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5. Aprendizagem pela internet na formação docente continuada para a gestão

5.1. Quatro professoras às voltas com aprendizagens pela internet: critérios para a

5.1.4. Clara

Clara é a nossa última entrevistada. Pedagoga, exerce a função de professora há muitos anos na rede municipal. Trabalha os dois expedientes na escola, agora como gestora. Seu pseudônimo veio-nos por conta de suas respostas claras e precisas, sem muitos intervalos nas respostas dadas, àquilo que foi perguntado sem fugir do tema da entrevista.

Para a professora-gestora, a internet atualmente se torna essencial em sua vida e trabalho, o seu uso é rotineiro e cotidiano, através dela Clara agiliza seu fazer laboral, obtendo contatos mais rápidos e acessíveis para troca de informações e dados da escola com a secretaria de educação. A transmissão de dados num contato rápido e direto se torna mais acessível com o uso da internet: “porque hoje, com os meios de comunicação e a forma de transmitir o intercâmbio entre a secretaria e o nosso trabalho, hoje já é uma necessidade muito grande”.

Necessária, a internet agilizou os modos de resolver problemas burocráticos da escola com a Secretaria da Educação, documentos de trancamento de matrícula, histórico escolar, pedidos de merendas, requerimentos para concessão de palestras ou algo que falta a escola podem ser feitos de forma rápida através do e-mail. Tal uso intenso decorre, naturalmente, das demandas feitas a sua função, mas Clara também busca novos conhecimentos, faz pesquisas, para pensar em recursos pedagógicos para a instituição, a exemplo da criação de um parque na escola utilizando produtos recicláveis e projetos a serem desenvolvidos durante o ano em conjunto com os professores:

Como a escola hoje tem um livre acesso com a Secretaria da Educação, nós a usamos para resolver problemas entre a Secretaria e a escola, resolvemos para estudo, para pesquisa, pra desenvolver tudo o que a escola necessita, praticamente, até para novos conhecimentos a gente também usa.

A enunciação de Clara mostra, ao olho atento, que mesmo essa professora, que se apresenta já tão habituada à internet, pelas tarefas de gestora, não assimilou ainda a relação entre aprendizagem e internet. A melhor prova disso está no limite que ela aplica à internet: "até para novos conhecimentos a gente também usa", ou seja, a aprendizagem para o trabalho fica no limite mais externo, mais extremo dos usos da internet. É, portanto, ainda periférica. Essa localização revela não só a perspectiva da gestora – que tem de lidar com burocracia administrativa –, mas também a da professora que não imaginava poder aprender a distância, tampouco autonomamente, através da internet.

Clara é uma professora que facilmente recorre à internet e aos cursos a distância para aprender sobre temas relacionados à violência: um deles é o Curso de Prevenção às Drogas, a distância, promovido pelo MEC em parceria com a UnB; ela também já fez uma especialização na área de tecnologias educacionais, além do ProInfo, do EqP, participando de outros cursos e programas que trouxessem ideias inovadoras para a sua escola:

Aí é onde a gente vê uma abertura muito grande da internet para a nossa... para sediar as nossas vontades quando o tempo é curto. Nós temos muitas vezes pouco tempo e também não há universidades na madrugada. Então eu acho que a questão das tecnologias ela vem abrindo muito para que a gente estude nos momentos que a gente tem, nos horários que a gente tem condições, as vezes, a gente precisa de determinados horários e isso vem a favorecer, então acredito que a minha monografia sobre tecnologia foi feita mais nas madrugadas, o que eu não poderia fazer presencial se precisasse. O comentário de Clara demonstra a ambivalência do processo de informatização: ele dá mais acesso às informações e acelera a comunicação, mas também, na lógica da globalização, aumenta a carga de trabalho ("o tempo é curto") e as demandas (o aperfeiçoamento através, por exemplo, de pós-graduação) sobre o perfil profissional docente – o qual, contudo, ainda não foi preparado, em formação continuada, para aproveitar a internet com vistas a seu trabalho. Boa parte das representações identificadas junto às docentes entrevistadas aproxima a rede mundial de computadores do lazer e da privacidade pessoais, sem maiores relações com o trabalho. Clara é uma exceção, mas apenas parcialmente, já que ainda não lhe é natural entender a relação intrínseca, no atual estágio de desenvolvimento tecnológico, entre aprender e recorrer à internet.

A formação continuada na internet é bastante citada por Clara, que sente a necessidade de estar sempre se atualizando: sua função de gestora impele-a a buscar

material de trabalho com docentes e discentes na internet, assumindo um caráter de evidente formação continuada, voltada para contribuir com o apefeiçoamento do cotidiano na escola. O foco de suas aprendizagens recai sobre temas ligados à violência, mais especificamente relacionada às drogas, já que a unidade de ensino em que Clara trabalha situa-se em comunidade na qual as brigas para pontos de venda de drogas são bastante corriqueiras:

Nós temos aqui uma comunidade muito forte em questão de mídia mesmo, na questão pejorativa, Nós temos aqui o condomínio X. (que fica ali), nós temos o Y., que é chamado de Torre de Babel, pelo índice de violência que é muito grande e praticamente todos os nossos alunos vêm de lá. Temos aqui o Z., que é chamado de Carandiru; então, assim, e aqui, tem esse aqui que não colocaram o nome ainda, a violência muito grande, a disputa pelo uso das drogas faz com que essas crianças vivenciam isso todos os dias, quando eles chegam na escola, eles muitas vezes não dormem, porque a casa foi invadida, o pai foi preso, nós temos um grande índice de crianças onde os pais foram presos, as mães são catadoras, então assim, é visível a questão da violência, da vida social deles, eles são desprovidos.

As representações e discursos sobre a violência misturam-se no enunciado de Clara: listando fatores de risco que envolvem alunos da escola (a pobreza, sempre tão ambiguamente associada à violência; a insegurança pública; a presença de comércio ilegal de drogas), não sabemos precisamente se a professora-gestora consegue enxergar a complexidade do fenômeno ou se confunde causas e consequências num raciocínio que termina por responsabilizar os alunos por sua condição ("é visível a questão da violência, da vida social deles, eles são desprovidos").

As demandas profissionais de Clara fazem com que busque sempre informações sobre o saber lidar com essas situações de violência extrema a que tanto ela como os demais participantes da escola estão sujeitos. Em sua fala lembramos do que discutem Candau (1997), Tardif (2002) e Pimenta (2005) com relação aos saberes existenciais da prática, tendo como principal ponto do enfoque os lugares da escola, as representações sociais da instituição e da função docente, a autonomia. Nessa autonomia o uso da internet ganha força quando ela ao sentir a necessidade constrói habilidades de autogerenciamento de sua própria formação continuada e na atuação de gestora, utiliza desse artifício para motivar os demais professores a gerirem sua própria formação continuada.

Todavia, Clara não se interroga, ao pensar e falar sobre a violência na escola, se a própria unidade de ensino colabora para esse processo (e, se assim for, como). Desse modo, a representação de que a violência na escola envolve esferas que a própria escola

não pode gerir reforça a impressão de um obstáculo externo, estranho e invasivo, diante do que pouco ou nada pode ser feito. Ora, em níveis microssociais, aqueles das relações entre discentes e entre discentes e docentes na sala de aula, por exemplo, a escola muito tem a fazer, a começar pela valorização do que, através da internet, docentes podem aprender sobre diversidade cultural e alternativas pacíficas à violência na escola, a fim de evitarem uma paralisia diante da fragilidade de instituições como a familiar – num raciocínio que reforça a exclusão dos que já nascem periféricos.