rapunzel Surda, Patinho

Surdo e Adão e Eva, que são adaptações dos

clássicos da literatura. (MOURÃO, 2011, p. 53).

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A história dos surdos registra acontecimentos históricos enquanto grupo que possui uma língua específica, uma identidade e uma cultura. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_dos_surdos>. Acesso em: abr. 2015.

Cinderela é uma jovem surda, que convive com a madrasta e a as irmãs que sabem pouco a língua de sinais. O encontro com o príncipe é surpreendente, pois ele é surdo e comunica-se com Cinderela em sinais.” (SILVEIRA, ROSA, KARNOPP, 2003, p.5)

“Rapunzel é uma jovem surda, que viveu na torre e isolada. Comunica pelos gestos caseiros com a bruxa. Conheceu o príncipe e foi surpreendente, pois ele é surdo e comunica-se em Língua de Sinais. Com ele aprendeu a Língua de Sinais."

“Patinho Surdo conta história de um patinho que nasceu de uma família ouvinte por engano. A família estranha que o patinho se comunicava em sinais. E sai em busca de sua família que usa língua de sinais”. (ROSA, KARNOPP, 2005).

Figura 2: Ilustração de alguns livros com histórias traduzidas. Fonte Mourão (2011)

Vale mencionar o que os autores destacam sobre a adaptação Cinderela Surda:

Não sabemos quem contou esta história pela primeira vez. Ela foi sendo recontada entre os surdos e nós resolvemos registrar e divulgar este belo texto. A maioria das pessoas conhece a clássica história da Cinderela. Nosso objetivo, neste texto é recontar essa história a partir de outra cultura, a cultura surda. Assim, esse livro foi construído a partir de uma experiência visual, com imagens, com o texto reescrito dentro da cultura e identidade surda e da escrita da língua de sinais, conhecido também como Sign Writing.

(SILVEIRA; ROSA e KARNOPP, 2003, p.5). Nesse sentido, é importante pensar que o uso da literatura pode ser instrumento que possibilita à criança a construção da consciência de mundo, uma vez que, através da literatura, é possível relacionar a interpretação com a realidade. Investigar a importância do uso da imagem e da linguagem da literatura, avaliando a expressão de uma literatura surda, torna-se uma tarefa bastante importante e necessária. Os alunos surdos diante das atividades propostas demonstram se sentir estimulados a participar e aprender, dai apresentam-se abertos à

Literatura Surda. Sendo assim os alunos surdos demonstram interesse pela atividade e a narrativa das histórias em língua de sinais.

Torna-se importante, assim, as escolas que possuem alunos surdos se munirem de materiais relativos à Literatura Surda, adquirindo as coleções de clássicos traduzidos em língua de sinais, por exemplo, de modo que seja oportunizando aos alunos surdos uma experiência mais prazerosa da leitura em sua própria língua, o que acaba por implicar em diferentes questões, entre elas até mesmo o comportamento dos alunos com relação aos pares, aos professores, ao conteúdo e a Literatura em si. Além disso, vale considerar que as informações de cunho afetivo podem ser entendidas como materiais didáticos na busca de um ensino pautado na língua do aluno surdo, a língua de sinais.

Coleção Contos Clássicos em lingua de sinais (10 livros + 10 CDs com jogos, narrativas divertidas e vídeos com histórias). (HONORA, FRIZANCO 2010)

Figura 3: Coleção Contos Clássicos em Libras, figura captada na internet: <http://danianepereira.blogspot.com.br/2012/07/contos-classicos-em-libras.html>.

Acesso em: 12 mar. 2015.

O ambiente proporcionado pela Escola Bilíngue se presta a que os alunos possam aprender sua primeira língua, ou seja, sua L1, a língua de sinais. Diferentemente disso, nas salas de aula que são constituídas de alunos surdos e também de alunos ouvintes, há uma interação a partir da língua de sinais, uma vez que trabalhos e práticas com literatura surda deverão ser desenvolvidos dentro do contexto da língua de sinais o que permitirá que os alunos ouvintes também aprendam a língua de sinais e a dominem, uma vez que é imprescindível que se pense em uma interação social entre os alunos nestes contextos. É preciso promover

união e unidade no trabalho educativo que envolve alunos surdos e ouvintes, proporcionando uma troca mútua sobre suas respectivas culturas, suas histórias, e suas vivências sociais. Hoje a necessidade da participação de profissionais surdos nos debates e na decisão de muitos aspectos que dizem respeito à Educação de Surdos e o ensino e aprendizagem de alunos surdos, aumenta cada vez, sendo fundamental o conhecimento da língua de sinais e da cultura da comunidade surda, bem como o reconhecimento desses fatores por parte dos profissionais ouvintes que atuam nessa área, assim como o respeito e valorização dos diferentes pontos de vista, opiniões e críticas construtivas, de modo que juntos seja possível solidificar uma Educação Bilíngue no Brasil. Sendo assim a literatura surda se manifesta nas histórias contadas em sinais e usando formas visuais. O povo surdo preocupa-se com a participação da criança desde cedo em seu meio, como forma de identificação da diferença, estabelecendo laços afetivos importantes no sentido de adquirir um sentimento de pertencimento a um grupo linguístico. No contato com os surdos adultos a criança surda conhece as histórias contadas por eles, além de aprofundar o conhecimento de língua. As relações cognitivas são importantes para o desenvolvimento e estão relacionando a capacidade da criança em organizar suas ideias e pensamento por meio de uma língua na interação com os demais colegas e adultos que discutem e pensam sobre o mundo no processo de aquisição da leitura em sinais ou em português, escrita em sinais ou em português.

A expressão “literatura surda” é utilizada para histórias que têm a língua de sinais, a cultura e a identidade surda na narrativa. Segundo Karnopp

Literatura surda é a produção de textos literários em sinais, que traduz a experiência visual, que entende a surdez como presença de algo e não como falta que possibilita outras representações de surdos e que considera as pessoas surdas como um grupo linguístico e cultural diferente. (KARNOPP, 2006, p. 161).

Ainda conforme Karnopp (2010), compartilhar a língua de sinais possibilita também a produção de narrativas e poemas que vão passando de geração a geração. Essas considerações são importantes para entendermos a produção literária em sinais. Segundo Rosa,

Temos ainda „Patinho Surdo‟ (ROSA; KARNOPP, 2005) que narra uma história muito diferente daquele clássico infantil „Patinho Feio‟, não sendo considerada uma adaptação, mas sendo uma criação nova de uma história de patos surdos. Precisamos de materiais que discutam a cultura surda, identidade surda, a Língua de Sinais, o visual etc. (ROSA, 2006, p. 62).

O campo da literatura infantil oferece um vasto arsenal que possibilita explorar tais aspectos e tornar acessível à literatura surda e se servir deste meio para levar às crianças surdas conhecimentos outrora negados em língua de sinais. O professor surdo, como membro legítimo da cultura surda, torna-se um habilitado para traduzir em língua de sinais os muitos clássicos infantis e outras histórias. Conjuntamente, professores bilingues, amigos, família e a comunidade acadêmica podem se dedicar à tradução conjunta para a literatura infantil.

Existe uma diversificada literatura presente em associações de surdos, em escolas, em pontos de encontro da comunidade surda. Algumas dessas histórias são contadas e resgatadas por surdos idosos e/ou por surdos contadores de histórias. Uma pequena parcela dessas produções culturais tem sido registrada em vídeo, na língua de sinais ou, então, traduzidas para a língua portuguesa. As histórias, as narrativas, os poemas, que são produzidos servem como repertórios da identidade e da cultura surdas.

Contar histórias é um hábito tão antigo quanto a civilização. Contar histórias é um ato que pertence a todas as comunidades: comunidades indígenas, comunidades de surdos, entre outras. Contar histórias, piadas, episódios em línguas de sinais pelos próprios surdos é um hábito que acompanha a história das comunidades surdas. Grupos de pesquisadores estão se dando à tarefa de coletar as narrativas que surgem nessas comunidades, para que não desapareçam com o tempo. (KARNOPP 2008, p.7).

A literatura surda é relevante e o registro de histórias pode proporcionar, principalmente às escolas, um material baseado na cultura surda. O trabalho de registro de histórias contadas por surdos é necessário. A ficção e o imaginário surdo são abundantes e sua presença

tornam-se extremamente significativas no momento do registro das histórias em sinais. São historias variadas envolvendo uma maior aproximação com a criação, constituição e divulgação da cultura surda, de uma diferença política, linguística e educacional.

“Surdos reúnem-se frequentemente para contar histórias e, entre as preferidas, estão às histórias de vida, as piadas e aquelas que incluem elementos da cultura surda, com personagens surdos, com tramas que, em geral, envolvem as diferenças entre o mundo surdo e o ouvinte” (ALVES e KARNOPP, 2003,p.7).

Essas considerações são importantes para entendermos a produção literária em sinais. Pessoas surdas, convivendo com ouvintes, em seu ambiente de trabalho ou com a família, se apropriam de meios visuais para entender o mundo e se relacionar com as pessoas ouvintes. Essa experiência visual, além do uso da língua de sinais, compõe a gama de características da cultura surda. De certa forma isto acontece também nas narrativas em sinais e em “Sign Writing”, ocasionando intercorrências na cultura surda e identidade.